Criação de ‘superbloco’ na Câmara ameaça poder de Lira, beneficia Lula e causa ‘climão’ entre aliados 

A junção de cinco partidos forma o maior bloco partidário da Câmara dos Deputados e expõe o primeiro racha do Centrão que pode desafiar a hegemonia de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Casa. Com 142 parlamentares, o grupo liderado pelo deputado federal Fábio Macedo (Podemos-MA), parlamentar de primeiro mandato ligado ao ministro da Justiça, Flávio Dino, é composto tanto por governistas, como o MDB e o PSD, que ocupam postos na Esplanada dos Ministérios, quanto pelos “independentes” Podemos, Republicanos e PSC – apesar de abrigar deputados que fazem oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como Deltan Dallagnol (Podemos-PR), a sigla emplacou nomes no Grupo Executivo de Assistência Patronal (Geap) e no  Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. O superbloco capitaneado por Macedo trará reflexos não apenas no dia a dia das votações no Congresso, mas antecipa o debate sobre a sucessão de Lira, em fevereiro de 2025. Mais do que isso, o movimento foi bem recebido pelo Palácio do Planalto, que vê brecha para atrair o Republicanos para a base aliada na Casa e ampliar o número de deputados fieis ao governo federal. “O nosso bloco hoje, fiz uma conta, 70% da bancada é governista, a maioria. Não que dizer que é total governo. Isso quer dizer que 30% tem um direcionamento mais de oposição. Mas fizemos um acordo entre os líderes de se reunir toda segunda para discutir as pautas da semana, em busca um só alinhamento. [O acordo é para que] Todos votem com o governo. Não será fácil, mas irei trabalhar nesse sentido, sempre respeitando e tendo muito diálogo”, disse o parlamentar do Maranhão ao site da Jovem Pan.

O cientista político Paulo Niccoli Ramires, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), explica que a união dos cinco partidos expressa uma reformulação do grupo tradicionalmente mais poderoso no Legislativo, o Centrão – até o fim do governo Bolsonaro, o tripé deste bloco era formado pelo PP, pelo PL e pelo Republicanos. O partido ligado à Igreja Universal e comandado por Marcos Pereira foi se distanciado dos outros dois partidos gradativamente. “Continua o caráter fisiológico do Centrão, se adaptando aos próprios interesses e se adaptando aos interesses do governo. E, claro, com isso voltamos à política do toma lá, dá cá, assim como foi com Bolsonaro, no governo do Temer, nos dois mandatos do Lula e do FHC”, menciona. Em outras palavras, Paulo Niccoli Ramirez pondera que essa junção dos partidos representa a concentração de poder na Câmara, assim como a construção de um apoio ao Executivo, com a troca de cargos, indicações e outros benefícios. “É uma forma do governo negociar, porque com 142 deputados tenderá a reforçar o governismo [na Câmara] ou a criar uma governabilidade para Lula”, acrescentou.

De acordo com o cientista político, o reflexo desse novo protagonismo do bloco também representa uma ameaça para Arthur Lira, caso ele deixe de pautar e defender projetos do governo. “Tudo vai depender se ele vai conseguir dançar conforme a música imposta pelo Executivo. Caso contrário, o Lula mostra que conseguiu configurar uma base que poderá manter um apoio e eventualmente fazer pontuais críticas a Lira. Havendo desavenças, a tendência é o enfraquecimento de Lira dentro do Congresso”, pondera Paulo Niccoli Ramirez. Ao longo da semana, líderes dos partidos se reuniram com o presidente da Câmara para desfazer (ou ao menos tentar) a imagem de que a criação do superbloco era uma afronta ao presidente da Câmara. Nos bastidores, parlamentares dizem, por outro lado, que MDB, PSD, Republicanos e PSC só se juntaram porque Lira e outros caciques do PP preferiram estreitar relações com o União Brasil – as duas siglas negociaram, por semanas, a formação de uma federação, mas as conversas naufragaram. Ao site da Jovem Pan, membros do bloco recém criado também amenizaram o tom e descartaram que a formação represente desafios para a atual presidência da Casa. À reportagem, o deputado federal Newton Cardoso (MDB-MG) disse que o Progressistas já detém “a principal voz”, o que explicaria a não participação no “superbloco”. “Não se forma bloco para confronto, é para gerar consensos. E se Lira consegue dialogar de forma única com um número maior de parlamentares, vai conseguir agora. Lembrando que o bloco mais importante é aquele formado no 1º dia”, afirmou, em referência aos 496 deputados que apoiaram à reeleição do presidente na Câmara.

Ao longo da semana, o político alagoano chegou a parabenizar publicamente os líderes dos partidos pela formação do bloco partidário, em uma sinalização positiva. “Sempre defendi a unidade para reduzirmos o número de partidos, fortalecendo-os e dando à sociedade confiança no nosso sistema partidário. Dessa forma, reafirmamos o compromisso com a democracia e o Parlamento brasileiros”, escreveu ele em publicação nas redes sociais. No entanto, para aliados do presidente da Câmara, a formação do grupo não foi bem recebida e “gerou desconfiança”. Isso porque há o entendimento de que, com chancela do Palácio do Planalto, o bloco foi formado “de última hora” em busca de consolidar maior apoio ao governo Lula 3, que ainda patina na construção de uma base sólida no Parlamento. À reportagem, o deputado José Nelto (PP-GO) disse que, ainda que seja uma estratégia, dificilmente o governo conseguirá, na prática, “escantear” o político alagoano. “Isso é jogo do poder. O Lira tem 496 votos, a vitória mais maiúscula [da história]; o poder do presidente da Câmara é muito grande. O Planalto sabe disso”, afirmou o deputado. “Política se faz com votos, né? Lira saberá lidar com esse novo bloco”, acrescentou. De fato, Arthur Lira já negocia, dentro da própria Câmara, uma resposta aos desafios representados pelo bloco pró-Lula. Em conjunto com o PSB e outras legendas, como o PDT e o Cidadania, o presidente da Casa articula a criação de um bloco partidário ainda maior, podendo chegar a 170 deputados. Segundo o deputado federal Jonas Donizette (PSB-SP), a formação pode sair ainda em abril. “Essa aglutinação é normal”, concluiu.