Nova lei ambiental pode reduzir área agrícola na UE

O Parlamento Europeu aprovou na última semana a lei de restauração da natureza. O objetivo da legislação, que faz parte do Green Deal (Acordo Verde Europeu), é restaurar 20% de áreas terrestres e marinhas do bloco econômico até 2030. Agricultores europeus protestaram em frente à sede do Parlamento.

Eles dizem que não são contra o objetivo da lei, mas contra a maneira como ela está sendo aplicada, que segundo eles acontece sem pensar. Eles temem ainda obrigações de restauração em áreas de agricultura. Sobre o tema, conversei com o ex-secretário de clima e relações internacionais do Ministério da Agricultura entre 2021 e 2022, Eduardo Lunardelli Novaes.

O que significa na prática para o agro essa nova lei verde que prevê uma restauração de 20% do território europeu?

Foi incluído um dispositivo logo no final da aprovação dessa lei que determina que ela passe por uma comissão de segurança alimentar antes de ser promulgada. Mas, supondo que essa lei permaneça como está, ela será depois de promulgada e enviada aos países membros da União Europeia para que então, dois anos depois, os países membros submetam à União Europeia os seus planos nacionais para cumprimento dessa meta de recuperação de 20% dos ecossistemas. Isso significa na prática a perda de área de agricultura, efetivamente. Eu posso dar um exemplo de um dos países europeus que é a Dinamarca. A Dinamarca tem hoje uma área de aproximadamente 76% do seu território que é área de cultivo e esse cultivo que se faz na Europa não é mais não é parecido com o nosso aqui né. Nós temos aqui práticas muito mais sustentáveis, de plantio direto, de cobertura solo, etc. Lá eles fazem no sistema anterior, que é o sistema de subsolar, a gradear etc. E o restante do território do país é alocado para a pecuária e pastagens ou para a ocupação humana. Portanto, o que existe de área agricultável na Europa está ocupado efetivamente pela agricultura, então não existem áreas livres para serem alocadas a recuperação de ecossistemas seja lá qual foi o formato que vier a ser implementado para essa dita recuperação. Portanto, sim. Haverá um impacto importante na agricultura na área alocada para a produção agropecuária na Europa.

E especificamente na minha opinião, essa lei específica é boa para o Brasil porque passa a colocar determinadas pressões de uso e ocupação do solo ou de ordenamento territorial na Europa que nós aqui no Brasil sentimos há muito tempo que são muito mais restritivas do que essa lei impõe ao território europeu. Portanto eu acho que para o Brasil é interessante, é positivo porque certamente ganharemos apoio político e força na articulação com grupos internos à Europa.

Agricultores europeus se manifestaram nas ruas e disseram que eles temem ser obrigados a restaurar áreas que são agricultáveis. Você já deu uma pista que acredita que isso vai acontecer. Na prática, a produção agrícola da Europa como um todo pode recuar?

Sem dúvida. Eu tenho uma estimativa de que 60% a 65% do território europeu seja ocupado pela agricultura, mas o fato não é exatamente esse. O fato é que 100% da área agricultável hoje é ocupada pela agricultura porque a gente está descartando aqui, por exemplo, as montanhas, as áreas muito secas e que não tem nenhuma aptidão agrícola. Então eles não tem área para fazer essa recuperação senão as áreas que hoje estão ocupadas pela pela agricultura.

Vale lembrar que a Europa não tem áreas de proteção como temos no Brasil. Aqui no Brasil, nós temos 30% do nosso território ocupado por áreas públicas que são unidades de conservação de proteção integral ou terras indígenas. Em outras palavras para simplificar, é esses 30% do Brasil que tá que são alocados várias agricultáveis que tem aptidão agrícolas são áreas que praticamente não se pode fazer nada. A Europa não tem isso, a Europa não tem unidades de conservação de integração de proteção integral, não tem terras públicas. Os próprios parques nacionais como eles chamam lá não são parques nacionais, eles são áreas privadas que em seu meio tem inclusive cidades e indústrias né fábricas, etc. Simplesmente existe algum tipo de restrição muito leve ambiental, portanto eles não têm o que fazer a não ser restringir efetivamente o uso e ocupação do solo na Europa para fazer frente a essas exigências aprovadas na União Europeia.

