Criação de espaços amigáveis aos pets beneficia os animais e as pessoas que os acompanham

Quem diria que nossos leais amigos de quatro patas, os cães, têm sido nossos companheiros há mais de 15 mil anos? Com 58,1 milhões de indivíduos (Instituto Pet Brasil, 2019), os cães lideram o ranking na preferência dos brasileiros seguidos de perto pelas aves (41 milhões), gatos (27,1 milhões), peixes (20,8 milhões) e por pequenos répteis e mamíferos (2,5 milhões). Não é de estranhar, portanto, que ao sair para caminhar encontrei, dia destes, duas iguanas vestidinhas de jaqueta jeans, repletas de enfeites brilhantes pelo coro e de coleirinha passeando tranquilamente com seu humano de estimação pelas ruas do bairro.
O fato é que os cães ainda estão em maioria e a relação que temos com eles, mudou e muito. Sou de uma época em que “cachorro raiz” era aquele que ia ao veterinário uma vez ao ano atualizar as vacinas, banho mesmo só de chuva ou mangueira. Típico tratamento de cão de guarda. Morava numa casinha de madeira no quintal. Assim foi com Laica, meu pastor alemão. Doce com os donos e péssima com carteiros e entregadores. Dentro de casa? Impensável. Vez e outra escapava e roubava alguma peça de carne esquecida sobre a pia da cozinha. Típico “cachorro raiz”, tomava banho de mangueira, secava ao sol, caçava ratos, matava passarinho e deixava “de presente” a prenda sobre o tapete que ficava na porta da sala. Virou estrelinha aos 17 anos. O fato é que de lá para cá, muita coisa mudou e eles não são mais apenas guardiões ou companheiros de caça. Agora desempenham um papel fundamental em nossas vidas nas cidades, proporcionando benefícios físicos e emocionais. Literalmente são tratados como membros da família.
O contato com animais de estimação pode ter um impacto profundo em nosso bem-estar emocional. A simples presença de um gato ronronando ou um cachorro brincando pode aliviar o estresse, reduzir a ansiedade e até mesmo combater a depressão. Não é à toa que cães são frequentemente usados como terapeutas em hospitais e instituições de saúde mental. Além disso, nossos animais de estimação podem atuar como “facilitadores sociais”. Eles são mestres em quebrar o gelo e iniciar conversas entre estranhos. Se você já levou seu cachorro para um parque, provavelmente vivenciou isso. As pessoas se aproximam, fazem perguntas sobre o nome, a raça e a idade do seu animal de estimação e, de repente, você está envolvido em uma agradável conversa com alguém que você nunca conheceria de outra forma. No meu caso, nunca lembro o nome dos tutores. Acredito que tampouco eles lembrem do meu, mas sei o nome dos cães, seus hábitos e gostos: Capiroto, por exemplo, é mestre em destruir os sofás, poltronas e tem especial predileção por travesseiros – deixa-os aos pedaços espalhados pela casa. Fuji e Kodak amam assistir seriados com o João, videomaker, e não dispensam a companhia dos amigos humanos nos churrascos aos finais de semana.
Pandora, ansiosa, é uma caixinha repleta de surpresas e que deixa minha filha em estado de alerta constante. Bovespa, por sua vez, passa horas a fio ouvindo questões relacionadas ao mercado financeiro de seu tutor que trabalha em home office atendendo uma empresa de investimentos sediada na Avenida Faria Lima, em São Paulo. Nirvana, Cher e Bono são pets de um guitarrista amador que ama bandas de rock anos 90 e não dispensam os finais de semana musicais, quando, embevecidos pelos sons da guitarra, uivam acompanhando seu tutor. Nas instalações da Jovem Pan, por exemplo, predominam os cães com nomes de temperos, personagens de desenhos animados e bebidas. Convivem todos tranquilamente pelos andares da redação. Aguardo ansiosamente algum deslize da produção. Em algum momento, algum deles vai se apresentar espontaneamente no “Jornal da Manhã” ao vivo. Vai virar meme.

Pitaya, resgatada do meio da faixa de ônibus da Av. Faria Lima no meio de uma noite chuvosa por meu filho, encontrou um novo lar
Tão sério é o assunto de convivência entre humanos e seus bichinhos de estimação para a saúde física e mental da população que prefeitos de cidades como Sydney, na Austrália, e Toronto, no Canadá criaram políticas públicas para transformar suas cidades amigáveis para pets e seus tutores. Já a cidade de Zagreb, na Croácia, vem investindo numa plataforma (dados abertos) para disponibilizar informações relacionadas a cães para seus cidadãos. A partir dela, o poder público identifica os locais em que é necessário um investimento maior para a implantação de infraestrutura adequada à convivência da população com seus animais de estimação. No Brasil, arquitetos e urbanistas vêm buscando desenvolver projetos para adequar áreas públicas às necessidades dos bichanos.
Autoridades municipais na cidade de Sydney (Austrália), definiram “Áreas de Recreação para Cães” em parques públicos, proporcionando espaços seguros para brincadeiras caninas e reduzindo o desgaste nas demais áreas urbanas. Todos os espaços públicos foram mapeados para receber os animais de estimação com coleira, com coleira e focinheira e sem coleira, ou seja, existem regras de convivência claras. Não basta uma lei e sua aplicação. Todos os espaços são planejados e pensados para a convivência harmoniosa. A cidade investe em estações de lavagem para pets, promovendo a higiene e preservação de locais públicos além de programas de treinamento e socialização para melhorar o comportamento dos animais em espaços públicos.
Já a cidade de Toronto, no Canadá, criou um Manual intitulado Pet Friendly Design Guidelines and Best Practices for New Multi-unit Buildings que tem por objetivo orientar os desenvolvedores de novos empreendimentos imobiliários a atender às necessidades de animais de estimação e seus proprietários, promovendo ambientes harmoniosos para todos os moradores e reduzindo eventuais impactos negativos em parques públicos, espaços abertos e no meio ambiente em geral. Os espaços previstos para os amiguinhos de quatro patas devem conter cercas e muros (entre 1,2m até 1,6m de altura) com portões duplos para mantê-los seguros nos espaços a eles dedicados. Fontes de água potável, além de iluminação adequada para uso noturno, locais para descanso dos tutores permitindo que eles visualizem todo o espaço para que os animais possam ser facilmente supervisionados, inclusão de equipamentos que permitam escaladas e outras atividades, disponibilização de sacos, recipientes e sinalização instrutiva para resíduos são algumas das recomendações para a criação de uma rede de espaços livres públicos para as atividades de recreação dos pets e seus donos.
À medida que mais cidades tornam os espaços públicos mais amigáveis para pets, podemos esperar que essa tendência continue a crescer. Isso não apenas beneficia os animais, mas também as pessoas que os acompanham. Os pets podem ajudar a promover a socialização e o bem-estar, especialmente em ambientes urbanos sendo uma fonte de companhia e apoio emocional e ajudando as pessoas a se conectarem com outras. Em um contexto de crescente solidão, dependência da tecnologia e envelhecimento da população, a convivência com pets pode ser uma importante ferramenta para melhorar a saúde mental e física da população. Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas