Falta de veto ao petróleo e de metas concretas são frustrações da Cúpula da Amazônia

Nesta semana, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez mais um aceno à comunidade internacional ao realizar a Cúpula da Amazônia, sediada em Belém durante os dias 8 e 9 de agosto e marcada pelo encontro de representantes dos oito países que compõem a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA): Brasil, Bolívia, Colômbia, Guiana, Equador, Peru, Suriname e Venezuela. O evento foi uma prévia das articulações a serem feitas na COP-30, reunião do órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, adotada em 1992, e que será sediada também em Belém, em 2025. Como uma reunião da OTCA não ocorria desde 2009, a reestruturação do colegiado internacional já seria um dos grandes objetivos do evento, como destaca a assessora internacional do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Cintya Feitosa.

“A Cúpula da Amazônia atingiu seu principal resultado esperado, o de reunir líderes da Pan-Amazônia para construir uma agenda comum de desenvolvimento para a região, não só em relação ao combate ao desmatamento, mas também sobre desenvolvimento econômico urbano, de ciência e tecnologia”, afirma. Entre discursos, palestras e reuniões bilaterais, o resultado final do encontro de países ficou simbolizado na adoção da Declaração de Belém, documento que estabelece uma nova agenda comum de cooperação regional em favor do desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Com mais de 113 parágrafos, a declaração abrange os muitos desafios e áreas de interesse da região, como o desenvolvimento sustentável, saúde, exploração ilegal de madeira e recursos minerais, ciência e tecnologia, situação social das famílias que vivem na floresta, a proteção dos povos indígenas e proteção do bioma. Entre os objetivos, estão “mecanismos financeiros de fomento do desenvolvimento sustentável, com destaque à Coalizão Verde, que congrega bancos de desenvolvimento da região”. A expectativa é de investimentos em torno de US$ 25 bilhões (R$ 1,2 trilhão), articulados por 19 bancos, liderados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

A declaração pactua metas de combate ao desmatamento, combate ao avanço das atividades de extração ilegal de recursos naturais, abordagens de ordenamento territorial e a transição para modelos sustentáveis, com o ideal de alcançar o desmatamento zero na região. Além disso, os acordos reafirmam princípios do respeito à democracia, à dignidade dos povos, ao Estado de Direito e aos direitos humanos, incluindo o direito ao desenvolvimento e os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais e tradicionais. “O fato de o documento ser abrangente, com mais de 100 parágrafos, traz agora o desafio de implementação: como estruturar os resultados, por meio da OTCA e dos demais fóruns já existentes ou criados a partir da declaração, como o Foro de Cidades Amazônicas, fórum de povos indígenas e comunidades locais e o de mulheres rurais”, alerta a assessora do ICS.

Discordâncias ao redor da Declaração de Belém

Apesar dos muitos consensos de desenvolvimento e preservação selados entre os países amazônicos, discordâncias e a falta de tópicos esperados por governos e organizações da sociedade civil também marcaram o texto final da Declaração de Belém. Um dos exemplos é a falta de metas e prazos comuns para zerar o desmatamento na região e evitar o ponto de não retorno da Amazônia, patamar de degradação no qual a ciência estima que a floresta perde a capacidade de autorregeneração. A mera inclusão do tópico já representa um pequeno avanço, como explica Feitosa: “A declaração traz elementos relevantes e inéditos, como o reconhecimento da necessidade de ação conjunta para evitar o ponto de não retorno da Amazônia”.

No entanto, como destaca Paulo Moutinho, pesquisador Sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), faltam prazos e diretrizes para evitar de fato esse nível de desmatamento na região: “A ausência de um direcionamento mais concreto através de um plano, mesmo que não tenha meta, é algo que eu esperava ver dada a urgência da mudança climática. [A carta] tem boa vontade, mas carece de uma expressão de urgência maior. A questão do desmatamento, principalmente, vai afetar a condição climática da bacia como um todo, não só a Amazônia brasileira”. Para Moutinho, também surpreendeu a ausência do termo “petróleo” no documento, já que se fala em redução de emissões de carbono biológico, mas deixa passar o aumento de emissões de carbono fóssil.

Tal ponto de divergência foi apontado pelo próprio presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que criticou a falta de medidas que visam a descarbonização, como a proibição da exploração de petróleo na região. “É possível manter uma linha política desse nível? Apostar na morte e destruir a vida? Ou devemos propor algo diferente, que é o que chamo de sociedade descarbonizada?”, declarou. A alfinetada atingiu parte do governo Lula, e inclusive o presidente brasileiro, que já defendeu a liberação para que a Petrobras possa explorar reservas de petróleo na Foz do Rio Amazonas. A autorização ainda depende de aval do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). A assessora  internacional do ICS faz coro às críticas de Petro: “Havia grande expectativa sobre ações concretas ou sinalização sobre o fim da exploração de petróleo na Amazônia, o que infelizmente ficou de fora, e é um tema que os governos da América Latina terão de olhar com atenção se de fato quiserem se colocar na liderança global em um dos maiores desafios contemporâneos que é o combate à mudança do clima”.

Mesmo com certa decepção em relação aos pontos ausentes na Declaração de Belém, os especialistas também destacam que a elaboração do documento e a reunião dos países amazônicos em torno desses objetivos em comum é de extrema importância para o fortalecimento da região. “Apesar de deixar lacunas, a carta é um primeiro passo e uma boa notícia em um momento em que o mundo retoma seu olhar pela Amazônia e florestas tropicais. Estarmos unidos dá força nas negociações além de, potencialmente, ganharmos eficiência no combate às mazelas da região, inclusive e principalmente o crime organizado”, ressalta o diretor executivo do IPAM, André Guimarães.

“A América Latina, e em especial os países amazônicos e o Brasil, têm papel relevante a desempenhar na transição energética justa, de forma a promover também desenvolvimento econômico e social. Será necessário desenvolver mecanismos de participação social para o desenvolvimento dessas ações e sua conexão com outros grandes momentos internacionais que estão por vir, sob liderança brasileira, como a presidência do G20 e a COP30”, conclui Cintya Feitosa. A Declaração de Belém ainda deverá ser apresentada pelo governo brasileiro na Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro, em Nova York, e na COP-28, que ocorre em Dubai, nos Emirados Árabes, no fim de novembro.