O que Zanin pensa sobre o juiz de garantias

Cristiano Zanin, que assumiu a cadeira no Supremo ontem, terá sua estreia no julgamento da próxima quarta-feira sobre a implementação do juiz das garantias, instituído por lei em 2019 e depois suspenso liminarmente por Luiz Fux. O ministro já está com seu voto pronto, segundo revelou ontem à noite no Jornal Jovem Pan a repórter Iasmin Costa. Se mantiver coerência na posição expressada quando advogado, Zanin deve votar favorável à implementação do dispositivo.

A polêmica em torno do juiz das garantias compreende visões não excludentes. Explico: os favoráveis defendem que o modelo tem o mérito de assegurar a imparcialidade do julgador da ação penal, que não estaria contaminado pela fase do inquérito, quando outro juiz ficaria responsável por autorizar diligências, determinar prisões etc. Muitos dos que são contra, porém, alegam dificuldade de implementação, considerando a ausência de juízes e recursos financeiros suficientes.

Em seu voto, Fux afirmou que, sem estudos aprofundados, não seria possível impor ao Judiciário uma lei com tantas implicações no sistema criminal — a Lei 13.964 alterou 33 artigos do CPP, dos quais 10 estão sendo questionados em quatro ADIs. Segundo ele, é preciso considerar que 65,6% das comarcas do país têm apenas uma vara, o que representa um desafio à aplicação da norma.

O PGR, Augusto Aras, disse que a designação de juízes para atuar em áreas diversas do processo penal dá mais garantias ao investigado, mas algumas prerrogativas atribuídas ao juiz das garantias na lei seriam incompatíveis com o processo acusatório brasileiro, como a obrigatoriedade de ser informado sobre a instalação de qualquer investigação criminal, assim como a atribuição para requisitar informações sobre o andamento das investigações e determinar o trancamento de inquérito policial.

Em artigo publicado há dois anos, Zanin usou o conceito de tunnel vision (visão de túnel), de Keith Findley, da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin, para defender a alteração legislativa. “Conforme ensina o professor Keith Findley, o fenômeno do tunnel vision tem sido entendido como aquela tendência humana natural, produzida devido a certos vieses cognitivos, que conduzem os atores do sistema de Justiça Criminal a focar em um suspeito e, em seguida, selecionar, filtrar ou superestimar as provas disponíveis contra ele, ao mesmo tempo em que ignoram ou suprimem provas contrárias ou outras linhas de pesquisa.”

Segundo Zanin, trata-se de fenômeno que “faz com que os agentes se concentrem em uma determinada conclusão ou premissa particular e, então, ao olhar para as provas do caso, agarram-se a essa premissa, fazendo com que as demais provas pareçam concordantes com ela”. “O tunnel vision ocorre toda vez que os diferentes atores do sistema desenvolvem uma crença ou suspeita inicial, agarram-se a ela e, então, interpretam toda a informação posterior de maneira tal que seja consistente ou confirme a crença inicial”, escreveu, citando Mark Godsey, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Cincinnati.

O argumento acadêmico usado por Zanin faz sentido, mas o então advogado não chegou a abordar o problema central levantado por Fux sobre como garantir sua implementação, nem ponderou sobre aspectos contraditórios da lei observados por Aras. Na prática, trata-se de uma boa ideia com severas restrições de aplicação — para as quais ninguém até agora ofereceu solução. Na próxima quarta-feira, vamos saber se o ministro apenas repisará seus argumentos anteriores ou se conseguirá avançar na proposta de uma solução para o tema.