O jogo do fingimento político

Caros amigos, inimigos, estranhos, amantes e pessoas indiferentes que acompanham esta minha coluna, esta semana guardei um silêncio prudente em minhas redes sociais. Ao contrário do que costumeiramente faço, emitindo análises diárias sobre a política nacional, nesses últimos dias resolvi me calar em um mutismo sacro, ao invés de cuspir minhas opiniões apressadas. Assim fiz para poder bem absorver aquilo que o filósofo Eric Voeglin denominava de “ethos” da política, e, após esse retiro autoimposto, acredito que tenha observado qual seria esse ethos, afinal. Trata-se da desfaçatez, o faz de conta teatral, a falsidade. Você pode entender esses três conceitos ‒ substantivos ‒ como sendo complementares, sinônimos ou meros joguetes linguísticos do articulista, não importa, importa antes percebermos que o jogo do fingimento é o que mantém as vértebras desse leviatã brasileiro ajustado, o que anima a carne desse bicho estranho, a estrutura que mantém no arrimo esse circo, esse é o fingimento contumaz que assistimos na última quinta-feira.

Devemos todos fingir que Flávio Dino será imparcial em seus julgamentos, que aquele que em carnavais da vida se veste de revolucionário comunista, com foice e martelo nas mãos, o mesmo que, como ministro, foi um comunista de terno, terá a abnegação moral de suspender o éter ideológico que o acoroçoa as veias, a fim de julgar com lisura constitucional e iluminismo ético processos de opositores políticos. Não subestimo a capacidade dos indivíduos de perceberem o óbvio ululante, mas o indivíduo que votou em Dino acreditando realmente nisso, ou é ingênuo e tolo demais até para comprar um picolé na padaria, ou é cínico demais para ser alguém de bem. Por isso, sinceramente, acredito que se trata de puro fingimento, Flávio Dino finge que vai ser um juiz da Suprema Corte sem ideologia e lado político, os senadores fingem que isso é verdade, a mídia finge que está tudo ok com ministros políticos no STF, e nós fingimos aqui, com narizes de palhaços, que o Brasil é uma democracia pulsante, ou melhor ‒ e mais bizarro ainda ‒, que o STF e o TSE salvaram essa mesma democracia ano passado.

A minha tese é que todos nós, de alguma maneira, na grande maioria das vezes, inconscientemente ou não, sabemos dessa regra geral do fingimento político. Os cientistas políticos chamam de “diálogo” ‒ como cientistas políticos amam tal palavra ‒, alguns outros “especialistas” gostam de chamar de “diplomacia” ‒ o que sempre traz uma áurea “chique” para tudo ‒, alguns ainda gostam de pensar em termos econométricos, trata-se então de uma “negociação política” ‒ aquele perde e ganha calculado que, em algum momento, virará moeda de cobrança por algum favor vindouro. Ou seja, as palavras gourmets apenas velam o que realmente acontece: um teatro dos mais bisonhos. O que foi Sergio Moro abraçando Dino aos risos ‒ e depois sendo revelado, por um flagra fotográfico de seu smartphone, que ele votaria favorável ao ex-Ministro da Justiça ‒ se não um dos teatros mais patéticos dos últimos tempos em nosso Senado?

A regra é clara, ao final, todos nós fingimos que está “tudo ok” em ter mais um ministro político no Supremo Tribunal Federal, que isso não fere uma centena de regras de condutas jurídicas sacramentadas desde a Roma antiga. Vamos continuar fingindo abertamente que o STF não é um tribunal político, que não atua como se tivesse mandato, que não se tornou um dos braços do lulismo. Vamos continuar fingindo que as consequências desses descalabros são, cada dia mais, a sensação de insegurança jurídica em nosso país, o fedor crescente de autoritarismo jurídico e um vislumbre cada vez mais material de ditadura. 

Não vamos muito longe, não, nem usemos pessoas de larga expressão, tentemos imaginar Dino julgando um processo de censura a um jornal com uma editoria mais à direita. Os senhores realmente conseguem imaginar esse ministro com independência psicológica, política e jurídica para bem julgar tal caso, sabendo tudo o que já sabemos sobre suas posições políticas e éticas nesse assunto? É muito mais fácil os senhores me verem como bailarina do Bolshoi, do alto de meus 110 quilos. Mas, e aí, tolo ou cínico? Você decide!