Ludmilla Pontremolez, CTO da Zippi: dos satélites às soluções para pequenos negócios

Uma mulher de pele clara e cabelos loiros posa para a câmera, sentada em uma poltrona vermelha. Ela usa um vestido branco elegante e tem uma expressão confiante e amigável. O fundo é neutro, com um padrão de linhas verticais brancas, proporcionando um ambiente sofisticado e profissional (soluções, Zippi, Ludmilla Pontremolez, cofundadora e CTO)

A história de Ludmilla Pontremolez já é incomum para uma brasileira; para uma mulher, então, mais ainda. Nascida no interior de São Paulo, a engenheira tem uma trajetória profissional na área de tecnologia que impressiona. A começar pela formação no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), seguida por um estágio na NASA (National Aeronautics and Space Administration) e por trabalhos em empresas como Microsoft e Square. O segredo, segundo ela, é o incentivo constante.

“Tem algo que ouvíamos muito no ITA: o Brasil não produzia nem bicicleta ainda quando alguém falou ‘Vamos produzir aviões’. E acho que esse espírito empreendedor, que é algo muito brasileiro, me toca profundamente. Essa vontade que nós temos de pensar com esse nível de ambição”, afirma.

Foi esse pensamento ambicioso que levou Ludmilla a se tornar a cofundadora e chief technology officer (CTO) da Zippi, fintech que oferece capital de giro semanal para micro e pequenos empreendedores. A empresa foi criada em conjunto com André Bernardes e Bruno Lucas e alcançou a marca de R$ 1 bilhão em créditos transacionados a seus clientes entre 2023 e 2024.

Em entrevista ao IT Forum, Ludmilla contou como foi viver tudo isso enquanto mulher na tecnologia e desenvolver todas as conquistas da Zippi. Confira abaixo a conversa na íntegra:

O que te levou a se interessar pela tecnologia?

Eu sempre gostei de exatas. Na minha família, somos três mulheres – eu e duas irmãs – e minha mãe, que sempre nos disse que poderíamos fazer o que quiséssemos e que profissão não tem gênero. Acho que o encorajamento dela foi tão grande que acabamos com três engenheiras em casa. Até porque, além da minha mãe, eu também via minhas duas irmãs mais velhas como exemplo.

Sou de São José dos Campos, cidade onde foi fundado o ITA, e estudei em um colégio muito focado na instituição. Toda a minha base de formação foi ligada ao ITA, mas, até entrar lá, eu não tinha uma conexão tão forte com tecnologia – só sabia que gostava de exatas.

O ITA tem um curso fundamental, com os dois primeiros anos abrangendo diversas matérias de todas as engenharias. E eu gostei muito mais de computação, disparado.

Assim que você conheceu a computação, quis seguir carreira na área?

Na época, principalmente no Brasil, não se ouvia muito falar sobre carreira em tecnologia, ou ouvia-se de forma bastante limitada. Quando entrei em contato com a computação, pensei: ‘Bom, pelo menos vou passar ótimos anos aqui no ITA, estudando algo fascinante, e depois vejo o que fazer com isso.’ Então, no meu terceiro ano, quando fui fazer intercâmbio nos Estados Unidos, comecei a ter um vislumbre de carreira.

Foi nessa época que você trabalhou com a NASA, certo? Como foi essa experiência?

Foi! Eu estudava em Washington, D.C., e há alguns escritórios da NASA por ali. Então, me candidatei para um deles, o Instituto do Hubble, um dos poucos internacionais da instituição, e passei. Foi uma experiência incrível, porque, por ser um instituto internacional, eu me senti muito acolhida. Além disso, como a NASA não tem muitas vagas para engenharia da computação, eles acabaram me pedindo para ficar mais tempo.

