Novos membros do Brics enfrentam inflação galopante, sanções internacionais e dilema sobre adesão ao bloco
A partir de janeiro de 2024, o Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, passará a ter 11 integrantes, já que os cinco países membros concordaram, na 15ª Cúpula, realizada em Joanesburgo, na África do Sul, em ampliar o grupo. Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã são os novos integrantes. Aproximadamente 40 países manifestaram seu desejo de aderir ao bloco, segundo o governo sul-africano, que este ano ocupa a presidência rotativa e recebeu “manifestações formais de interesse” de 23 países. Criado em 2009, o Brics representa, atualmente, 42% da população mundial e 30% do território do planeta, além de 23% do produto interno bruto (PIB) e 18% do comércio mundial. A ampliação do bloco de economias emergentes, paladino dos países do Sul Global, tem gerado grandes expectativas internacionais e poderá levar a mudanças significativas na atual ordem mundial. Em declaração após o anúncio da histórica decisão, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou que a “relevância dos Brics está confirmada pelo crescente interesse demonstrado por outros países em aderir ao grupo”, incluindo a Argentina, nação à qual enviou uma “mensagem especial”. “Como indicou o presidente Ramaphosa, o Brasil dá as boas-vindas aos Brics à Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã”, disse Lula. A China apoiou especialmente a expansão dos Brics, que buscam mais peso nas instituições internacionais, até agora dominadas por Estados Unidos e Europa – Pequim quer expandir a sua influência na concorrência com Washington. Mas qual a força dos novos países do Brics e o quanto eles agregam no grupo?
Argentina
Terceira economia da América Latina, a Argentina enfrenta uma inflação endêmica, de dois dígitos há mais de 12 anos e atualmente por volta de 115% interanual. Nos primeiros sete meses do ano, o aumento acumulado do custo de vida atingiu 60,2% e, apesar das ajudas sociais, cerca de 40% dos 46 milhões de argentinos vivem na pobreza. Em agosto, a cotação oficial do peso argentino se desvalorizou em mais de 20%. O país também tem dificuldades para pagar uma dívida de 44 bilhões de dólares (R$ 214,6 bilhões, na cotação atual) ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Sua candidatura foi apoiada pelo presidente Lula, que criticou os empréstimos “asfixiantes” dos organismos internacionais.
Arábia Saudita
A Arábia Saudita é o maior exportador mundial de petróleo e a principal economia árabe. Preocupado com se tornar menos dependente das energias fósseis, este país ultraconservador iniciou nos últimos anos um amplo programa de reformas econômicas e sociais. O reino registrou um crescimento anual do PIB de 8,5% em 2022. Sua população atual é estimada em 32,2 milhões de pessoas, a maioria abaixo dos 30 anos.
Emirados Árabes Unidos
A federação de sete emirados, peso pesado da Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep), diversifica há décadas sua economia. Com isso, depende cada vez menos dos hidrocarbonetos, que representam 30% do PIB deste país de cerca de 110 milhões de habitantes. Os Emirados, primeiro país árabe com uma usina nuclear, construíram dois dos maiores parques solares do mundo em Abu Dhabi, a capital, e Dubai, centro financeiro, imobiliário e turístico da região. Aliado da Arábia Saudita e dos Estados Unidos, e com boas relações com Rússia e China, foi o primeiro país do Golfo a normalizar suas relações com Israel, em 2020.
Irã
O Irã, cuja economia é afetada por duras sanções internacionais, dispõe da segunda maior reserva mundial de gás, atrás apenas da Rússia, e o quarto lugar entre as maiores reservas comprovadas de petróleo. As sanções dos Estados Unidos, após o fim do acordo nuclear em 2018, isolaram este país de 88 milhões de habitantes do sistema financeiro internacional. A persistente queda da moeda nacional alimenta uma inflação galopante. Desde o início do ano, o Irã se mostrou muito ativo no cenário diplomático, com a ambição de reduzir seu isolamento, estreitando laços com China e Rússia, e se reconciliando com seus vizinhos árabes.
