O fim da camuflagem persa?

Desde 1979 uma grande mudança de paradigma ocorreu no Oriente Médio, um dos países mais poderosos da região passou por uma revolução religiosa, que instaurou uma teocracia islâmica xiita em todo o grande estado da Pérsia. O regime dos aiatolás encontrou, inicialmente, grande desafio em tornar o Irã uma nação económica e politicamente viável seguindo de maneira tão rigorosa as leis islâmicas da sharia, mas um dos aspectos mais fáceis de se modificar foi a doutrina central da política externa iraniana, que cortou relações com os Estados Unidos, se tornou um grande desafeto do ocidente e abandonou a política de boa vizinhança com o estado de Israel.

Em virtude de sua distância de mais de 1500 km de um de seus principais inimigos, a República Islâmica do Irã optou por 45 anos adotar a estratégia de guerrear com Israel e todo o Ocidente, através de suas proxies, assim chamados os intermediários de seus interesses que atuam de forma paramilitar. Desde o começo da década de 1980, dentro do contexto do conflito Israelo-Palestino, muitos grupos fundamentalistas e terroristas islâmicos foram fundados, com maior notoriedade, vemos o Hezbollah estabelecido no Líbano em 1982 de vertente xiita, o Hamas fundado em 1987 de vertente sunita nos territórios palestinos e o movimento dos Houthis fundado no Iêmen em 1992 também de vertente xiita, entre outros grupos menores, mas igualmente radicais fundados na Síria, Iraque e outros países árabes.

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Muitos desses grupos receberam intenso apoio ideológico, militar e financeiro dos iranianos por décadas, chegando a embolsar recentemente cerca de 5 bilhões de dólares anuais para suas operações e atentados pelo mundo. Durante muitos anos, apesar dos comentários elogiosos às lideranças de tais grupos por parte de Ali Khamenei, líder supremo do Irã, a República Islâmica negou repetidamente envolvimento direto com os respectivos grupos.  Por quase 5 décadas, foram dezenas de ataques terroristas realizados em seus países de origem e contra Israel em múltiplas ocasiões, muitos deles vividos como luto pela população local, e alguns outras sendo marcos importantes do início de guerras históricas. 

Em 07 de outubro de 2023 mais um grande ataque terrorista se tornaria uma data marcante para a população israelense e estabeleceria o início de mais uma guerra histórica. A resposta veemente e também muito contestada por parte de Israel, transformou uma guerra localizada em um enclave de 360 km 2, para um confronto em múltiplas frentes contra 4 proxies diferentes do regime iraniano.

A troca de hostilidades entre o Hezbollah e as Forças de Defesa de Israel entre o sul do Líbano e norte de Israel se transformou em uma guerra total entre esses dois beligerantes após a precisa operação militar israelense que matou a liderança do grupo fundamentalista libanês, Hassan Nasrallah. De 1992 até 2024, Nasrallah foi a principal face dentre os emissários iranianos pelo Oriente Médio e sua morte, da maneira como ocorreu, revelou as fissuras e fraquezas na inteligência iraniana e de suas proxies, evidenciando erros estratégicos dos aiatolás em sua doutrina militar durante os últimos 30 anos. 

Metaforicamente, o Irã é uma espécie de polvo dentro do Oriente Médio, onde o cérebro central, presente em Teerã comanda os seus tentáculos espalhados pela região, realizando as ações militares de maneira coordenada ou individual em múltiplos países. Sendo uma criatura acostumada a utilizar técnicas de camuflagem para garantir sua sobrevivência, manteve sua cabeça por muitos anos escondida e protegida dentro das fronteiras da nação iraniana, mas nesse ano tudo mudou.

Inicialmente em abril de 2024 e mais recentemente nessa semana, o Irã lançou pela primeira vez em sua história de animosidades contra Israel, um ataque ao país diretamente do seu território e declaradamente enviou mísseis, drones e outros artefatos bélicos que sobrevoaram centenas de quilômetros até serem, em sua ampla maioria, interceptados por Israel e seus aliados em uma grande operação de defesa antiaérea. Esse ataque inédito na história das guerras no Oriente Médio revelou facetas relevantes sobre um possível realinhamento de forças dentro da região e outras especuladas mudanças de paradigmas na geopolítica local.

Por um lado essas sucessivas operações, ataques e retaliações servem como uma constante medição de forças entre as duas principais potências militares do Oriente Médio, comparando suas estratégias, suas tecnologias bélicas e seu grau de influência regional e global. Por outro lado, vemos uma necessidade interna de cada um dos governos, o regime da ditadura iraniana e a atual coalizão ultraortodoxa israelense, em darem sinais de força e resiliência para suas próprias populações envolvidas emocionalmente com todo esse constante cenário de guerra. 

Durante os próximos dias, talvez nas próximas semanas, uma resposta de Israel acontecerá, e segundo o premiê Benjamin Netanyahu, de maneira veemente e precisa. Como e quando isso se dará, caberá às testemunhas da história presenciar e analisar, mas o que podemos concluir nesses quase 12 meses de guerra intensa no Oriente Médio é que a cabeça do polvo está à amostra.