Empresas brasileiras alçam voo nos Estados Unidos

Empresas brasileiras alçam voo

Ao chegar em Nova Iorque para um curso de um mês – eu tinha uma pauta clara em minha mente: entender melhor como as empresas de tecnologia brasileiras com capital aberto na Nasdaq e escritórios pelos Estados Unidos desempenham seu papel em solo estadunidense. Para isso, conversei com três delas e descobri detalhes de como a cultura pode mudar de cidade para cidade e encontrei uma unanimidade: nenhuma companhia conseguirá ter sucesso sem planejamento correto.

Os Estados Unidos, apesar de terem as maiores oportunidades de mercado, também podem ser os primeiros a engolir aqueles que não estão preparados.

VTEX

Alexandre
Soncini, cofundador da VTEX

Decisão de ir aos Estados Unidos

“Temos a teoria de que empresa de software, para prosperar, tem de ser global. Começamos pela América Latina, abrimos na Argentina em 2012 e sempre que abríamos os escritórios, deslocávamos o melhor vendedor do time para o país. Fizemos o mesmo no Chile e na Colômbia, em 2013”, explica Alexandre
Soncini, cofundador da VTEX.

Quando a VTEX chegou ao México, a ideia era preparar melhor o terreno para fazer a ponte para os Estados Unidos. Mas, com a crise política e econômica de 2015/2016, era preciso ter receita em dólar para diminuir o risco. “Tomamos, então, a decisão de fazer a expansão para os Estados Unidos, ainda que não tenha sido unânime. Foram cinco anos em que estive praticamente sozinho aqui até transacionar para um time local.”

Dificuldades do mercado estadunidense

Segundo Soncini, o mercado tem muita oportunidade, mas o esforço é proporcional. Na América Latina, é possível testar de forma menos agressiva ou com menos investimento. Nos Estados Unidos, é necessário um planejamento sério, com objetivos e investimentos para aproveitar o tamanho do mercado.

Market share entre os países

O Brasil continua sendo o mercado mais relevante da VTEX, ainda em um contexto de crescimento. Porém, as regiões que mais crescem são fora da América Latina (Estados Unidos e Europa).

“Em uma visão de distribuição, a América Latina e o Brasil representam quase a mesma fatia. Em seguida, temos os EUA e a Europa ganhando market share interno. Entretanto, o tamanho de um projeto nos Estados Unidos é cinco vezes mais do que no Brasil ou América Latina. Só por ser dolarizado, já tem esse efeito”, explica.

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Diferenças culturais

A diferença, diz o cofundador da VTEX, é que em países latinos, os negócios são feitos entre pessoas e, muitas vezes, o relacionamento entre elas é o principal fator de fidelização. O produto pode ter até algum problema, mas se existe a relação entre as pessoas das empresas, isso vale muito mais.

“Aqui é o inverso, eles são mais frios e negócios são feitos de empresa para empresa. Não existe reunião de uma hora, não tem o momento de ‘quebrar o gelo’. Você tem uma reunião de 30 minutos para conseguir mais 30 minutos”, complementa.

A vida depois do IPO

Soncini explica que, quatro anos antes de fazer o IPO, a empresa já tinha essa ambição e decidiu se portar como uma companhia de capital aberto, mesmo sem ter data. “Começamos a estruturar a VTEX. Foi um processo não tão doloroso porque nos preparamos, no mínimo, mentalmente.”

O IPO, realizado em 2021, diz o executivo, trouxe mais conforto para a VTEX e para o mercado global. “Infelizmente, ainda há muito preconceito de empresas latinas reguladas por órgãos que não são reconhecidos fora desses mercados. O processo de governança e transparência de uma empresa pública nos EUA, trouxe mais confiança para o mercado”, finaliza.

CI&T

Bruno Guicardi, CEO da CI&T

Decisão de ir aos Estados Unidos

A CI&T entrou no mercado norte-americano em 2005 e começou suas operações no país em 2006. “Sentíamos a necessidade de vir para cá para competir, é um mercado sem barreiras”, diz Bruno Guicardi, CEO da CI&T.

A primeira sede da empresa foi na Philadelphia, após conseguir alguns clientes ainda em 2005. Para o início da operação, a CI&T decidiu migrar seus melhores vendedores. “Fizemos nossa lição de casa. Tiramos uma das mais relevantes certificações de serviços de tecnologia do mundo e trabalhamos para preparar
o serviço e a estruturação para garantir que éramos supercompetitivos”, explica o CEO.