Inicialmente, eu trabalhava em um software bem específico, que era usado por um dos telescópios que enviam dados à Terra. Depois, atuei no novo telescópio James Webb, que, na época, ainda estava em fase de construção. Mas o mais bacana é que foi na NASA que vivi um dos insights mais importantes da minha carreira. Como o estágio durava três semanas, nos passaram uma tarefa que eu considerei bem simples de realizar. No entanto, quando a ferramenta nova que eu desenvolvi foi lançada, a reação das pessoas foi muito maior do que eu esperava.

Essa reação me surpreendeu muito, porque pensei: “Poxa, foi algo simples, né? Não precisei inventar a roda nem criar algo extremamente complexo”. Foi então que dissociei a ideia de que, para uma solução tecnológica ter grande impacto, ela precisa ser muito complexa e contar com tudo de mais avançado. Esse aprendizado me acompanhou ao longo de toda a minha carreira. Eu sinto que o mais importante é entender qual é o problema certo a ser resolvido para conseguirmos gerar um grande impacto.

E foi daí que veio a ideia da Zippi também?

Foi um conjunto de fatores. Meu último emprego nos EUA foi na Square, que ficou famosa por levar o processamento de cartão para todo o país. Eu via o quanto isso ajudava os pequenos negócios – observávamos muitos feirantes usando a solução por lá. Me apaixonei por esse propósito, porque a Square não estava apenas permitindo que recebessem pagamentos com cartão, mas também resolvendo outros desafios da jornada de um pequeno negócio.

Se você é uma empresa grande, tem um departamento de marketing, um financeiro, um jurídico. Mas, se você é uma padaria com apenas uma pessoa, está fazendo tudo isso sozinho. Me apaixonei pela ideia de criar jornadas digitais para resolver diversas dores do negócio.

Ao mesmo tempo, eu chegava a um ponto da minha carreira em que sentia já ter aprendido o que precisava na minha experiência no exterior. Foi então que conheci André [Bernardes] e Bruno [Lucas], cofundadores da Zippi.

Eles já tinham a ideia de que a Zippi seria focada em pequenos negócios – esse sempre foi o core da empresa. Minha vontade de embarcar foi imediata, porque, olhando para o Brasil, o autônomo e o pequeno negócio são extremamente prevalentes na força de trabalho. No entanto, quando analisamos a oferta de serviços financeiros adaptados para esse público, vemos que ainda é muito limitada. Havia, portanto, uma grande oportunidade de causar um impacto real.

Além disso, ao longo da minha carreira, percebi que preciso estar próxima do meu cliente final, interagindo com ele e obtendo feedback rápido.

Você passou grande parte da sua carreira nos Estados Unidos, porque não fundar uma startup por lá?

Bom, primeiro porque tive um match instantâneo com o André e o Bruno – cofundadores da Zippi. E segundo porque eu nunca tive muito esse sonho de morar fora; acredito que exista uma romantização muito grande da ideia de que lá é melhor.

Trabalhei com times incríveis nos Estados Unidos, mas o que temos na Zippi hoje é ainda melhor. Quando fui para lá, foi muito porque o mercado de tecnologia no Brasil ainda não oferecia tantas oportunidades, mas sempre pensei em voltar.

E como gosto de resolver problemas, acho que nós, que somos daqui e conhecemos a cultura, conseguimos entender muito melhor os desafios do Brasil. Não é o Google que vai resolver os problemas do pequeno empreendedor brasileiro. Até porque, para mim, é muito mais fácil me engajar com essa questão. Eu encontro clientes da Zippi várias vezes ao longo do dia. A sensação de como isso te toca é algo muito mais emocional.

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E chegando aqui, como foi o processo de desenvolver a Zippi?

Olha, precisamos de muita resiliência! Com certeza, esse foi o meu maior desafio em termos de carreira. Passamos por cinco pivôs de produto. Nosso público sempre foi o mesmo, mas testamos muitas coisas diferentes, porque uma característica do nosso negócio é atender mais de 150 profissões. São problemas diversos, em regionalidades distintas, e queremos atender a todos.

