O Labirinto do Minotauro na cidade grande: população supera poder público para ter árvores em seu caminho

Não é incomum encontrar pessoas que plantem árvores e arbustos, façam hortas, composteiras e apiários em áreas públicas, sejam canteiros em ruas, calçadas, praças ou até mesmo áreas livres, cujo projeto e manutenção são negligenciados pelas prefeituras brasileiras. A transição de uma vida rural para um ambiente urbano traz consigo uma conexão profunda com a natureza e uma prática ancestral de plantio. Muitos indivíduos que migraram das áreas rurais para as urbanas ainda têm na memória lembranças do cultivo de plantas e mantêm, além de um vínculo especial, o conhecimento e as habilidades adquiridas em suas origens ou de seus antepassados.

A prática pode ter sido impulsionada por diversos motivos, que variam entre a vontade de recriar um pedacinho do ambiente rural do qual vieram — buscando uma conexão com suas raízes —, a sensação de calma e equilíbrio que a natureza pode proporcionar — uma forma de conectar-se com o ciclo da vida e o universo —, a vontade de cultivar alimentos frescos e saudáveis para suas famílias ou, mais recentemente, a necessidade de contribuir para a melhoria do meio ambiente, buscando, por suas ações ambientais, colaborar na redução da emissão dos gases de efeito estufa (GEE) para mitigar as consequências nefastas que as mudanças de temperatura vêm causando em todo o mundo. 

É importante destacar que ações de plantio direto, manutenção com regas diárias e zeladoria voluntária em áreas públicas, realizadas por cidadãos comuns, como eu e você, vêm ocorrendo de forma cada vez mais frequente nas cidades. Cansados de aguardar ações municipais com resultados eficazes para o desenvolvimento de qualidade ambiental local, moradores se reúnem para mudar a inércia e, quem sabe, incentivar a prefeitura e demais secretarias responsáveis por ações concretas a partir de suas práticas. Exemplos não faltam. Cassia Fellet, ex-presidente da associação AMAPPH (Moradores e Amigos do Pacaembu, Perdizes e Higienópolis), no início dos anos 2000, fez um trabalho pioneiro em parceria com a promotora Mabel Tucunduva (Promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público) e da querida e saudosa professora Maria Ruth Amaral Sampaio (da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo).

À época, a Secretaria do Verde e Meio Ambiente (SVMA) cadastrou e registrou a localização precisa de cada árvore utilizando GPS, com o objetivo de facilitar identificação e monitoramento das árvores existentes na Avenida Angélica, Barra Funda, Santa Cecília e Consolação. Relatórios com informações sobre as árvores, incluindo suspeitas de doenças, foram entregues à secretaria. Aparentemente, a ação da prefeitura parou por aí. Pelas mãos da população, foram plantadas, apenas na Avenida Angélica, cerca de 80 árvores doadas pelo Citibank que permanecem, ainda hoje, firmes e fortes. Se a cada 20 anos uma árvore adulta é capaz de sequestrar 1 tonelada de carbono, é possível afirmar que, até o presente momento, a ação do início do século XXI neutralizou as emissões dos gases de efeito estufa (GEE) produzidos por cerca de 12 pessoas, considerando a emissão média de 7 toneladas de GEE por indivíduo. É muita coisa.

Passadas mais de duas décadas, venho acompanhando a saga de um grupo comunitário de “plantadores urbanos” conhecido como coletivo Corredor Ecológico Butantã. Persistentemente, criaram o logo da campanha e estamparam camisetas com o intuito de sensibilizar os diversos órgãos municipais sobre a importância de sua ação ambiental, buscando apoio público para colocar em prática um serviço ambiental urbano. “Queremos criar uma faixa contínua de habitat natural com 144 árvores nativas nas calçadas para conectar pracinhas e áreas livres verdes públicas e criar caminhos para que insetos polinizadores, aves e demais animaizinhos urbanos possam movimentar-se, dispersar sementes, ter abrigo e alimento. Isso é pedir demais para a prefeitura?”, questiona o Sr. Élio Jovart Bueno de Camargo, titular dos Conselhos Regionais de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz (Cades Butantã). E acrescenta: “Quando plantamos uma rede de árvores em áreas urbanas, estabelecemos uma espécie de conexão verde. Além de prestar um serviço ambiental importantíssimo, traz satisfação estética, social e promove, inclusive, a saúde mental e física dos moradores. Os técnicos da prefeitura apresentam apenas os empecilhos. Uma hora é a rede de gás, na outra são as guias rebaixadas… E a prefeitura nunca envia as mudas prometidas. Com ou sem a ajuda deles, nós vamos conseguir. Já fizemos o levantamento com os moradores. Batemos de porta em porta, e eles não só ficaram maravilhados com a ideia como também decidiram adotar as árvores, cuidando-as. Técnicos da Comgás vieram e não só orientaram como deve ser feito o plantio como também disseram que poderiam nos ajudar. Cadê o problema então?”

Difícil não citar o mito do Labirinto do Minotauro como metáfora para ilustrar os desafios enfrentados pela população ao solicitar apoio ou serviços visando à superação de problemas que cidadãos são obrigados a conviver diuturnamente. A burocracia pública é permeada por corredores tortuosos repletos de guichês, regras, procedimentos e trâmites que dificultam o acesso e a compreensão por parte dos cidadãos que desejam garantir cidades mais inclusivas, sustentáveis e voltadas para o bem-estar coletivo por meio de ações coletivas. Assim como Teseu superou os obstáculos para derrotar o Minotauro, é preciso que a população vença a complexidade burocrática e construa caminhos mais acessíveis para que o poder público saia do labirinto burocrático em que está envolvido e participe, de maneira ativa e eficaz, da busca de soluções para a construção de uma cidade mais justa e sustentável.

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