O mundo mudou, mas você escutou?

Anna Andrade

“O mundo mudou”, desde que sou criança essa é uma das frases que mais escuto diariamente das mais distintas pessoas. Apesar de sempre ficar feliz de pensar “que ótimo”, afinal isso quer dizer que estamos em constante evolução, é impossível não pensar sobre o que isso realmente significa nas últimas décadas e como as mudanças foram impulsionadas em termos sociais, culturais e tecnológicos com uma velocidade nunca vista antes.

O mundo está dessincronizado, e não é para menos, com tantos acontecimentos simultâneos e as informações chegando cada vez mais rápido das mais diversas fontes, realmente fica difícil acompanhar. Mas, a maior parte dessas mudanças veio para ficar e quem não conseguir estar em dia com elas, acabará fatalmente ficando para trás.

A sociedade não se tornou mais complexa e diversa do que era há séculos, apenas passamos a enxergar a pluralidade dos seres humanos e pessoas que antes tinham que se esconder por trás de máscaras sociais ou serem párias da sociedade, passaram a ter uma voz e exigir seus merecidos espaços de maneira igualitária que fuja dos padrões impostos há gerações e gerações.

Dessa maneira, precisamos entender que a forma de criar produtos, de nos comunicarmos com nosso público, de determinarmos nossa audiência, de desenhar campanhas também passa a ser algo que envolve uma diversidade e pluralidade de pessoas, de experiências de vida, de contexto social.

Onde entram os dados?

Os dados são uma peça-chave para essa mudança de mentalidade, eles conseguem nos fornecer um cruzamento de informações e insights valiosos que uma equipe com poucas pessoas jamais conseguiria imaginar, já que é humanamente impossível reunir uma equipe com todos os estilos de pessoas existentes no planeta. Importante ressaltar que o uso de dados por si só não faz verão e que sem um time diverso e aberto a enxergar essas diversidades, de nada adianta coletar, armazenar e analisar seus dados, pois para que insights sejam valiosos e sejam levados de maneira correta para a vida real, são necessárias pessoas que os enxerguem dessa maneira.

Não é de hoje que clientes nos fornecem informações constantemente e das mais variadas formas, o meio pode até ter mudado, mas a mensagem é a mesma! O que acontece é que hoje com a enormidade de ferramentas existentes para ajudar a coletar e unificar todos esses feedbacks em um mesmo lugar, você consegue tomar decisões muito mais assertivas, considerando fatos que verdadeiramente afetam a maneira como seus clientes enxergam sua marca.

É hora de virar a chave!

Por décadas as marcas de cerveja abusaram da imagem de mulheres seminuas que apenas estavam ali para servir a bebida (e ao imaginário masculino) como coadjuvantes. Enquanto isso, as mulheres da vida real compravam cerveja em mercados, bares, restaurantes, mas os executivos e criativos baseavam suas estratégias apenas em suas próprias certezas, até que cada vez mais pesquisas começaram a apontar o fato de que o consumo de cerveja pelo público feminino é extremamente alto, e claro, algumas marcas cervejeiras não tardaram a começar a fazer campanhas completamente focadas para esse público ou que ao menos as incluíssem como co-protagonistas da narrativa, o que seguramente garantiu rapidamente um espaço para essas marcas em nossas geladeiras.

Trabalhei por anos em uma empresa britânica de cosméticos que conta com uma invejável habilidade de ouvir o que seus clientes estão lhe pedindo, quando isso ocorria da maneira mais analógica possível, por meio de cartas de papel. Inúmeros produtos já foram criados graças aos pedidos de seus clientes, assim como reformulações, descontinuações de linhas, campanhas, atitudes sócio-ambientais, etc. Um dia, um cliente reclamou de uma etiqueta de produto para barba que dizia “nenhuma princesa gostava de ser pinicada pela barba mal feita de seu príncipe”, só que ele e seu namorado compartilhavam o mesmo produto, não existia nenhuma princesa na equação. Na sequência, todos os mercados receberam um comunicado com um novo texto para os rótulos que não propagasse imposições heteronormativas, atitude compatível a uma marca que sempre se posicionou como aliada da comunidade LGBTQIA+.

É necessário compreender que algumas ações podem ser tomadas ao perceber um percentual alto de pessoas em uma mesma situação, e outras desde que uma pessoa demonstre desconforto, já são o suficiente para ver uma bandeira vermelha e reorganizar a rota.

Hoje, as ferramentas são as mais extensas possíveis e todas com seus diferentes olhares e funcionalidades, mas que, no final do dia, se referem a apenas uma coisa: dados e sua habilidade de fazer uma escuta ativa ao seu cliente. Do social listening das mídias sociais aos CRMs, DMPs, CDPs, Programas de Fidelidade e tantos outros, conectar e compreender os dados gerados pelas interações com os clientes e usuários deveria ter a habilidade de deixar as melhores pesquisas etnográficas com inveja, mas raras são as pessoas que enxergam histórias e insights para além de números.

Estamos na Era da Informação, e para a indústria do marketing e da publicidade essa é uma notícia espetacular, pois nos dá oportunidade de explorar novos caminhos, encontrar novos consumidores, evangelizar clientes, criar novos produtos e tantas outras coisas, mas também nos abre mais espaços para cancelamentos, críticas, exposições negativas e muito mais. Então, mais do que nunca, é hora de sair das salas de reunião e realmente colocar a voz de seu cliente no centro de tudo que é pensado em sua empresa.

Sobre a coluna

Quando uma marca abraça a diversidade, ela se conecta com públicos geralmente inviabilizados pela publicidade tradicional. Mas como as empresas podem tornar esse desejo uma realidade? Essa discussão ganha vida na coluna “O Plural das Marcas”, que estreia hoje no IT Forum e tratará de temas que abordam a importância da diversidade e inclusão na indústria da publicidade e propaganda e mostrará caminhos para que as marcas possam adequar suas campanhas e ações à demanda da sociedade por maior representatividade.