Egito
O Egito, sede da Liga Árabe, é um ator importante no cenário diplomático árabe. A economia do país, um dos principais importadores de grãos do mundo, viu-se duramente abalada pela invasão russa da Ucrânia no início de 2022, que levou a uma disparada nos preços do trigo. A inflação alcançou 36,8% em junho, recorde absoluto para o Egito, que tem uma população de 105 milhões. Muito endividado, o país precisou recorrer nos últimos anos a resgates dos países do Golfo e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Etiópia
A Etiópia, segundo país mais povoado da África, com 123 milhões de habitantes, foi durante a década de 2010 uma das economias mais dinâmicas do mundo. Mas seu crescimento foi frustrado pela pandemia da Covid-19, pelas catástrofes climáticas, pelo conflito na região do Tigré (norte) e pela guerra na Ucrânia. O país continua sendo um dos menos desenvolvidos do mundo, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Tradicionalmente não-alinhado, tem laços estreitos com Rússia e China, este último seu principal parceiro comercial, mas também com os Estados Unidos.a
Repercussão da expansão do Brics
A escolha dos países gerou manifestações adversas. A Argentina, que está em ano eleitoral (a eleição está marcada para 22 de outubro) ainda é uma incerteza, pois não se sabe qual Argentina vai estar presente no grupo. Dois dos principais candidatos à presidência, sendo um deles, Javier Milei, que venceu às primárias realizadas no meio de agosto, já disse que, se eleito, não quer fazer parte deste grupo porque não tem interesse em se relacionar com países comandado pela esquerda. A Arábia Saudita manifestou seu agradecimento, mas informou que vai esperar os detalhes “sobre a natureza da adesão” para tomar a decisão certa. “Estamos aguardando os detalhes do grupo sobre o convite, a natureza da adesão e seus elementos. Com base nisso e em medidas internas, tomaremos a decisão apropriada”, disse Bin Farhan, ministro das Relações Exteriores, à emissora de televisão saudita “Al Arabiya”.
Farhan associou a escolha do seu país à “grande posição política e econômica” do reino árabe e ao seu “peso global”. Para o Irã, a seleção foi uma “vitória estratégica para sua política externa”, disse o vice-chefe de gabinete da presidência iraniana, Mohammad Jamshidi, na rede social X (antigo Twitter). A Liga Árabe destacou a influência árabe na expansão. “Este é um importante bloco internacional, e a participação dos países árabes reflete uma crescente influência árabe na tomada de decisões internacionais”, disse o secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Abulgueit, desejando também que isto tenha um “impacto positivo nos interesses árabes”. O presidente dos EAU, Mohammed bin Zayed, agradeceu o convite e disse que trabalhará para “todos os países e povos do mundo”, enquanto o chefe de Estado egípcio, Abdul Fatah Al-Sisi, desejou que a medida fortaleza a economia do bloco e “eleve a voz” dos países do Sul Global. Por sua vez, a Arábia Saudita também comemorou o convite, mas seu ministro das Relações Exteriores, Faisal Bin Farhan, disse em declarações à mídia saudita oficial “Al Arabiya” que o reino estudará sua entrada assim que obtiver “os detalhes” sobre “a natureza da filiação”.
Os Emirados Árabes, como a Arábia Saudita, estão dedicando grandes esforços para obter influência no campo diplomático e econômico do mundo e têm planos de reduzir sua dependência de recursos fósseis, além de aumentar o comércio e as transações com moedas de superpotências como China e Rússia. “Os Brics são uma fonte importante e útil para aumentar a cooperação econômica, especialmente entre os países em desenvolvimento e os países do sul, que precisam desse tipo de cooperação à luz das polarizações que ocorrem agora”, disse Farhan, cujo país mantém boas relações com China e Rússia, mas também com os Estados Unidos. A notificação sobre a ampliação do grupo também chamou atenção de outros países, que de início não foram selecionados. O Cazaquistão, o maior país da Ásia Central, demonstrou interesse em fazer parte dos Brics. “O Cazaquistão gostaria de contribuir para o desenvolvimento do potencial dos Brics como Estado-membro”, afirmou o presidente cazaque, Kassym-Jomart Tokayev, ao participar nas atividades da cúpula do bloco na África do Sul, através de videoconferência. De acordo com Tokayev, a cúpula de hoje pode reforçar significativamente o papel dos Brics e ajudar a resolver uma série de problemas globais com base no diálogo aberto e na compreensão mútua.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, também ratificou a intenção de entrar no grupo e afirmou que a admissão dos membros da OPEP que fizeram seu pedido formal de adesão “garantirá o manuseio de 83% das reservas provadas de petróleo do mundo”. “Dos 23 candidatos no eventual processo de ampliação dos Brics, sete deles pertencem à OPEP, que abastece uma porcentagem fundamental do mercado mundial, e entre nós agrupamos 77% das reservas de petróleo do mundo”, disse o presidente venezuelano, durante discurso remoto direto de Caracas, na XV Cúpula de Chefes de Estado e Governo dos Brics, em Joanesburgo, na África do Sul. “A Venezuela acrescenta aos pedidos dos países com aspirações de ingressar nos Brics, como expressamos formalmente em carta em 2015, e ratificamos recentemente, contribuindo para este modelo de integração global as maiores reservas de petróleo certificadas do mundo em nosso país, entre outras riquezas”, disse. A Nicarágua também se manifestou sobre a expansão do Brics. O governo do país diz ver no grupo “uma iniciativa e uma realidade poderosas que fortalecerão o mundo multipolar de que tanto precisamos e mudarão o modelo econômico injusto, colonialista e imperialista”.
*Com informações das agências internacionais