No Brasil nós temos o Código Florestal brasileiro que é uma lei que faz com que todo produtor salve uma parte da sua propriedade privada para a natureza. O que na prática Europa está vivendo é uma releitura de um Código Florestal muito mais frouxo do que o Brasil tem?

Eles não têm nenhum tipo de restrição, né? Só para fazer um resumo do que você disse. Na média, para cada um metro quadrado de área privada alocada produção agropecuária no Brasil, o agricultor é obrigado por conta do Código Florestal a alocar um outro metro quadrado para a preservação. Então 50% da média das propriedades privadas brasileiras são alocadas à preservação, sem contar as áreas públicas, as unidades de conservação e as terras indígenas, áreas não destinadas, as áreas militares e assim por diante.

A parte positiva, o que tem de positivo nesta lei para aquilo que consegue o Brasil, é que eles passarão a sentir um pouquinho das dores que nós sentimos aqui no Brasil e portanto devemos ter mais apoio internamente na Europa para fazer frente a essas iniciativas digamos assim um pouco radicais que existem na Europa para fazer frente a emergência climática, recuperação da biodiversidade e assim por diante.

Será que essa lei vai pegar na Europa? Entre a lei ser aprovada e ela entrar em vigor, existe um espaço. Que espaço é esse, a partir de quando e qual a sua projeção de redução na produção agrícola europeia?

Em teoria, segundo o que foi aprovado, a lei agora passa por uma comissão de segurança alimentar da Comissão Europeia que supondo que não haja nenhuma alteração nessa comissão, os países membros terão dois anos para apresentar planos nacionais em atendimento essa lei. E, teoricamente, o objetivo é que esteja implementado esses 20% de recuperação de áreas de ecossistemas até 2030. Isso é o que diz a teoria, mas na prática a Europa não é muito boa em cumprir acordos ambientais, a Europa tem a tradição de não se descumprir os acordos que assume, de refazê-los. Um bom exemplo disso é o próprio Protocolo de Kyoto, que foi negociado a nível global e depois foi substituído pelo Acordo de Paris. Então foi feito um acordo climático gobal, os europeus e os americanos ‘melaram’ esse acordo e construíram um outro acordo no lugar. Então eu diria o seguinte: eu acho que no curto prazo a tendência é que essa a implementação dessa lei avance, mas conforme os custos e os benefícios, que são muito difíceis de serem mensurados pela população, pelo cidadão europeu passem a acontecer, eu acredito que haverá muita resistência porque o custo social e econômico para implementar essa lei será gigantesco.

Semanas atrás nós trouxemos aqui destaques do Financial Times que mostrava algumas regiões da Europa congelando o preço de alimentos no supermercado numa tentativa forçada de controlar a inflação, imagine então que num contexto atual já é aplicada essa medida. Se a gente colocar uma redução de 20% do território para a produção de alimentos, eu imagino que a situação ficaria bem mais complicada né?

Ficaria não só mais bem complicado como, é bom lembrar que a produção agropecuária na Europa ela é altamente subsidiada. 50% do orçamento da União Europeia é alocado para subsídio agrícola para os seus países membros e existe uma razão importante por trás disso, não se trata exclusivamente de protecionismo, embora se trate também, mas existe uma questão social, a manutenção da tradição da ocupação do território rural e tudo mais que é algo que não pode ser descartado. Então a gente pode esperar muita turbulência porque como eu disse aqui, é muito importante lembrar, eu vou usar o exemplo do Acordo de Paris para ilustrar o que eu pretendo dizer. O Acordo de Paris tem como objetivo manter o aquecimento da temperatura do planeta a um máximo um 1,5°C acima dos níveis pré-industriais no ano de 2100. No ano de 2.100, a maior parte da população global não vai estar aqui para ver os resultados dos esforços que estão sendo implementados hoje, que são da ordem de trilhões e trilhões de dólares. Então nós, esse movimento quer dizer, essa radicalização desses posicionamentos estão impondo um custo gigantesco a sociedade global no dia de hoje sem que a sociedade tem a condição de avaliar qualquer tipo de retorno ambiental, então eu acho que é muito provável que nos próximos, ao nos aproximarmos da virada da década, nós devemos começar a ver uma volta ao modelo um pouco mais racional, um pouco mais calmo o modelo que privilegie os recursos estratégicos vitais de qualquer país que a são energia e produção de alimentos. Eu sou pessimista no curto prazo, mas otimista no médio prazo.