Descobrir onde estão as pessoas da sua cidade e quais os canais para alcançá-las é regrinha básica da boa gestão pública

Dizem que Diógenes de Sínope (413 – 323 a.C.) andava durante o dia com uma lanterna na mão em meio à multidão pronunciando a frase “procuro um homem”. Buscava encontrar um homem verdadeiro, autêntico, capaz de alcançar a verdadeira felicidade pela condução da sua vida a partir dos princípios ditados pela própria natureza, indiferente à superficialidade gerada pelas convenções sociais. Séculos depois, o filósofo fundador da escola cínica que morava em um barril, vestia alguns trapos para cobrir o corpo e alimentava-se a partir de doações despejadas em sua cuia encontraria, ironicamente, inúmeros iguais na forma externa. Diferentemente de suas convicções, eles não optaram pela autenticidade como modo de vida, mas foram despojados à força de seus direitos fundamentais como resultado da negligência, impassividade e apatia daqueles que, como cidadãos e agentes públicos, deveriam empenhar-se na busca de caminhos que resgatem a dignidade individual e social de comunidades urbanas.

No último ano, a prefeitura do município de São Paulo disponibilizou uma série de instrumentos de participação popular previstos em lei (nº 10.257/20010), pedindo aos cidadãos alterações e sugestões para o Plano Diretor Estratégico para a lei de zoneamento e para o orçamento urbano, com o objetivo de garantir a gestão democrática por meio da participação da população nos rumos da cidade. As solicitações para asfaltamento de ruas, iluminação em frente às escolas, coleta de lixo regular, criação de áreas verdes, proteção de florestas urbanas, hortas comunitárias, provisão de habitação popular e acolhimento para a população de rua são alguns dos exemplos que foram apoiados no site Participe+, da Prefeitura de São Paulo. A baixa adesão da população em audiências públicas, conferências, conselhos municipais, plenárias, fóruns temáticos e consultas online dificulta, quando não impossibilita, que os cidadãos expressem suas opiniões, demandas e sugestões, contribuindo para a tomada de decisões e definição de políticas públicas.

Infelizmente, observando os indicadores ainda não oficiais de participação pública no processo de revisão do Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo e do envio de sugestões para o orçamento do próximo ano, vislumbro que a busca de cidadãos autênticos, verdadeiramente comprometidos com o seu bem-estar e com o bem-estar coletivo — e que se encontram dispostos a agir em prol do interesse comum e da construção de uma cidade mais justa e menos desigual —, é um objetivo que está longe de ser alcançado. Por qual razão os cidadãos não participam ativamente das decisões sobre os rumos da cidade? Sobre o orçamento que garante a reforma da escola, sobre a iluminação da rua ou a coleta de lixo, por exemplo? 

A falta de engajamento das pessoas, da participação cidadã ativa associada a um certo abandono em relação aos assuntos que afetam diretamente nossas vidas e comunidades, não deveria se sobrepor à importância da definição de políticas urbanas e sociais. Governança democrática passa pela participação social. Reclamar ou curtir em redes sociais ainda não faz parte dos instrumentos de participação social brasileiros, embora a aplicação de enquetes que levam à percepção da população frente às decisões municipais seja relativamente comum em cidades distribuídas mundo afora e que visam compreender os impactos das ações públicas sobre a população. 

A participação popular e a promoção de um urbanismo mais inclusivo têm se mostrado fundamentais para a construção de cidades mais democráticas e sustentáveis. Enquanto São Paulo utiliza instrumentos formais e estruturados, como audiências públicas e conselhos, a cidade de Barcelona, por meio da gestão de Ada Colau, vem adotando uma abordagem mais informal e baseada na participação direta dos cidadãos. Conhecido como “urbanismo do cotidiano”, sua atuação vem transformando a cidade de forma prática e tangível, envolvendo os cidadãos na requalificação de espaços urbanos. Definindo-se como “ativista social”, a prefeita catalã busca se aproximar das pessoas, promovendo uma cidade que prioriza a vida cotidiana dos cidadãos. Barcelona implementou iniciativas como a transformação de ruas em superquadras, a criação de espaços verdes e a melhoria da mobilidade urbana para estimular a participação ativa dos cidadãos na construção da cidade, envolvendo-os na requalificação de espaços urbanos. Bem mais do que zeladoria urbana, atuar conjuntamente, co-criar a cidade por meio da interação com a população, é a fórmula mais eficaz para impactar positivamente vida de todos. E mais: devolutivas e retornos às questões dos cidadãos são prontamente atendidas, ampliando a confiança de todos. 

A prefeita tem razão. O estudo “Panorama Político 2022 – O Cidadão e o Senado Federal”, elaborado pelo DataSenado, aponta a democracia como melhor forma de governo para 67% dos brasileiros, percentual equivalente ao observado em janeiro de 2021. Já o nível de insatisfação com a democracia no Brasil apresenta um resultado estarrecedor: 87% da população está pouco ou nada satisfeita. O dado mostra o descrédito do povo com seus governantes e instituições públicas, resultando numa baixa adesão aos chamamentos públicos e ao exercício de seus direitos como cidadão. Sou atuante em causas urbanas e ambientais e posso afirmar, por experiência, que outros fatores influenciam na baixa adesão: o padrão de linguagem adotado pela prefeitura em seus canais é de difícil entendimento e acesso, repleto de siglas, acrônimos, expressões técnicas e jargões dos grupos que os redigiram. É preciso lembrar que não basta “jogar o texto” nas plataformas existentes. Mesmo ilustrados, muitos dos materiais publicados são incompreensíveis para quem não faz parte do grupinho.

Quem são? Onde vivem? O que comem? Parece brincadeira, mas não é. Descobrir onde estão as pessoas da sua cidade e quais os canais adequados para alcançá-las é a regrinha básica para uma boa gestão pública. Quando a participação popular é adotada como princípio de governo, o engajamento dos cidadãos nas causas urbanas, leva à co-criação de políticas públicas incentivando prefeitos na definição das prioridades e apontando caminhos para que vereadores proponham leis que representem a população. Estas ações, associadas à melhoria da gestão de comunicação institucional e à transparência de informações, garantem a gestão democrática pela aproximação do cidadão com aqueles que, eleitos, zelam pelo bem-estar de todos.

Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas.