Eleição na Argentina: como o agro brasileiro será afetado?

As eleições na Argentina acontecem no próximo dia 22 de outubro, e o agronegócio brasileiro acompanha com atenção uma possível mudança por lá. Isso porque a Argentina é um importante player no mercado internacional e concorrente do Brasil. Entre os principais itens exportados pelos argentinos estão o farelo e óleo de soja e carne bovina. Algumas pesquisas eleitorais realizadas no país indicam Javier Milei à frente. Na sequência, aparece o candidato do governo, Sergio Massa, e em terceiro lugar, Patricia Bullrich. Em sua proposta de governo, Milei diz que a Argentina tem um potencial alimentar grande apesar da alta carga tributária e que seu conjunto de medidas fará o país ser um importante exportador de grãos e carnes.

Entre as principais propostas de Javier Milei para o agro argentino estão:

  • Eliminar as taxas sobre exportações (retenciones)
  • Acabar com as tarifas de importação de insumos (fertilizantes, máquinas etc)
  • Realizar uma reforma trabalhista que tende à livre contratação
  • Revogar a lei de terras para que qualquer pessoa, nacional ou estrangeira, tenha livre acesso
  • Assegurar a segurança no campo

Confira a entrevista realizada com o consultor econômico e comentarista da Jovem Pan, Gustavo Segré, sobre os impactos das eleições argentinas no agro brasileiro:

As pesquisas indicam Javier Milei à frente, seguido por Sergio Massa. Esse é o cenário mais provável nas eleições argentinas? Eu diria que sim, mas, de qualquer maneira, já apareceu uma outra pesquisa que mostra Massa em primeiro lugar, com 30%, e um empate técnico entre Milei, segundo colocado, e Bullrich, terceira colocada, com a margem de erro de 2%. Mas fica muito claro que o eleitorado está dividido em três partes. Complementando a informação, para ganhar em primeiro turno, existe a possibilidade de que se algum dos candidatos conseguir 40%, e a diferença com o segundo for de 10% ou mais, ele já pode também ser consagrado presidente em primeiro turno, o que deve ser muito difícil, eu diria que improvável. Supondo que o Massa está quase garantido no segundo turno, a dúvida é se vai com Milei, como mostram as pesquisas, ou pode entrar nessa surpresa eleitoral a Patricia Bulrrich que hoje está colocada como terceira.

A economia foi o principal ponto do debate eleitoral entre os candidatos.  O que muda com Milei à frente do país e o que acontecerá se Massa, atual ministro do governo, se tornar o presidente? Ou até um terceiro cenário, em que você fala da candidata Patricia Bullrich.  Economicamente falando, as propostas de Milei e Bullrich são bastante parecidas, com algumas exceções, como o caso em que Milei propõe o fechamento do Banco Central ou a dolarização radical da moeda, da economia argentina. No caso de Massa, a dúvida é o que ele pode fazer como presidente que não possa fazer agora como ministro da Economia. E a situação da economia da Argentina, inclusive socialmente falando, é muito dramática. Mencionamos na reportagem mais de 40% da população pobre. Se a gente avalia isso, por exemplo, com crianças e adolescentes menores de 14 anos, esse número eleva para 56%. Sessenta e oito por cento da população que estuda hoje até o ensino médio quer ir embora do país porque não enxerga futuro. E quando Massa assumiu o ministério, as reservas líquidas do Banco Central estavam com US$ 7 bilhões positivas, hoje estão com US$ 15 bilhões negativas. Então, não vai acontecer muita coisa se o Massa continuar. E, nesse caso, a dúvida é sociológica. Como pessoas com tanta dificuldade para chegar ao fim de mês, que padecem fome, que têm uma inflação tão alta, pensam em votar no causador dessa tragédia? É uma questão difícil. E a explicação poderia ser uma chantagem eleitoral. Vinte e cinco milhões de pessoas sobre 47 milhões de habitantes têm alguma ajuda do Estado. Isso mostra que, de alguma forma, na narrativa desse governo do Alberto Fernández, cujo candidato é Sergio Massa, pode ameaçar de alguma maneira dizendo: “Se você não votar em mim e ganhar Bullrich ou Milei, vai perder esse subsídio, essa ajuda do Estado”. É a única explicação para justificar que 30% do eleitorado pensa em votar em Massa com a situação tão trágica que a Argentina está tendo.

Nos casos de Milei ou da Patricia Bullrich, quais as principais mudanças que você já projeta caso eles sejam vencedores nessa disputa? Tanto o Milei quanto Bullrich tem um foco muito certeiro em questões de diminuição do tamanho do Estado para conseguir pelo menos um equilíbrio fiscal — não estamos falando de superávit fiscal. Nos últimos 60 anos, a Argentina teve apenas 10 com superávit ou equilíbrio fiscal, e quando a gente olha para essa quantidade, nos primeiros 40 anos, de 1962 até 2002, a Argentina tinha que financiar 180% do PIB. É quase duas vezes o que o país produz em 40 anos. E quando a gente pega os últimos 10 [anos], foram 45%. Essa situação crônica, depois de 23 acordos com o FMI, oito calotes, muitos zeros perdidos na moeda, explica porque Argentina, que em 1895 era o país mais rico do mundo, hoje está entre os mais pobres do mundo: precisamente por não cuidar o recurso, e o Massa não está preocupado com esse equilíbrio fiscal. Milei e Bullrich, sim. Outra questão de diferença é a cotação do dólar. Hoje você tem vários dólares na Argentina. O oficial é 365 peses, mas se eu, cidadão argentino, quero comprar, não posso porque o governo não me vende. Aí eu tenho que transformar esse dólar oficial para um dólar paralelo, e tem um monte de definições — legais algumas, ilegais as outras —, mas que hoje colocam esse dólar acima de 800 pesos, o que mostra que a diferença entre um e outro é mais de 100%. O Milei propõe dolarizar a economia, mas para dolarizar qualquer economia você precisa do que a Argentina não tem, que é dólares. No caso da Bullrich, ela propõe uma dupla monetização, que hoje já funciona, só que em lugar de ter esse dólar oficial, ela liberaria o câmbio para que seja feito pela lei da oferta e da procura, o que determina o tipo de câmbio e não uma cotação artificial como hoje tem o governo do Alberto Fernández e Sergio Massa.

Na proposta de governo, Milei afirma que a Argentina tem um potencial alimentar grande, apesar de travas e da pesada carga tributária. E que com o conjunto de medidas proposto, o país voltará a ser um importante exportador de produtos como grãos e carnes. Entre os principais pontos da proposta está a retirada das taxas sobre exportações (retenciones) e acabar as tarifas de importações de insumos. Os planos de Milei miram um agronegócio argentino mais competitivo. Isso tem potencial de sair do papel? Quais os riscos ao agro do Brasil?Aí tem aquela velha diferença entre a teoria e a prática. A teoria é fantástica, o que Milei propõe é maravilhoso, mas vou te dar um exemplo de por que não pode ser aplicado. Essas retenções sobre as exportações hoje equivale a 4,1% do déficit fiscal que hoje a Argentina tem, que está em menos de 2%, 1,9%. Isso quer dizer que se não tivesse essas retenções às exportações, e não é somente do agro, tem um monte de produtos industriais que também pagam isso, geraria um déficit maior, e estamos falando de equilibrar pelo menos o déficit fiscal. Então, em curto prazo, isso não seria possível. A outra questão seria sobre a reforma trabalhista, a reforma sindical. Maravilhoso, é o que todos esperamos. A lei trabalhista da Argentina vem de 1976, ficou muito obsoleta, mas o problema é que para isso você precisa ter o Congresso a seu favor. E se Milei faz uma enorme eleição, uma fantástica eleição, ele vai ter 8, 10 senadores sobre 72 e 30 a 35 deputados sobre 257. Não tem sequer a primeira minoria, muito mais grave então para conseguir qualquer alteração na lei. Então ele vai ter que assumir de fazer acordos com quem hoje ele detona, dizendo que é a casta política, e ele vai ser o presidente da casta política ou nenhuma dessas propostas vai passar pelo Congresso, o que já aconteceu quando [Maurício] Macri foi presidente. Ele também tentou, mas na época, no Senado, a maioria absoluta era do peronismo, e nenhuma das reformas passaram pelo Congresso.

