Os desafios de Mark Rutte

Após 13 anos como chefe de governo dos Países Baixos, o holandês Mark Rutte assumiu a secretaria-geral da Otan esta semana. O experiente político de centro-direita ganhou notoriedade ao conduzir de maneira estável a economia de seu país ao mesmo tempo que transformava a Holanda em um dos importantes porta-vozes da diplomacia europeia perante as demais nações do mundo. O cenário, todavia, se mostra muito mais desafiador nesse momento, após ele se tornar o principal funcionário civil da maior aliança militar do planeta.
Durante os últimos 20 anos o papel do secretário-geral do bloco era mais recluso, de caráter mais passivo, considerando o momento de boas relações entre Europa e Estados Unidos com os russos e demais potências militares do oriente. Em fevereiro de 2022 tudo mudou com a invasão total da Ucrânia e o início da guerra mais destrutiva dentro do continente europeu desde a Segunda Guerra Mundial. A análise que segue não diz respeito ao que é justo ou ético, mas leva em consideração a posição financeira, política e pragmática das nações envolvidas.
O antecessor de Rutte, o norueguês Jens Stoltenberg conseguiu ser uma voz de consenso entre os 32 países membros, construindo uma aliança sólida, apesar das ameaças de diminuição de financiamento americano durante o governo Trump, mas se viu na posição mais delicada entre todos os secretários-gerais quando a Rússia invadiu as fronteiras ucranianas. As promessas feitas por vários líderes europeus aos mandatários em Kiev, de que a ajuda ao povo da Ucrânia seria total em caso de uma guerra, fez com que a cargo, outrora simbólio, se torna-se um dos mais importantes no cenário militar da atualidade.
Após 30 meses de guerra intensa no leste europeu, vemos que a Otan através de seus países membros, é o único fio sustentador da causa ucraniana, além da resiliência dos próprios ucranianos em continuar lutando. Até o presente momento foram dezenas de bilhões de dólares cedidos ao país europeu em ajuda financeira, humanitária e em equipamentos militares dos mais modernos.
Toda essa ajuda a um exército muito mais modesto que o da Federação Russa, garantiu a permanência da capital Kiev nas mãos ucranianas e impediu o avanço galopante dos russos em todas as regiões do leste do país, mas se mostrou insuficiente para possibilitar a reconquista de territórios anexados, principalmente a península da Crimeia. Hoje vemos que a conquista russa no Oblast de Donetsk continua de forma lenta, mas gradual, enquanto as vozes ocidentais se questionam internamente sobre até quando esse apoio bilionário aos ucranianos poderá ocorrer.
Seja na Alemanha, seja na França ou no Reino Unido, os últimos meses foram de reavaliação de qual seria o limite de tempo e de dinheiro que deveriam alcançar para repensar a posição de apoio total aos ucranianos, como foi até o presente momento. Nesse sentido, uma figura tão conhecida nos palácios de governo europeus, como Mark Rutte, se torna fundamental para cumprir aquilo prometido a Kiev durante os últimos 10 anos e convencer seus antigos colegas de profissão a manter o que foi concedido à Ucrânia até agora.
Outro grande desafio do ex-premiê holandês será lidar com a sucessão presidencial norte-americana, já que a possível volta do republicano Donald Trump, significaria, uma mudança brusca de direção do bloco e a permanência de um governo democrata, no caso de vitória de Kamala Harris, representaria a fadiga de continuar liderando uma aliança em estado de tensão constante.
Seja qual for o resultado no próximo dia 5 de novembro, Mark Rutte, deverá utilizar a década de experiência dentro do parlamento holandês para construir pontes mais uma vez e garantir que a Otan sobreviva tanto a uma possível crise institucional, quanto a um embate mais sério com os russos. Nesse momento de início de mandato onde a euforia por novos projetos é maior que a sobriedade em encarar a realidade, Rutte, deverá se concentrar na grande lista ainda não concluída de coisas a fazer se quiser que a Organização perdure no século XXI.