O que faz você sentir que pertence a uma cidade?

É possível sentir-se conectado emocional, cultural e socialmente com o ambiente urbano e a comunidade ao seu redor? A noção de pertencimento vai além da mera presença física em um determinado local. Envolve o compartilhamento de interesses comuns, valores e laços sociais que, pela interação regular, constante, forma um conjunto coeso e interdependente. Para alguns, pertencer a uma cidade pode significar ter raízes profundas na comunidade, com várias gerações de familiares que viveram e contribuíram para o desenvolvimento do local. Para outros, pode ser a sensação de ser aceito e valorizado por seus pares, encontrar apoio em grupos sociais ou culturais específicos dentro da cidade. 

Mas como se sentem indivíduos e grupos cujas oportunidades de engajamento cívico e participação em atividades comunitárias são limitadas? A exclusão e marginalização de minorias se manifestam na negação de acesso a serviços e recursos essenciais, bem como na falta de representatividade em decisões que moldam suas cidades gerando um sentimento de desvinculação e impotência, minando a confiança na capacidade de contribuir para a vida urbana. A falta de representatividade e respeito também alimenta a frustração, evidenciando a necessidade de promover uma participação mais inclusiva e empoderada na esfera pública.

Segundo o geógrafo Milton Santos, a cidade transcende suas dimensões físicas ao se tornar a expressão tangível das interações sociais, configurando o que ele denominou de “quinta dimensão do espaço”. Essa dimensão vai além da simples geografia urbana, abraçando as experiências cotidianas das pessoas, suas interações sociais e culturais, bem como os significados simbólicos atribuídos aos diferentes lugares e objetos dentro do ambiente urbano. Nesse contexto, a cidade se revela como um espaço social, vivo, moldado pela complexa teia de relações humanas que a permeiam. Cidade é sociedade, relações e interações entre pessoas.

Recentemente, tive contato com o Urban Belonging Project, iniciativa lançada em 2021 com o objetivo de compreender o que faz as pessoas se sentirem parte de uma cidade, em Copenhague, na Dinamarca. Financiado pelo Doing Data Together e pelo Innovation Fund Denmark, o projeto adotou uma abordagem inovadora e inclusiva, desafiando o paradigma tradicional do planejamento urbano liderado por técnicos e agentes públicos. Ao invés disso, direcionou sua atenção para os cidadãos comuns, dando voz às suas experiências muitas vezes negligenciadas. A sensação de pertencimento é essencial para a coesão social. Quando as minorias são excluídas, seja por discriminação, preconceito ou falta de representatividade, isso não apenas mina seu senso de pertencimento, mas também enfraquece o tecido social da comunidade. É fundamental reconhecer e valorizar a diversidade para criar um ambiente onde todos se sintam incluídos e aceitos, promovendo um sentimento de pertencimento genuíno e fortalecendo os laços comunitários.

O projeto envolveu diversos grupos da sociedade, como pessoas LGBTQIAP+, sem-tetos, minorias étnicas, com deficiências físicas e vulnerabilidade mental, migrantes e refugiados, que frequentemente são marginalizados e excluídos em diferentes aspectos da vida social, econômica, política e cultural. Por meio de um aplicativo de fotografia e Sistema de Informação Geográfica participativo (SIG), esses grupos registraram, durante dez dias, os lugares que influenciam sua sensação de pertencimento na cidade. Com base nessa ampla coleta de dados, foram realizados workshops, culminando em uma exposição pública de fotos, mapas e visualizações em 2022. Os resultados foram integrados em um Datascape, oferecendo uma representação visual dos insights obtidos. Vale a visita no site. Os resultados surpreendem.

A investigação central do projeto — o que faz você sentir que pertence a uma cidade? — orienta a obtenção de informações, que é realizada por meio de narrativas, fotografias e mapas elaborados pelos próprios envolvidos. Essa mudança de perspectiva coloca a experiência individual no centro do processo de planejamento urbano, reconhecendo a riqueza da diversidade e as nuances presentes na vida das pessoas, promovendo um sentimento de pertencimento e empoderamento. As histórias e experiências compartilhadas pelos participantes revelaram as diferentes formas como as pessoas vivenciam a cidade. Espaços físicos podem ser imbuídos de significado emocional, proporcionando sentimentos de pertencimento ou alienação. Ao destacar as experiências positivas e negativas, o projeto desafiou noções convencionais de planejamento e projeto do espaço urbano, abrindo caminho para uma reflexão mais profunda sobre inclusão, acessibilidade, justiça espacial e pertencimento.

É possível afirmar que o “Urban Belonging Project” vai além da mera documentação das experiências da comunidade. Ao capacitar os participantes a interpretar seus dados e compartilhar suas narrativas, colocou o poder analítico nas mãos daqueles que muitas vezes são silenciados, excluídos do processo decisório. Essa transformação de dados em ferramentas para a mudança empodera comunidades e permite a criação de políticas públicas mais justas, inclusivas e sustentáveis, que consideram a dimensão política cidadã, as necessidades específicas de diferentes grupos sociais e o sentimento de pertencimento. O projeto se propõe a transformar insights em princípios de design urbano e cenários futuros que podem ser utilizados pelos profissionais urbanistas para a busca de uma cidade socialmente sustentável. 

A cidade, como nos é apresentada pelo projeto, é um mosaico de experiências, perspectivas, identidades e lugares de pertencimento. Essa visão desafia nossa compreensão convencional de espaços públicos e nos convida a repensar a forma como concebemos e habitamos nossas comunidades. O foco na participação política, na construção de uma cidadania ativa e no sentimento de pertencimento é essencial para a criação de cidades verdadeiramente sustentáveis, acolhedoras e vibrantes para todos. Ao integrar a abordagem participativa e inclusiva do “Urban Belonging Project” ao planejamento urbano, podemos construir cidades que reconheçam e valorizem a diversidade, promovam a inclusão e o pertencimento. Essa mudança de paradigma pode levar à construção de lugares em que cada indivíduo se sinta seguro, acolhido, livre para exercer seus direitos e potencialidades, com voz ativa na esfera pública e um forte sentimento de pertencimento à comunidade.

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