Novos integrantes, moeda comum e maior influência da China: por que a 15ª Cúpula dos Brics é a mais audaciosa de todas?

Embora a reunião deste ano tenha tido a África do Sul como anfitriã, nenhum outro país saiu do encontro tão fortalecido quanto a China. Os dois dias de debates serviram para elaborar uma carta de intenções. Ou seja, os parlamentos de todos os membros precisam aprovar as propostas. Levará tempo. Ainda assim, Pequim pavimentou mais uma via para a cobiçada ramificação de entrepostos que pretende ligar o sul chinês até Roterdã, nos Países Baixos, passando pelo sudeste asiático, África e Europa. Caso nenhum evento disruptivo interrompa o ritmo de crescimento chinês, a segunda maior economia do mundo vai precisar cada vez mais de matéria-prima para se tomar a posição hegemônica dos Estados Unidos. Entre os candidatos à adesão aos Brics, estão Venezuela, Arábia Saudita, Egito, Indonésia e mais dezenove países de perfil emergente. Todos com enorme potencial de adquirir produtos chineses e, em contrapartida, exportadores de commodities interessantes à principal concentração mundial de linhas de montagem. Mesmo que a ampliação do bloco leve décadas, a China sabe que está — paulatinamente — aumentando o caráter de influência global e dependência comercial no chamado Sul Global: a metade de baixo da linha do Equador.

Pequim ainda foi a voz mais forte na discussão da cúpula para uma moeda comum, mecanismo que deixaria as transações dentro dos Brics ligadas a uma unidade monetária padrão, dispensando a conversão para o dólar, por exemplo. Trata-se de uma manobra que facilita o comércio entre países e diminuiu custos de transação. Não tem nada a ver com a ideia de moeda única, como o euro. O que, aliás, seria impossível, agora, por conta dos diferentes momentos econômicos de Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.

A participação da Rússia foi mais discreta, pelo fato do país não estar com a melhor das reputações por conta da invasão à Ucrânia, que completa um ano e meio esta semana. Mesmo recatada, a delegação enviada pelo presidente Vladimir Putin viu de camarote o fortalecimento do grupo. A expectativa de ampliação das parcerias dos Brics dá a Moscou uma sensação de alívio, uma vez que se fortalecem alternativas para burlar as pesadas restrições impostas por Estados Unidos e a Europa Ocidental. O plano de uma moeda comum, então, seria uma boia de salvação à importante economia russa, tirada até do sistema internacional de compensação bancária. Para Moscou, fazer parte de um time que dispensa o dólar nas exportações/importações é rir na cara do adversário.

Correndo por fora na disputa pelo destaque no mundo dos negócios está a Índia. Novo país mais populoso do mundo, tem potencial de crescimento parecido com o da China, com uma vantagem. Enquanto a sociedade chinesa está envelhecendo e com taxas de natalidade cada vez menores, os indianos estão se especializando na mão de obra qualificada para a Quarta Revolução Industrial. E mais: com gente suficiente para atender à demanda global.

Brasil e África do Sul não foram meros coadjuvantes. Grandes nas próprias regiões, os dois países reforçaram posições próprias, a exemplo do presidente Lula minimizando a ideia de moeda comum, mas reforçando o potencial de ampliação do bloco. Parte da América Latina voltou a repetir a ambição de ser aceita pelos cinco fundadores. O Brasil poderia exercer uma liderança regional; uma espécie de Mercosul ampliado. De novo: tudo ainda no campo das ideias. Porém, o simples fato dos Brics passarem a ser tão cortejado mostra que organizações econômicas comandadas pelos Estados Unidos não tem mais posição de destaque absoluto. Bem-vindos ao século XXI.