Intenção de Lula é acabar com tudo o que leva a marca de Bolsonaro

Em 2003, logo no início do primeiro mandato de Lula, fui contratado para preparar o discurso de posse de Silas Rondeau na presidência da Eletronorte. Mais tarde ele se tornaria ministro de Minas e Energia. No evento, discursou também seu antecessor. Sua apresentação curta, de poucos minutos, foi prolongadamente aplaudida. Devido à sua competência conquistara vários prêmios internacionais de gestão no setor elétrico. Soube depois que ele perdera o cargo para que o novo governo não tivesse de carregar essa marca positiva do presidente Fernando HenriqueNão é novidade que, em todas as esferas, o novo governante queira eliminar qualquer vestígio de quem o precedeu. Talvez uma das poucas exceções tenha sido Geraldo Alckmin. Ao suceder a Mário Covas no governo de São Paulo, manteve o secretariado como estava. Foi habilidoso, pois o ex-governador era um político querido, e havia provocado forte comoção com a sua morte. Essa iniciativa de Alckmin foi vista com admiração e conquistou a simpatia da população.

Apagar os feitos dos antecessores é uma prática tão antiga quanto a própria história da humanidade. Os faraós egípcios, por exemplo, tinham por hábito eliminar os registros dos feitos daqueles que os antecederam. Um dos casos mais conhecidos é o da mulher faraó Hatshepsut, que governou o país por 22 anos a partir de 1478 a.C. Ela foi o quinto faraó da décima oitava dinastia egípcia. O seu nome não estava incluído na Lista Real. Depois de Tutemés II aparece o de Tutemés III, como se ela não tivesse existido entre eles. Os egiptólogos tiveram de juntar distintos vestígios, dispersos em diferentes monumentos já destruídos, para saber da exuberância de seu reinado. Se não fosse por essa diligência dos pesquisadores, até hoje não teríamos notícia da sua existência.

Em época mais recente, nos anos 1930, Josef Stalin assumiu o poder no Partido Comunista da União Soviética. Para eliminar a lembrança de seus adversários, apagou as imagens deles das fotografias. Um dos registros dessa tentativa de reescrever o passado mostra fotos originais com Stalin ao lado de Nikolai Yezhov e Trotsky. Mais tarde, nessas mesmas fotos adulteradas os dois já não aparecem mais. Os adversários foram expurgados também nas fotos em que apareciam ao lado de Lenin. Assim que assumiu o governo, Bolsonaro iniciou um processo de desaparelhamento da máquina estatal. Todos os funcionários que tivessem algum tipo de ligação direta ou indireta com o Partido dos Trabalhadores, sendo possível, eram eliminados de seus cargos. Para fazer trocas mais amplas seria preciso novo mandato, o que sabemos não foi possível.

Com o presidente Lula não é diferente. Sobre as posições do primeiro escalão nem é preciso dizer. Só entra quem for do grupo político. Dizem até que o chefe do Executivo comete um equívoco, pois ainda que tenha aumentado consideravelmente o número de ministérios, tem indicado para comandá-los, em sua maioria, membros de seu partido. Os analistas julgam que o presidente deveria aproveitar essa oportunidade para contemplar outras agremiações partidárias e, dessa forma, aumentar sua base de sustentação no Congresso.

Os cargos do segundo escalão também são importantes. No primeiro momento, além de avaliar a capacidade técnica de cada indicado, há o cuidado de escolher aqueles que não possuam nenhum tipo de vinculação com Bolsonaro. Essa avaliação é feita principalmente a partir da forma como essas pessoas se manifestaram politicamente em suas redes sociais e em outros pronunciamentos. Quem criticou o sistema de votação pelas urnas eletrônicas, aplaudiu o ex-juiz Sergio Moro, achou justa a prisão de Lula, nem passa na porta para participar da triagem. Desde que assumiu, Lula já tem afiado a língua para trombetear aos quatro cantos que recebeu uma herança maldita. Suas primeiras iniciativas foram no sentido de revogar as ações de Bolsonaro nas mais diversas áreas. Deixou claro também que a sua intenção é a de acabar com tudo o que leve a marca do ex-presidente. Serão longos quatro anos procurando com lupa em cada “pirâmide” os “hieroglifos” que mostrem a presença do dedo de seu antecessor. E como “faraó morto, faraó posto”, certo ou errado, tudo indica que não sobrará pedra sobre pedra. Siga pelo Instagram @polito