Velhos cargos, novas habilidades: inteligência artificial pede por atualização dos profissionais
O começo do ano traz diferentes perspectivas para as empresas e para aqueles que buscam novos rumos em suas carreiras. Em 2024, o mercado de trabalho observou a IA generativa ganhar protagonismo dentro e fora das organizações, criando empregos, profissões e a demanda por novas competências.
Em seu relatório anual, Guia Salarial 2025, a consultoria de recursos humanos Robert Half apontou que habilidades com ferramentas de inteligência artificial, aprendizado de máquina e análise de dados são as mais procuradas por companhias.
De acordo com Marina Brandão, gerente da divisão de TI da Michael Page, que também atua no setor RH, o mercado tem exigido cada vez a atualização dos profissionais em todas as áreas de atuação. Os cargos seguem os mesmos, mas, agora, exigem o conhecimento de ferramentas de inteligência artificial. “É uma expertise que o trabalhador teve que evoluir para uma nova ferramenta de mercado que surgiu”, completa.
Protagonismo das tecnologias
Especialistas ouvidos pelo IT Forum apontam que, no setor de Tecnologia, a atualização profissional é ainda mais importante e vai além do conhecimento técnico. É preciso também compreender o negócio e o produto, que são habilidades fundamentais para o desenvolvimento de ferramentas internas de IA, algo que cada vez mais empresas têm buscado.
Para isso, profissionais com uma visão ampla da inteligência artificial têm se tornado essenciais para as organizações. São os chamados “chief AI officers“, ou “CAIO“, como Caio Gomes, que assumiu essa posição dentro do Magazine Luiza há nove meses.
Apesar de trabalhar com inteligência artificial desde 2007, o executivo percebeu um crescimento na sua carreira desde a chegada da IA generativa. “As pessoas começaram a falar de CAIO em 2023. É uma evolução do CDO [chief data officer] – há alguns anos, o meu papel seria exercido por um CDO, mas, dada a evolução das soluções com IA, agora exerço ambas funções”, conta.
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Uma das atribuições destes líderes tem sido a transformação cultural de organizações para incorporar uma estratégia orientada pela inteligência artificial. A ideia é que a IA esteja presente desde a concepção dos projetos, não como um simples acessório. “Trazer a IA para solucionar questões do dia a dia é uma mudança cultural”, diz. “Ter alguém como C-level ajuda no processo.”
Antonio Paes, CAIO da Zallpy, desenvolvedora de software de IA, e professor da Universidade do Texas, também percebeu a mudança. Para que ela aconteça, no entanto, funcionários devem estar capacitados para compreender o novo papel da IA e como ela deve ser organizada para poder operar. Isso inclui a estratégia de dados.
“Não só dentro de casa, mas juntos aos clientes, nós temos criado muitos projetos que querem implementar a IA. Mas é preciso ter uma visão de big data também”, explica. “Muitas empresas ainda estão com seus dados desorganizados e com uma equipe que não sabe lidar com eles.”
Capacitação integral
Para atuar de forma mais eficaz, ambos os executivos buscam ter em suas equipes profissionais engajados em se atualizar.
“Capacitação é sempre necessária porque IA é uma área que se desenvolve tão rapidamente que se manter atualizado é um trabalho constante. Uma boa parte do meu dia é sentar e ler artigos. Com a equipe, temos processos para que as pessoas estejam sempre se aprimorando”, afirma Gomes.
Além disso, o diretor de IA da Magazine Luiza pontua que as empresas têm enfrentado um desafio de falta de experiência, com muitos profissionais saindo da academia, mas ainda sem conhecimento prático das ferramentas.
Carlos Renato Sposito, head de RH da Tata Consulting Services (TCS), ecoa o ponto. “Vemos que jornalistas precisam saber um pouco de tudo, advogados precisam saber um ponto de tudo, psicólogos precisam entender um pouco de tudo, mas as áreas de tecnologia eram muito restritas na sua caixa. Hoje, um profissional de tecnologia bom precisa também saber um pouco de tudo para agregar valor em algo.”
O cenário desenhado tem pedido por uma integração entre dois lados. De um lado, profissionais que conhecem os produtos, mas não a tecnologia, e, do outro, recém-formados com muito conhecimento teórico, mas ainda sem experiência de mercado.
Para sanar esse gap e também evitar a alta rotatividade de funcionários, algumas empresas, como a CI&T, criam ações de capacitação interna ao invés constantemente de buscar nova mão de obra. De acordo com a diretora executiva de pessoas da empresa, Vanessa Togniolli, o ano de 2024 foi focado em testes e treinamentos com os próprios colaboradores.
A companhia investiu em programas de estágio e também em um desafio de gameficação durante as Olímpiadas para ajudar no processo de treinamento, Nele, os profissionais competiam para construir o algoritmo que acertasse com mais precisão o quadro de medalhas usando uma ferramenta da empresa, o Flow. “Nós temos que oferecer espaço para que as pessoas consigam se capacitar de acordo com o desafio que elas têm”, afirma.
Além disso, Vanessa ressalta que é mais importante que o profissional conheça o produto do que da tecnologia em si. “Tecnologias novas surgem a todo momento”, explica. A visão é partilhada por Gomes, que vê a necessidade da capacitação holística. “Eu não gosto de ter pessoas hiperespecializadas em uma função porque a empresa muda todos os dias, os desafios mudam todos os dias. Não acredito que a IA é algo que vai ficar restrito a área de tecnologia”, diz.
Brasil x mundo
Fora do Brasil, no entanto, a visão é um pouco diferente. Paes, que atua em uma empresa sediada nos Estados Unidos, aponta que o país tem buscado por profissionais que saibam treinar LLM’s – uma procura que cresceu desde novembro de 2022, com a chegada do ChatGPT. “O mercado tem precisado de pessoas que saibam mexer com inteligência artificial e treinar a ferramenta com os dados coletados, de formas específicas”, avalia.
Com uma visão global da TCS, Sposito vê que o mercado precisa dos dois tipos de profissional, tanto os que tem habilidades específicas, quanto os mais generalistas. Para o executivo, a diferença para o mercado brasileiro se dá devido aos poucos trabalhadores disponíveis para suprir as demandas das empresas e ao baixo incentivo ao setor.
“No Brasil, as profissões de tecnologia não estão nem entre as 10 mais procuradas, enquanto na Índia, por exemplo, é a número um. Então quando a gente fala dessa limitação, há realmente um desafio para que o país possa se equiparar ao mundo na oferta de portfólio de serviços de tecnologia.”
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