Lula vai à China reforçar negócios com o maior parceiro comercial do Brasil; agronegócio é o foco da reunião, mas e a indústria de tecnologia?

Os números da balança comercial brasileira são promissores. Em 2022, o valor das exportações cresceu 19,1% em comparação com 2021, mantendo o país em superávit. A relação entre o volume de vendas ao exterior e a quantidade de produtos importados terminou com um saldo positivo de US$ 61,8 bilhões, US$ 400 milhões a mais do que o ano passado. Os dados consolidados do primeiro trimestre de 2023 estão em linha com o registrado ao longo de 2022 pelo governo federal. Sem surpresa, o grupo de alimentos — principalmente grãos — lidera os itens de exportação. A categoria indústria vem logo em seguida, tanto a extrativa quanto a de transformação. Isto significa que exportamos quantidades expressivas de matéria-prima e similares pré-processados, como embutidos, celulose, açúcar e ligas metálicas. Até aqui, só boas notícias, principalmente se olharmos para a evolução de resultados e considerando o período pós-pandemia. Porém, a insistência em “manter o time que está ganhando” desfavorece o desenvolvimento do pátio industrial de alta tecnologia e afasta o Brasil das potências. Aliás, o país viu nos últimos anos o fechamento de importantes linhas de montagem dedicadas a produzir bens de alto valor agregado. A decisão de marcas como Ford, Sony e Canon de encerrar atividade no Brasil, após décadas de relacionamento, é um forte indicativo de que o ambiente não é convidativo a negócios que visam inovação.

Embora o setor industrial tenha encerrado 2022 representando quase 24% do PIB nacional, este valor foi 24% menor do que o registrado em 2013, o pico desde a virada do século. Os resultados são bem mais modestos se retiradas da equação as categorias “Indústria Extrativa” e “Indústria de Transformação”. Ou seja, o encolhimento da manufatura brasileira é impressionante, para dizer o mínimo. Há 30 anos, um terço do PIB brasileiro vinha das linhas de montagem. Hoje, está abaixo dos 10%. Os motivos para o retrocesso variam desde a intrincada carga tributária à falta de mão de obra qualificada em quantidade suficiente. Esta mistura de fatores negativos — e mais outros dificultadores, a exemplo de problemas na infraestrutura — resulta no chamado “custo Brasil”. Nem mesmo a forte desvalorização do real frente ao dólar e ao euro atrai em volume as multinacionais. 

Indo a Pequim, a comitiva brasileira teria uma chance de tentar abrir novas oportunidades para o combalido pátio industrial, especialmente agora que a China está acelerando aquele que será o maior projeto de integração de países em mais de um século. O chamado “Cinturão e Rota” vai interligar, inicialmente, 23 cidades em três continentes. O Brasil está no escopo, mas de maneira indireta. O presidente Xi Jinping conquistou um prestígio dentro do Partido Comunista Chinês — o único que determina os rumos do gigante asiático — e se garantiu em um incomum terceiro mandato consecutivo. A vantagem de uma administração longeva — no caso da China — é a garantia de que planos a longo prazo serão executados à risca, afinal não existe o perigo da oposição derrubar projetos. Dois ambiciosos programas já foram colocados em marcha. O primeiro pretende mudar a realidade chinesa em 2035; o segundo, em 2050. O ponto em comum é fazer o país deixar e ser sinônimo de produtos baratos para se transformar em um polo de inovação. É aí que o Brasil pode aproveitar o encontro entre os presidentes e aprender como valorizar os potenciais internos. 

“O Brasil tem uma das maiores áreas mundial de incidência solar durante o ano. A capacidade de regiões do país em captar vento é imensa. Só que o potencial de gerar energia por meio destas duas fontes é infinitamente menor que a oferta”, aponta o economista e professor da USP Paulo Roberto Feldmann. O docente explica que, nestes quesitos, a China também é um parceiro estratégico do Brasil. “Tanto a tecnologia de painéis solares quanto os moinhos que transformam o movimento das pás em eletricidade são dominados pela China”, completa ele. Em entrevista à coluna, o professor ainda salientou que Pequim pode adotar uma postura diferente dos Estados Unidos, décadas atrás. “Washington deu alguma ajuda ao Brasil há mais de 60 anos. Depois, nada. A intenção dos americanos sempre foi a de explorar o mercado brasileiro. O movimento que ficou conhecido como ‘Consenso de Washington’ repetia um discurso sobre abertura da economia, fim das barreiras alfandegárias e com uma justificativa de que ‘o mercado se resolve’. Projetos de longo prazo também não estavam na pauta dos Estados Unidos.” 

A China, agora, pode mostrar preocupação com o mercado interno brasileiro e cooperar com planos de infraestrutura para mostrar que as atuais intenções dos asiáticos são diferentes daquelas dos americanos, na década de 1960. Até porque o investimento na ampliação de transporte, geração de energia e sistemas de abastecimento gera muito empregos rapidamente. E mais: obras de infraestrutura empregam o trabalhador de baixa qualificação. Resultado: o desemprego cai em curto espaço de tempo. Outro dado que pode aguçar o apetite dos chineses é a forte industrialização brasileira. “Em 30 anos, nenhum país do mundo sofreu tamanha industrialização”, lamenta o professor Feldmann. Ele destaca dados apresentados pela respeitada revista Forbes: “Na lista do ano passado, das 2.000 maiores empresas do mundo, havia apenas 20 brasileiras. A Embraer estava lá. Depois, os bancos”. 

O economista, que também participa de um programa de intercâmbio acadêmico entre as universidades de São Paulo e a de Fudan, em Xangai, sublinha que o carro elétrico está sendo mais uma oportunidade perdida pelo Brasil. “A China é o maior fabricante de carros elétricos do mundo. E para isso, foi preciso construir, também, toda uma rede de abastecimento, com postos de recarga. E o Brasil? O Brasil não tem uma produção nacional relevante de carro elétrico.” O professor Feldmann ainda completou: “A produção do carro elétrico, na China, embora seja por meio de uma empresa privada — a BYD —, também passou pelos planos do governo”. Ações coordenadas, planos de longo prazo e uma lista de metas a serem atingidas fizeram com que a China tirasse mais de 800 milhões de pessoas da pobreza. Tanto o Planalto quanto a comitiva que acompanha Lula a Pequim sabem disso. Que a viagem seja para os dois governos alinharem políticas que revertam as lacunas brasileiras.