O governo Lula está mais próximo da China? 

Em visita ao Brasil, o chanceler chinês Wang Yi propôs ao governo brasileiro unir as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com os da nova Rota da Seda. A sugestão ocorreu em um momento em que o presidente Lula afirmou a existência da política de “Uma só China”, que é o reconhecimento diplomático de Pequim de que existe apenas uma China no mundo e que Taiwan faz parte dela. Confira a entrevista realizada pelo economista e apresentador da Jovem Pan, Samy Dana, com o professor de relações internacionais do Ibmec Alexandre Pires e com o deputado federal e cientista político Luiz Philippe de Orleans.

O governo Lula está mais próximo da China?
Alexandre Pires:
O governo Lula tem priorizado essa aproximação com a China desde o Lula I. Ou seja, o primeiro ato que indica isso é quando o Brasil reconhece a China como economia de mercado na OMC, lá em 2004, em outubro. Isso não é uma postura, por exemplo, dos Estados Unidos, que não reconhece até hoje a China como economia de mercado, mesmo o bloco europeu também não. Isso permite que eles façam retaliações quando veem práticas não competitivas, por exemplo, o dumping, permitindo que os Estados Unidos, de um dia para o outro, sobretaxe os produtos chineses. O Brasil não pode mais fazer isso desde 2004 porque tem que passar pelas instâncias da Organização Mundial do Comércio (OMC), então isso já indicou ali um caminho de aproximação. Na sequência, o Brasil cedeu também, como no caso do autoembargo com relação ao mal da vaca louca, as dificuldades de declaração de zonas livre de febre aftosa, que nunca são conseguidas. E isso foi caminhando até o ano passado, em que, com relação à guerra da Ucrânia e Rússia, o que o Brasil falou e as resoluções que o Brasil propôs enquanto presidia o Conselho Geral da ONU na Assembleia Geral, ele praticamente chancelava as ideias da China e da Rússia. E depois nós tivemos o caso dos e-commerce chineses, como a Shopee, em que eles acabavam não recolhendo os impostos, colocavam isso como uma atribuição do Estado brasileiro, e o Brasil acabou cedendo, fazendo um acordo e, de certo modo, jogando para frente a resolução desse problema, que ainda não está completamente resolvido e que vai contra ali o varejo nacional. Depois, quando nós temos a crise entre Gaza e Israel, disparando a guerra, as posições do Brasil já eram dúbias. Depois, com a ação da África do Sul no Tribunal Internacional, ratificando e apoiando essa posição, o Brasil se posiciona também de acordo com toda uma linha antiocidental que a China vem veiculando no mundo. Ou seja, tudo isso tem levantado críticas por parte de ministros de estado e seus secretários tanto da União Europeia quanto do Brasil. Isso aconteceu muito, esses puxões de orelha aconteceram muito ali em 2023, e o Brasil vem se aproximando disso. Cada vez mais tem dado prioridade para a China, inclusive, o ato que a gente pode medir isso é esse tipo de encontro diplomático com o alto escalão, um chanceler sendo recebido, e mesmo as visitas do Celso Amorim, que também tem priorizado, ainda que ele não seja chanceler, mas é quase que um chanceler honorário, ele tem priorizado Rússia e China, bem afastado dos países europeus e norte-americanos, Canadá e Estados Unidos especialmente.

Luiz Phelippe de Orleans: O que o Brasil tem feito é se subjugar essas duas agendas que estão muito claras: a agenda da União Europeia, que envolve aí uma série de regras ambientais que são praticamente utópicas, muito difícil de você obedecer e tem gerado conflito na Holanda, na Alemanha e na França. E, por outro lado você, tem esse acordo que é uma “armadilha” da China, em que eles garantem uma série de investimentos, linhas de crédito, até construção de infraestrutura e, do outro lado, eles incorrem ao Brasil e aos setores, sobretudo setores estratégicos do Brasil, que são do interesse da China, a se subjugarem às vontades, formação de preço e uma série de outras limitações comerciais que a China impõe. Então, o Brasil está praticamente entre esses dois jogadores. Isso é uma grande questão. Olhando para a frente, o que deveria ser feito? Se fosse olhar a questão agrícola, agronegócio do Brasil, duas coisas precisavam acontecer: a liberalização dos mercados, até para a formação de preço. Ou seja, criar até mesmo bolsas de valores independentes para a formação de preço acontecer no Brasil e não nos mercados externos. Nós temos uma dinâmica de mercado interno muito favorável a isso, esse é o primeiro ponto. O segundo ponto é também liberalizar o crédito. O crédito hoje, que é a grande ajuda ao agronegócio, fica na mão de uma agenda governamental a priori. Então temos linhas de crédito aí extremamente controladas e com isso o governo acaba controlando um setor estratégico que poderia estar proporcionando liberdade e soberania ao Brasil. Mas ficamos subjugados à agenda política do governo. E, sim, o governo é mais alinhado à China, é mais alinhado à geopolítica russa. Então isso nos limita demasiadamente e também nos coloca em perigo não só de desenvolvimento interno, mas também com parcerias históricas que nós temos com Ocidente.

