Economia, polarização e Congresso fragmentado são os problemas com os quais Milei vai ter que lidar

Javier Milei, novo presidente da Argentina, terá alguns problemas pela frente a serem enfrentados. Assim como outras eleições na da América Latina, a votação argentina também foi marcada pela forte presença da polarização vista em diversas partes do mundo. Combater este problema e reconectar a população é uma das missões que o novo representante da Casa Rosada vai ter que lidar, uma vez que a sociedade ficou dividida entre a continuação de um sistema político presente há anos no país e uma mudança radical por algo que, até então, nunca foi visto. Junto ao combate a polarização, existem outras duas pautas que merecem atenção: a crise econômica que assola a região e o Congresso fragmentando, que pode implicar na dificuldade de governar. Milei toma posse no dia 10 de dezembro.

Marcio Coimbra, presidente do Instituto da Democracia, destaca que as eleições deste domingo fazem com que a Argentina saia rachada. “Assim como o Brasil e os Estados Unidos saíram divididos das últimas eleições, ela sai do mesmo jeito”, pontua Coimbra. “A Argentina é mais um capítulo da polarização que tomou conta do mundo inteiro, entre branco e preto, entre azul e vermelho, protagonismo e antagonismo.” Alberto Pfeifer, coordenador geral do DIS, grupo de análise de estratégia internacional da USP, também defende este pensamento. Contudo, destaca que se o novo presidente conseguir “melhorar a situação econômica, vai também prover os elementos para reconexão da população”. O cenário hoje é de descalabro econômico, inflação alta, perda de poder aquisitivo da moeda, desvalorização e pobreza. Ou seja, essa condição de crise de alguma forme liga os argentinos. Se Milei conseguir melhora a situação econômica, terá um poder de coesão e aproximação dos polos. “Então, acho que, diante dessa perspectiva, talvez a polarização não se acirre. Claro, caso o candidato vitorioso consiga implementar políticas que melhorem a situação econômica do país.”

Christopher Mendonça, cientista politico e professor de relações internacional do Ibmec Belo Horizonte, destaca que a Argentina sai desta eleição de um forma bastante débil, principalmente do ponto de vista econômico. “Estamos alcançando agora um recorde na questão da inflação, e isso faz com que a moeda seja bastante desvalorizada. Evidentemente, gera pobreza, com a diminuição do poder de compra das pessoas de forma generalizada”, ressalta. A inflação interanual na Argentina chegou a 142,7% em outubro, mês em que o aumento de preços foi de 8,3%, anunciou o Instituto Nacional de Estatística argentino. O índice mostrou uma leve desaceleração em relação a setembro, quando o aumento foi de 12,7% sobre agosto. A inflação acumulada até o momento em 2023 foi de 120% até o final do mês passado. Em outubro, os setores com os maiores aumentos foram comunicação (12,6%) e vestuário (11%). Nos alimentos, os preços subiram 7,7%.

inflação na argentina

O problema da inflação tem sido crônico na Argentina, mas nos últimos dois anos o índice de preços ao consumidor (IPC) teve um forte aumento e está entre os mais altos do mundo. Internamente, o índice de inflação atual é um dos mais altos em três décadas. Em 2022, a inflação fechou em 94,8%. Nas últimas semanas, Massa anunciou a suspensão temporária da cobrança de impostos sobre os combustíveis para limitar o aumento de preços e também reativar o abastecimento, afetado após o primeiro turno das eleições em 22 de outubro. “Nós alcançamos mais de 40% de pobreza na Argentina, um número também recorde e que preocupa toda a comunidade aqui da América do Sul, exatamente porque isso tem impacto direto sobre os nossos países”, fala Mendonça.

“A Argentina está numa encruzilhada bastante importante, sobretudo nas decisões macroeconômicas”, afirma Mendonça. “Tomar decisões nesse momento será algo bastante difícil, mas que certamente vai orientar seu futuro pelo menos pelos próximos dois anos, que é quando o país vai ter uma maior sensibilidade do ponto de vista econômico”, conclui. Para Coimbra, Milei precisará focar no centro para conseguir um grande plano nacional de entendimento para estabilizar a economia. “Se qualquer coisa for posturada de forma radical, a chance de dar certo na Argentina é muito pequena”, prevê o especialista.

pobreza argentina

 

Caroline Silva Pedroso, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo, destaca que, além do problema econômico, o cenário no Congresso não está favorável para o novo presidente. Trata-se de um legislativo fragmentando, no qual Milei não tem maioria. O peronismo (centro-esquerda) será a primeira minoria nas duas casas. O grupo perdeu dez assentos, mas ficará, a partir de dezembro, como a primeira minoria da Câmara dos Deputados, com 108 das 257 cadeiras. A Câmara Baixa renova a metade dos assentos a cada dois anos. A direita — Juntos pela Mudança, partido de Patrícia Bullrich — se confirmou como segunda força. A bancada terá 93 deputados. Das 55 que estavam na disputa, apenas 31 conseguiram se eleger. Já a direita ultraliberal registrou um forte avanço para ficar em terceiro, segundo as últimas contagens oficiais. A coalizão A Liberdade Avança, de Milei, tinha apenas três deputados desde 2021, incluindo o presidenciável. No primeiro turno, ganhou outras 35, chegando a 38 cadeiras. A aliança entre as duas legendas asseguraria a Milei uma estrita maioria na Câmara Baixa frente ao peronismo. No Senado, de 72 assentos (três para cada uma das 23 províncias e três para a Cidade Autônoma de Buenos Aires), o peronismo ultrapassou o Juntos pela Mudança como primeira minoria, ao garantir 34 assentos (tinha 31). O quórum para deliberar é de 37 assentos. A coalização direitista de Bullrich, no entanto, perdeu nove cadeiras e ficou em segundo, com 24. A LLA de Milei também obteve um avanço no Senado. Depois de dois anos de sua fundação entrou pela primeira vez na Câmara Alta, com oito cadeiras, à frente de outros peronistas dissidentes (3) e partidos provinciais (3). Alcançar o quórum mínimo para deliberar no Senado dependerá de alianças entre as diferentes bancadas.