O que o prefeito da sua cidade anda fazendo pela qualidade do ar que você respira?

Pela janela, observo a formação de uma capa de cor cinza amarronzada que encobre o bairro onde moro. Ainda não me acostumei com o fato de respirar esta sujeira toda. Ao pegar o ônibus, leio os tótens luminosos instalados há décadas pela prefeitura, com mensagens sobre a condição do condição ao longo do dia: boa, média ou ruim. Faço o quê com esta informação? Deixo de respirar? Vou trabalhar munida de um escafandro à tiracolo para eventual necessidade? Quando criança, aprendi que São Paulo era a capital da garoa. Indo para a escola quase de madrugada, eu era capaz de sentir a umidade nos ossos. Capelo úmido, chegava com o cabelo molhado na sala de aula. Décadas depois, entendo que o clima na cidade encontra-se dividido em períodos propensos às estiagens longas intercalados por estações chuvosas com trombas d’água e vendavais que mais parecem ciclones urbanos. Das características do subtropical úmido, ficaram as recordações da sala de aula. O que me chama a atenção a partir da janela aparenta uma névoa de partículas de constituição indefinida. Uma mistura de poluentes particulados e químicos.

Passando os olhos pelos jornais, fiquei sabendo que, recentemente, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) responsável pela jurisdição sobre matérias de interpretação da legislação europeia, condenou a Espanha pela violação sistemática de uma norma comunitária adotada pelos estados membro que trata da qualidade do ar em Madri e na área Metropolitana de Barcelona. Na condenação, o TJUE considerou que mais de 15% dos 7,5 milhões de cidadãos espanhóis estavam sendo expostos desde 2010, ao dióxido de nitrogênio (NO₂ – substância tóxica à saúde humana proveniente da combustão de motores à diesel e centrais térmicas) em limites anuais superiores aos estabelecidos pela EU. Embora a sentença não tivesse caráter executório, o país foi alertado que, se as infrações persistissem, a Comissão Europeia pretendia pedir nova autuação, como ocorreu no passado, quando viu-se obrigada a pagar 12 milhões de euros por não coletar e tratar a água urbana em 17 municípios. Caro leitor, já pensou se governos fossem multados por deixar cerca de 35 milhões de pessoas sem água tratada e cerca de 100 milhões sem acesso à coleta de esgoto?

Animada com a perspectiva de encontrar instrumentos para a aplicação de sanções internacionais frente à inação dos gestores públicos brasileiros quanto à proteção da saúde da população prejudicada pelos malefícios causados das impurezas resultantes das atividades econômicas de diversos setores de produção, procurei relatórios junto ao Sistema de Informação Ambiental do Mercosul (SIAM) com o objetivo de encontrar dados sobre as ações, produtos e resultados das atividades do SGT Nº 6, Meio Ambiente quanto às questões relacionadas à qualidade atmosférica dos países membros. Tenho ciência das diferentes diretrizes que regem a atuação dos dois blocos econômicos, mas, ainda assim, buscava encontrar atualização nos conceitos que envolvem aspectos relacionados à participação das entidades na produção de ações aplicadas às questões de poluição do ar.

Por que não há monitoramento adequado e a aplicação de sanções para governadores e prefeitos que não aplicam as legislação existente não ocorre? Embora o arcabouço legal que estrutura um sistema de gestão da qualidade do ar no Brasil exista, faz-se necessária, à exemplo do que ocorre na União Europeia, mais segurança jurídica com previsão de recursos seu funcionamento, um cronograma claro e mandatório para a implementação das próximas fases dos padrões nacionais de qualidade do ar e incentivos para a implementação das ferramentas nele previstas aponta o texto de referência que integra o projeto Ação Climática Nacional dos Programas de Cidades e Clima da organização World Resources Institute – WRI Brasil.

Na cidade de São Paulo e todas as demais que implantaram planos diretores e regulações urbanas que incentivam a construção civil e não aplicam as regulações para protegem a população residente dos malefícios causados pela poluição proveniente da construção civil, a instituição de monitoramento móvel em tempo real por setor urbano, como realizado pelo U.S. Environmental Protection Agency a partir dos padrões da National Ambient Air Quality Standards (NAAQS). Ao definir os indicadores nacionais dos níveis de poluição atmosférica (por tipo de emissão) permitidos, ficam definidas também as ações dos governos locais que são obrigados não apenas a emitir avisos, mas também, a definir ações práticas de correção e aplicação de sansões das fontes emissora. Inseridos em mapas digitais e atualizados sistematicamente, os dados garantem a transparência das informações para o público. Se a população é prejudicada em sua saúde (doenças respiratórias, doenças cardiovasculares e câncer) ou impedida de realizar suas atividades diárias, sanções contra os gestores públicos requeridas pelos cidadãos.

As prefeituras, por sua vez, devem estabelecer normas e regulamentações mais rígidas para a construção civil, garantindo que as empresas de construção civil estejam operando de maneira ambientalmente responsável por meio da exigência de certificações ambientais para projetos de construção, a adoção de diretrizes específicas para redução de emissões de poluentes, uso de equipamentos mais limpos e eficientes, gerenciamento dos resíduos de construção além da redução de poeira gerada durante o processo de construção/demolição e a realização de fiscalizações para garantir o cumprimento dessas regulamentações. Outro aspecto a ser considerado, relaciona-se à conscientização dos consumidores que, ao escolher uma construtora, pesquisem a reputação da empresa em relação às práticas ambientais e dar preferência às empresas que se preocupam com a redução da poluição atmosférica. Bem mais do que conteúdos relacionados ao meio ambiente, a poluição atmosférica percorre várias áreas do conhecimento relacionadas à saúde pública, produção econômica, mobilidade, cultura, sociedade dentre outros.

Falta de vontade política, governança e incapacidade de nossos gestores e políticos eleitos para tratar da saúde da população, são alguns dos fatores que dificultam a implantação de políticas públicas direcionadas à saúde populacional. Na cidade onde moro, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) é responsável por monitorar a qualidade do ar por meio de um conjunto de estações fixas e equipamentos portáteis que alimentam as informações dos tótens luminosos que citei no início da coluna. Eles me informam os níveis de poluentes atmosféricos, incluindo partículas (PM10 e PM2,5), óxidos de nitrogênio (NOx), dióxido de enxofre (SO2) e ozônio (O3). Com estas preciosas informações, continua meu dilema: devo continuar respirando, adoecendo e morrendo lentamente ou deixo de respirar e morro de uma vez por todas?