Milei já disse que não manteria parcerias também com a China e que ele poderia retirar a Argentina do Mercosul. O que você espera da atuação dele na política internacional caso ele venha vencer essa eleição? De novo, é a diferença entre a teoria e a prática. Eu conheço Milei pessoalmente, temos debatido inclusive em programas de televisão quando ele queria fechar o Banco Central e eu era contra essa proposta. Mas, no caso especificamente, não é somente a China. Ele falou que o Lula era um presidente comunista e que ele não ia fazer negócios com comunistas, então que a Argentina poderia sair do Mercosul. E aí volta a mesma questão, parece meio reiterativo, mas é válido. O Milei não pode dar canetada e sair do Mercosul. Para isso, precisa o ok do Congresso, o que ele não terá. Quando você observa que quando ele fala: “Vou romper relações com comunistas, então não vou fazer negócios com a China”…  A China é o principal cliente da Argentina, o Brasil também… Os dois, e você nunca pode brigar com quem te compra nem com quem te financia, não dá para fazer isso. Então, é uma questão de onde na teoria, no discurso, na campanha, pode ser atrativo para o eleitor, mas, na prática, ele vai ter muitas dificuldades. E é aí que, por um acaso, vamos supor, no segundo turno entre Milei e a Bullrich, o eleitor do Massa vai votar no Milei. Mas não porque ele esteja concentrado e aprovando as propostas, mas porque ele aposta que Milei não dura mais de um ano no poder, pois não tem o apoio e vai precisar do peronismo para sentar e negociar. No lugar de centrão na Argentina, o peronismo pode fazer a diferença entre o sim e o não no Congresso.

O agronegócio do Brasil pode esperar? Porque muito tem se ventilado sobre as possibilidades de uma Argentina ficar mais competitiva no agronegócio, voltar a exportar mais e eventualmente incomodar o Brasil no cenário internacional. Você vê esse cenário? Em qual condição? É possível se ganhar Milei ou se ganhar a Bullrich porque eles vão buscar eliminar o dólar oficial. Hoje, por exemplo, vamos imaginar que a tonelada esteja em US$ 540. O americano recebe US$ 540 por tonelada, um brasileiro recebe US$ 513 — porque tem as taxas e os custos de exportação. Quanto recebe um argentino por essa mesma tonelada em dólares, nota verde? US$ 144. Então, a falta de competitividade está pelas retenciones de 35%, que são aqueles impostos para exportar. E pela dificuldade de obter um dólar, bilhete nota verde, então a competitividade do produto argentino está muito deteriorada. E aí teve um problema maior que foi a seca, que atrapalhou muito a colheita argentina, e aí tem a vantagem do Brasil. Mas mesmo que seja uma Argentina muito mais competitiva, isso não vai ser de um dia para o outro. E o Brasil hoje tem uma estrutura financeira de custos e sobretudo de inflação e acesso ao empréstimo muito mais favorável. Um argentino hoje, para ter um empréstimo de qualquer banco, vai pagar mais de 200% ao ano porque a inflação é 140% e a taxa de juros passiva. Ou seja, se eu coloco o meu dinheiro no banco, hoje o banco me devolve 118%. Então, não deve preocupar ao Brasil e ao agronegócio brasileiro nenhuma das vitórias. Com Massa, não vai mudar nada ou vai mudar pouco. E Milei, que seria muito mais à direita, ou Bullrich, de centro-direita, vão demorar até conseguir implementar todas as mudanças pela deteriorada situação econômica argentina.