Começamos com um empréstimo para motoristas de aplicativo, depois fomos para uma conta poupança forçada e, só então, chegamos ao Pix Crédito Semanal, em janeiro de 2022.

Além disso, demoramos muito para obter o apoio de investidores maiores aqui no Brasil, pois já existia um certo ceticismo sobre a viabilidade de oferecer crédito para ajudar esses negócios. Nós mesmos nos questionávamos constantemente se realmente seria possível solucionar esse problema. Mas era.

E em questão de software, como foi esse desenvolvimento?

A Zippi teve dois grandes momentos na parte de software. No começo, com os pivôs, precisávamos fazer as coisas rapidamente. Como colocar algo no ar, na frente de um cliente, da forma mais simples possível para conseguirmos testar? Era isso: tirar as ideias do papel.

A partir do momento em que encontramos nosso produto atual e começamos a escalá-lo, continuamos precisando dessa mesma capacidade de experimentar rapidamente e colocar no ar. No entanto, uma parte da nossa aplicação precisa ser muito estável, confiável e escalável. Assim, passamos a desenvolver essas duas competências internamente.

E o qual a base que vocês usam hoje?

Hoje, a gente está hospedado na AWS. O nosso back-end é em Ruby on Rails para mobile. Temos um pedaço em Python, que agora é a parte de LLM, e o aplicativo é em Flutter, onde fica toda a nossa aplicação. A gente tem bastante Android, mas criamos o app em Flutter para conseguirmos atender os dois ao mesmo tempo.

Também buscamos várias soluções prontas no mercado. A gente se preocupa muito em construir, com o time de engenharia, apenas aquilo que é o core business da Zippi e que não dá para comprar. Isso permitiu que escalássemos bem rápido com um time enxuto.

Vocês pensam em ter algum produto ou incentivo específico para mulheres aqui na Zippi?

Nós já temos uma equipe bastante diversa, e essa foi uma preocupação desde o início. Queríamos tornar os processos de contratação o mais objetivos possível, e hoje temos um time misto: metade mulheres, metade homens. Mas também buscamos, como empresa, fomentar a participação de mulheres na tecnologia.

Sinto que ainda não melhorou muito para nós; as coisas têm avançado de forma bem devagar. No ITA, por exemplo, quando entrei, éramos seis mulheres, e, nos últimos anos, esse número tem se mantido entre seis e sete. Precisamos incentivar mais as meninas, desde a base, a almejarem esses espaços. Inclusive, vamos patrocinar um torneio de programação para mulheres da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Busco sempre falar sobre esse assunto, participar de programas de mentoria, entre outras iniciativas, para incentivar e inspirar. Ao longo da minha trajetória, houve vários momentos em que a presença de outra mulher – mesmo que não fosse alguém conhecido – me dava um pouco mais de segurança, a sensação de que talvez eu também pudesse conseguir.

Você sente que acabou sendo um caminho solitário? Até por morar no exterior, ser brasileira?

Na NASA, nem tanto, porque tínhamos uma equipe muito internacional, então eu via muitas pessoas de diversos lugares, inclusive mulheres brasileiras. Mas, em outras empresas, um pouco. A Microsoft, por exemplo, onde trabalhei em Seattle, era um ambiente onde a maior parte das pessoas se conhecia desde o colégio, então eu me sentia bastante outsider. E, por muitos e muitos anos da minha carreira, eu era a única, ou uma das poucas mulheres, nesses ambientes.

Essa questão da solidão também vem do fato de que era como se as minhas ações moldassem a forma como meus pares enxergavam as mulheres como um todo. Era uma pressão muito grande, e acredito que muitas mulheres costumam se sentir assim, né? Por isso, acredito que precisamos ocupar mais espaços, mostrar que é possível. Sempre que vejo a oportunidade de me conectar e servir como exemplo, eu faço.

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