Lula joga para a torcida ao abrir guerra contra os juros

Lula vive de afagos com Geraldo Alckmin, mas lá no fundo deve morrer de saudade do seu vice José Alencar. Ainda mais agora, no momento em que precisa dar a cara para bater, no bom combate quixotesco contra as elevadas taxas de juros. Alencar era mestre nessa arte de enfrentamento à usura. Depois da saída dos militares do poder, dois vice-presidentes foram o sonho de consumo de qualquer chefe do Executivo: Marco Maciel e José Alencar. Os outros não foram vices para um presidente chamar de seu. Itamar Franco, como vice de Fernando Collor, e Michel Temer, como vice de Dilma, dispensam comentários. Não viam a hora de ocupar a cadeira presidencial. O próprio Mourão não foi assim um traíra na acepção do termo, mas não perdia oportunidade para agulhar Bolsonaro.

O pernambucano Maciel passou praticamente invisível, como um celofane, durante oito longos anos como vice de Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2003. Até hoje, quando alguém resolve elogiar o comportamento de um vice, há essa ressalva: muito bom, embora não seja lá um Marco Maciel. Fernando Henrique teve méritos ao escolher o homem certo, mas também muita sorte, pois foi dos poucos habitantes do Palácio do Planalto a poder dormir com os dois olhos fechados. José Alencar foi outro vice longevo. Ficou com Lula de 2003 a 2011. Não era “low profile” como Maciel, mas também permitia que Lula tivesse o sono dos justos. Com aquele jeitão simples de se expressar, cultivado por décadas de mineirice, bom contador de histórias, era liso como quiabo. Escapava das perguntas capciosas dos jornalistas com habilidade incomparável. Fiel escudeiro do presidente, livrava a cara do primeiro mandatário nos confrontos com o mercado. Todas as vezes em que Lula se ausentava, lá estava o velho e bem-sucedido empresário para jogar seu esporte predileto: criticar as taxas de juros. Batia sem dó nem piedade. 

Para Lula, a situação era extremamente confortável. O vice agradava à galera com esse posicionamento, e ele não precisava se indispor com os banqueiros. Quando era indagado sobre os pronunciamentos contundentes do vice, bastava fazer um comentário de passagem: “Ah, esse Zé Alencar”. E tudo terminava em pão de queijo. Pois é, hoje Lula não tem mais seu velho vice para fazer essa linha de frente. Embora viva de beijos e abraços com Alckmin, vai levar um bom tempo até passar as noites com os dois olhos cerrados. As contendas do passado, nas ferrenhas disputas eleitorais entre os dois, deixaram cicatrizes que demoram a desaparecer. Por isso, nesse primeiro momento da sua terceira gestão à frente do Executivo, o presidente assumiu para si aquele encargo antes delegado ao vice: criticar as taxas de juros.

Ao discursar na posse do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, Lula deitou e rolou nas críticas às taxas de juros. Afinal, aquele era o ambiente propício para fazer média com os empresários: “Como vou pedir que os empresários ligados à Fiesp invistam se eles não conseguem tomar dinheiro emprestado? Esse país tem cultura de viver com juros altos. Quando o Banco Central era dependente de mim, todo mundo reclamava. A taxa a 10% era muito alta. Não existe justificativa para que a taxa de juros esteja a 13,75%”. E, como se estivesse mesmo solidário àquele público, instigou: “Se a classe empresarial não se manifestar, eles não vão baixar os juros”. E assim se comporta Lula. Não passa um dia sequer sem que dirija a artilharia contra a política de juros do Banco Central. É só ver uma câmera na sua frente que dispara: “É uma vergonha esse aumento de juro”. Sabe que são essas frases curtas e impactantes que ocuparão as manchetes dos jornais no dia seguinte.

Lula não é ingênuo. Sabe que o Banco Central mantém a taxa de juros nesse patamar para evitar que a inflação saia de controle. Tem consciência também de que para baixar os juros ajudaria se enxugasse os gastos públicos, mas essa iniciativa contraria sua política de inflar a máquina. Por isso, em vez de combater a missiva, prefere atacar o mensageiro. Embora Lula esbraveje contra a autonomia do Banco Central, na verdade, para ele é uma benção. Se essa instituição ainda estivesse subordinada ao Executivo, como ele faria para controlar a inflação sem usar o recurso da taxa de juros? A consequência seria desastrosa, pois com inflação a economia iria desmoronar. Assim, nada como ter alguém para servir de saco de pancada. Parece que nos próximos dois anos, enquanto durar a gestão de Campos Neto, será dessa forma. O presidente bate e logo em seguida aparece um Haddad da vida para assoprar. Quanta falta faz um José Alencar para Lula! Siga pelo Instagram: @polito.