Enem gratuito eliminaria obstáculo da desigualdade com ‘custo irrisório’ ao MEC

Cerca de quatro milhões de estudantes prestam neste domingo, 12, a segunda prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), principal avaliação estudantil do país e via de acesso ao ensino superior em universidades federais, estaduais e até privadas, por meio do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil). Historicamente, a prova cobra uma taxa de inscrição para os alunos, que neste ano foi de R$ 85. Há a possibilidade de conseguir isenção deste valor, se cumpridos determinados critérios socioeconômico. Entretanto, o cenário pode mudar. Isso porque, na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) levantou a possibilidade de assegurar a gratuidade da prova para todos os inscritos. “Digo sempre que investir em educação não é gasto, é investimento. A gente vai caminhar para que as pessoas não precisem nem sequer pagar a taxa do Enem. A gente vai ter que fazer uma combinação para que torne mais atrativo a esses jovens se inscrever, para fazer o seu Enem e poderem entrar na universidade”, afirmou Lula durante visita ao Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão responsável pela aplicação da prova e pelo sistema de inscrições.

Apesar da firmação de Lula, o Ministério da Educação não anunciou nenhuma iniciativa neste sentido. Ainda assim, a pergunta que fica é: o Enem poderia ser de graça para todos? Para avaliar esta possibilidade, o site da Jovem Pan consultou o professor Marcos Neira, ex-diretor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e atual pró-reitor adjunto de Graduação da USP. O especialista vê com bons olhos a ideia e analisa que a gratuidade seria um objetivo “no horizonte de toda a política pública que se quer democrática” e lembrou que muitos municípios, como a capital paulista, adotaram transporte gratuito nos dias do Enem. “É uma boa política, é um estímulo a realizar o exame, é um obstáculo que você tira para muitas famílias, porque, infelizmente, com a desigualdade e com as condições de vida de uma grande parte da população, o pagamento dessa taxa pode representar um empecilho”, afirmou à reportagem, destacando que o Ministério da Educação não precisa da cobrança para arrecadar recursos.

Vale destacar que o valor total do contrato para aplicação do Enem impresso foi de R$ 329 milhões em 2023. Na avaliação de Neira, tal custo não afetaria o orçamento do Ministério da Educação, que atualmente gira em torno de R$ 147 bilhões, segundo dados do Governo Federal. “Diante do orçamento, o custo é irrisório, mas eu penso que o principal argumento para isso é o argumento pedagógico”, aponta o especialista. Na visão do pró-reitor adjunto de Graduação da USP, o Enem totalmente gratuito seria um avanço na universalização do acesso ao ensino superior: “É criar todas as condições para que você venha fazer a prova que vai permitir o ingresso na universidade. E as universidades, por sua vez, também estão avançando nas políticas de permanência. Por incrível que pareça, apesar de todo esse esforço que o governo brasileiro tem feito, nós sabemos que sobram vagas”, continua.

“São cursos excelentes, que muitas vezes fazem parte do projeto de vida das pessoas. É uma maneira, tem um impacto pedagógico muito positivo você isentar a inscrição para que todas as pessoas possam fazer o Enem e todas as pessoas sejam incorporadas ao sistema”, argumenta Neira. Atualmente, segundo o Inep, é preciso se enquadrar nos seguintes perfis para conseguir a isenção da taxa: Estar matriculado na 3ª série do ensino médio (neste ano de 2023) em escola da rede pública declarada ao Censo Escolar; ter feito todo o ensino médio em escola pública ou como bolsista integral em escola privada ou ser membro de família de baixa renda com registro no Cadastro Único para programas sociais do governo federal (CadÚnico). Graças a esta iniciativa, a maioria dos inscritos no Enem já se beneficia da isenção. Entre os participantes, 63% (2.481.562) não precisaram pagar pela inscrição e 37% (1.452.430) quitaram a taxa.

Gratuidade influenciaria na abstenção?

Nos últimos anos, a taxa de abstenção no Enem tem se mantido praticamente constante. Apesar do aumento de inscritos para 2023, um total de 71,9% – entre os 3,9 milhões de inscritos – fizeram prova no domingo passado, segundo o Inep. Para efeito de comparação, em 2022, 71,7% fizeram a prova e, em 2021, 74% compareceram ao primeiro dia do exame. Na análise do professor Marcos Neira, apesar da gratuidade total do Enem poder ampliar a possibilidade de acesso, não existem evidências de que a iniciativa possa influenciar na taxa de abstenção. “A abstenção é muito ruim, é importante dizer isso. Há uma estrutura pensada para receber mais de 3 milhões de pessoas, e faltam 28%. Ou seja, toda aquela estrutura trabalhou com menos da sua capacidade.”

“Abstenção está dentro do direito, as pessoas têm uma perspectiva de fazer a prova e depois não fazem por um número grande de razões, inclusive por incidentes climáticos”, destacou Neira, que elogiou a iniciativa do Inep de remarcar a prova para os que faltam por determinadas adversidades. Por exemplo, os candidatos que foram prejudicados pelas fortes chuvas que atingiram localidades em São Paulo e cidades do Paraná e Santa Catarina no final de semana passado terão a oportunidade de fazer a prova em outra data. A aplicação das provas substitutas será realizada nos dias 12 e 13 de dezembro.