Dificuldades do mercado estadunidenseMarket share entre os países

“Aqui, você tem de chegar para jogar o seu melhor jogo. Como tem muita competição, a comparação é óbvia. A competência, os produtos norte-americanos e o marketing são muito bons. A barra é muito alta tanto na apresentação, quanto sobre seus produtos e serviços. Se na hora de vender você está abaixo dessa barra, ninguém vai acreditar em você”, frisa Guicardi.

Market share entre os países

Atualmente, a operação estadunidense é a que mais cresce. “É maior do que o market share do Brasil. Não no número de pessoas, pois temos muitos brasileiros trabalhando para os Estados Unidos, mas em receita, sim”, afirma Guicardi.

Diferenças culturais

“Aqui as pessoas tomam um risco de fazer negócio com estranhos porque viram valor no negócio. É puramente na base do mérito. Se eu confio em você, e isso vai trazer melhora para minha carreira pessoal, eu fecho o negócio – enquanto no resto do mundo inteiro é a escolha do ótimo dentro da minha rede de relacionamento.”

O jurídico dos Estados Unidos dá a base para confiar em empresas que a pessoa não conhece. Segundo o CEO da CI&T, ele propicia um ambiente de muita competição e é muito difícil de competir porque está todo mundo procurando sempre o melhor – e não só dentro da sua rede de relacionamento.

A vida depois do IPO

O IPO da CI&T aconteceu no final da pandemia e foi especial por um motivo – fazia muito tempo que muitos dos colaboradores da empresa não se viam pessoalmente e todos foram para Nova Iorque.

“O IPO traz visibilidade. Quando você fala que você é uma empresa aberta e está em um ambiente que não conhece, te traz um selo de qualidade instantâneo”, atesta o CEO da CI&T. Abrir o capital também ajudou a companhia a levantar os recursos que a permitiram comprar outras empresas em localizações estratégicas, como Austrália, Reino Unido e nos Estados Unidos.

Semantix

Leonardo Santos, fundador e CEO da Semantix

Decisão de ir aos Estados Unidos

Diferentemente da CI&T e da VTEX, a Semantix chegou aos Estados Unidos para ter base em Miami. Atualmente, a empresa tem times também no Vale do Silício e em Austin – para abranger as duas costas e o centro do país.

“Começamos na pandemia, mas não poderíamos vir para os Estados Unidos por causa do momento que vivíamos. Aceleramos a partir de 2022, quando iniciamos as aquisições. Miami está se tornando um hub muito interessante para o mercado de tecnologia. Além de ser uma cidade muito cosmopolita, muitos lugares são
conectados a ela. Posso voar direto para o Brasil, para cidades da Europa, para Israel e vários lugares da América Latina”, explica Leonardo Santos, fundador e CEO da Semantix.

Dificuldades do mercado estadunidense

Além do mercado ser enorme, o CEO da empresa cita o market fit como um dos maiores desafios. Segundo ele, é preciso entender o nicho que a empresa atuará. No caso da Semantix, isso é bem claro: empresas médias com ofertas de aplicações de negócios com uso de inteligência artificial (IA). “É preciso estar
especializado e com uma oferta que faça sentido para os setores que a empresa quer atingir”, destaca.

Market share entre os países

Atualmente, 85% da receita da Semantix é no Brasil e o restante se divide entre os países da América Latina e os Estados Unidos. “Não queremos perder o protagonismo do Brasil – nossa expectativa é chegar a 60% de receita lá e 40% nos outros países”, explica Santos.

Diferenças culturais

De acordo com Santos, mais de 60% da população de Miami é de latinos. “Isso também fez estarmos aqui, porque as empresas estão mais abertas, já que estão familiarizados com a nossa cultura. Mas quando saímos da Flórida, vemos um certo desafio.”

Um dos pontos aprendidos pela empresa foi ter um comercial norte-americano, pois, no final, americano faz negócio com americano. “Eu gosto muito de usar a estratégia de pensar globalmente, mas agir localmente. Isso também tem muito a ver com a cultura, com as pessoas e ter aqueles que se conectam melhor”, complementa o CEO.

A vida depois do IPO

A Semantix fez o IPO na Nasdaq em 2022 e, segundo o próprio CEO, foi uma “loucura”. “Foi o negócio mais desafiador da minha vida profissional. Você tem de rever a companhia como um todo: exposição, reportes, jurídico, como lidar com o cliente… é muito complexo. Conseguimos ultrapassar essa barreira e o IPO acelerou a nossa jornada de produtos e aquisições.”

*reportagem publicada anteriormente na Revista IT Forum

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