Uma aproximação entre Brasil e China é boa ou ruim? Qual seria o maior peso na balança?
Alexandre Pires: Nós temos agora uma aproximação que poderíamos chamar de governo, ou seja, o governo tem sinalizado um afunilamento, e uma aproximação maior dependeria também de mudanças constitucionais e até legislativas. Ou seja, se o Brasil caminhar nisso, ele precisaria ter uma ação de Estado para nós começarmos a ficar preocupados com um alinhamento nítido e claro na chave do que nós temos, por exemplo, entre Rússia e China, que é o famoso acordo de amizade, né? Tratados de amizade. O Brasil não tem um tratado de amizade com a China, mas poderíamos evoluir para isso. E aí, nós teríamos já uma aproximação entre dois Estados. No momento atual, nós temos uma aproximação entre dois governos. E aí, nós temos o quê? Uma saída da política anterior do governo anterior, que procurava um realinhamento com o Ocidente, especialmente os Estados Unidos, de modo unilateral, sem contrapartidas. E depois foi revertido com um novo governo, que propôs neutralidade. Diz que o Brasil, geopoliticamente e diplomaticamente, adotaria neutralidade. Mas neutralidade significa equidistância, ou seja, é uma equidistância com relação às potências. Eu negocio com todos, não privilegio nenhum e busco ali ter as maiores vantagens, vários países adotam isso. Pegando o caso mais notório é a Índia, que é um grande opositor da China do ponto de vista geopolítico, mas conversa com todos. O Brasil tem sinalizado desde o ano passado, e não é a minha visão, nós vemos isso por fatos diplomáticos, uma aproximação com a China que foi já criticada pela diplomacia do Atlântico Norte. Então o Brasil tem mostrado nos fatos que ele está se alinhando a esse outro bloco. E o risco, como você falou, é grande? Sim, é enorme. Várias tecnologias, inclusive do setor agrário e também em outros setores, como industrial e militar, dependem da autorização de governos europeus e de governos americanos para que isso possa ser feito. Eu lembro o caso quando o Brasil se recusou a fornecer munição para a parceria com a Alemanha, e a Alemanha retalia na sequência, proibindo algumas exportações da indústria militar brasileira. Ou seja, então quando você se aproxima com a China, nós não podemos esquecer que temos várias dependências com os países ocidentais no nível econômico, tecnológico. E, claro, nós temos um outro sinal preocupante, pois o governo também já falou que não ia fazer grandes esforços para se aproximar da OCDE, que é o clube de países mais desenvolvidos. Tudo aquilo para onde nós estávamos caminhando praticamente entrou em compasso de espera. Para nós entrarmos na OCDE, temos que mudar nossa legislação para ela ficar mais convergente com a legislação do Atlântico Norte. Se a gente parar com isso, nós vamos começar a mudar nossa legislação para qual sentido? Para qual direção? E o mundo está vendo, não basta só conversa, as pessoas veem as ações e é preocupante.

A proposta de unir as obras do PAC com as da Rota da Seda vai beneficiar o agro?
Luiz Phelippe de Orleans:
O PAC é um volume absurdo de investimento que o governo não é capaz de fazer sozinho, então ele precisa de parceiros. Sou totalmente contra o PAC. Esse tipo de plano nacional nunca funcionou, só gera crise, uma série de “elefantes brancos” incompletos, é um dispêndio absurdo de dinheiro público. Independentemente disso, ele vê que já tem rombo nas contas públicas. Então como é que ele vai financiar isso se não tem recursos próprios? Vai ter que abrir. E para quem ele está abrindo? Para a China que sempre quis controlar todos aqueles seus parceiros. Através do controle econômico, do controle de portos, controle de ferrovias, controle da distribuição de armazéns para estocagem, você praticamente controla a economia de um país. Veja o que está acontecendo na África, por exemplo, em que se estabeleceu quase que neocolônias da China em função exatamente desse Acordo de Cinto e Rota, de Belt and Road, que a China coloca em pauta aos países que eles querem colonizar. Então, por um lado, sim, sem dúvida vai ajudar o agro porque dá uma garantia de financiamento e é isso que é o grande perigo. Nós temos uma Frente Parlamentar do Agronegócio, do qual eu também faço parte. E, lembrando, sou presidente da Frente por Livre Mercado, mas também faço parte da Frente Parlamentar do Agronegócio. Por um lado, eu vejo os parlamentares sucumbindo a essa possibilidade de ter uma linha de crédito bilionária vindo para favorecer o Brasil. Claro, que a infraestrutura do Brasil vai servir majoritariamente para o agro, sobretudo no escoamento dessa produção, que vale a pena para a China. Então o agro sai beneficiado. Do ponto de vista de aceitação a isso internamente, de voto, isso vai dividir a Frente Parlamentar do Agronegócio. Tem aqueles que vão mais pelo sentido corporativista e vão apoiar esses acordos internacionais que facilitam o crédito imediato. E vão ter aqueles da oposição, como eu, que vão dizer: “Olha, isso aqui vai prejudicar a nossa liberdade econômica com vários outros parceiros”. Vai subjugar a nossa estratégia do agronegócio, até acho que nem temos uma estratégia do agronegócio, temos que liberalizar esse mercado para que a gente possa exercer a nossa soberania, o nosso poder de barganha junto aos outros grandes jogadores. O que está acontecendo é exatamente isso, a subjugação do Brasil Frente a esses acordos. Nós não temos uma proposta nossa vindo do nosso âmago, das nossas vontades. O que eu estou propondo aqui: temos que liberalizar o mercado do agronegócio e temos que fazer acordos bilaterais, e não é o governo o grande intermediador desses acordos. Esses acordos têm que ser feitos setorialmente, com agentes internos aqui, independentes de governo. E nada disso foi construído, muito pelo contrário. O governo está se colocando como o intermediador do agronegócio, cada vez mais controlando o agronegócio brasileiro e entregando esse agronegócios quem paga mais ou a quem ajuda o governo.