Os novos ministros de Lula e os impactos para o agro

Os ministros nomeados pelo presidente Lula fizeram declarações variadas já nas primeiras semanas de governo. No nosso foco estão as falas dos ministros da Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Meio Ambiente, Povos Indígenas e Economia. Entre os temas recorrentes, a questão ambiental, o crédito rural e o uso de agroquímicos. Na questão ambiental, observamos várias menções com o objetivo de inibir o desmatamento, recuperar áreas de pastagem degradadas e oferecer juros mais baixos para produtores com comprovadas práticas sociais e ambientais. A consultoria BMJ espera que haja avanço nas propostas que darão mais rigidez ao licenciamento ambiental, e isso poderá acontecer no âmbito sublegal, ou seja, por meio de mudanças de regulamentos, e não via leis. O discurso ambiental pode abrir portas na área internacional, facilitando especialmente a concretização de acordos comerciais, como o Mercosul-União Europeia, que sofreu barreiras de líderes europeus na gestão Bolsonaro.

Na área de crédito rural, há expectativas de mudanças para atender aos produtores familiares. Ainda faltam informações sobre quais transformações estruturais poderiam ser feitas já nos 100 primeiros dias para avançar neste sentido. No caso da pauta regulatória, a utilização de defensivos agrícolas está no centro do debate e foi abordada por diferentes ministros, desde o da Agricultura até a dos Povos Originários. Segundo o CEO da BMJ, Wagner Parente, há um debate sobre barreiras para produtos mais avançados, o que pode significar atraso para aprovação de novas moléculas e modernização de pesticidas utilizados na agricultura tropical. Concordo com vários dos pontos apresentados por Parente, especialmente os desafios ligados à modernização de agroquímicos e à possibilidade de limitações para o licenciamento ambiental. Além disso, também espero que haja efeitos positivos da adoção do discurso ambiental no mercado externo com possibilidade de concretização de mais acordos.

Assista à a entrevista completa no programa Hora H do Agro

Veja abaixo trecho da nossa entrevista com o CEO da BMJ, Wagner Parente:

Diante das primeiras sinalizações dadas pelos ministros de Lula, o que muda para o agro?
Eu tenho a impressão de que são pelo menos três aspectos comuns nas falas dos novos ministros. A primeira é em relação à imagem internacional. Isso está muito alinhado com o que o [ministro da Agricultura, Carlos] Fávaro trouxe e com o que a Marina [Silva, ministra do Meio Ambiente] trouxe, principalmente a questão do desmatamento, que pode ter impactos comerciais. O talvez mais premente citado seja a retomada da internalização acordo Mercosul e União Europeia, que foi discutido por mais de 20 anos e finalmente assinado no primeiro ano do governo Bolsonaro, mas até hoje não foi internalizado por causa da relação complicada de Bolsonaro com os principais líderes da União Europeia e do lobby agrícola interno europeu. Então, talvez a gente consiga avançar nessa agenda internacional, não só com a UE mas também com outros acordos que talvez possam ser de interesse para agro, essa é a parte boa que a gente pode se atentar, a abertura de novas negociações, com mercados que interessam para o agro, como a negociação de um acordo com a Coreia do Sul.

Em relação à parte que devemos ter mais cuidado talvez seja a questão regulatória em relação à utilização de defensivos agrícolas. A gente sabe o quanto é necessário a utilização de defensivos no clima tropical como o nosso, mas talvez ainda haja algum resquício de preconceito, de ideia atrasada em relação à utilização de agroquímicos mais avançados do que os que usávamos no passado. Essa renovação precisa ser facilitada, não prejudicada. Talvez, sentando na cadeira, o novo governo entenda isso, e ter alguém que conhece do agro, como Carlos Fávaro, facilita nesse diálogo. O terceiro ponto talvez seja de estrutura e ligado ao financiamento do agronegócio. Isso foi trazido pelo ministro [do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo] Teixeira sobre crédito rural para pequeno produtor, não é uma má notícia de que a agricultura familiar não se sustenta sem crédito, mas os outros produtores também não vão conseguir viver sem essa estrutura de financiamento criada ao longo dos anos. É importante que seja preservado, ainda que num cenário conturbado no cenário fiscal. Esses três aspectos foram trazidos no início do governo e temos que observar com cautela como eles vão caminhar em situações mais específicas.

O ministro Carlos Fávaro, em sua posse, trouxe também a importância da Embrapa. No passado, a Embrapa foi utilizada como forma de aproximação diplomática, foi utilizada em acordos de cooperação na África, com Angola, Moçambique e outros países com os quais o Brasil tinha interesse em aumentar a diplomacia. Em um contexto específico no primeiro mandato de Lula, para o assento no Conselho de Segurança [da ONU], mas isso talvez possa voltar a ser utilizado, inclusive com a Venezuela, que no passado tinha um acordo de cooperação com a Embrapa. A ver se esse pragmatismo será utilizado na expertise na empresa. Outra coisa é a estrutura do ministério, essa ida da Conab para dentro do ministério controlado pelo Teixeira é uma clara influência da Gleisi Hoffmann. O presidente da Conab é o Edegar Preto, o que mostra uma influência grande do PT e da Gleisi mais propriamente na definição desses nomes. A gente tinha no passado uma perspectiva de que o Neri Geller pudesse assumir a Conab em uma gestão compartilhada de Fávaro com Teixeira. Não foi isso que aconteceu. Por aí, temos alguns indicativos de que podemos ter problema e perder oportunidades.

Sônia Guajajara, ministra dos Povos Originários, já declarou que pretende expandir terras indígenas com a demarcação de 13 áreas nos primeiros cem dias de governo. Qual sua avaliação?
A definição de área indica colocar uma série de restrição à produção, e isso precisa ser avaliado com bastante cautela. É fato que o maior problema da produção brasileira não é a área, mas precisamos saber onde serão essas áreas demarcadas. Se observar o mapa da produção agrícola brasileira e onde serão essas 13 áreas demarcadas, pode haver impacto. A ver o quanto isso vai avançar em área de soja e o impacto disso, por enquanto não temos essa informação. Outro fato que ela trouxe sobre utilização de agroquímicos, talvez ainda haja alguma confusão sobre o que é a utilização de agroquímicos que são mais avançados. Ouvimos o debate público colocando como positivo a criação de barreiras de produtos mais avançados, deveria ser o contrário. Na medida em que a ciência avança, você vai criando defensivos menos nocivos ao meio ambiente e ao ser humano, então deveria haver uma visão um pouco diferente. E talvez, com esses novos ministros e a Sônia Guajajara entendendo esses aspectos, o papel do setor privado será importante para que essas confusões não prejudiquem a tomada de decisão do governo.

Quais são as pautas positivas e mais preocupantes para esses cem dias de governo?
Acredito que a gestão da Conab é algo para olharmos com cautela, na minha opinião seria melhor tê-la mantido no Ministério da Agricultura, sob a gestão do Carlos Fávaro, mas tudo bem, a sinalização de que não haverá regulação de preço é bastante salutar. Eu acho que, de saída, a gente precisa observar com cautela essa questão regulatória, talvez a questão principal seja a dos defensivos, mas tem muita coisa acontecendo no Congresso que não é de decisão direta do governo federal, mas pode ter influência. Um exemplo é o autocontrole, que já vimos acontecer. A demarcação das terras indígenas, que está no Supremo Tribunal Federal, também não é algo diretamente impactado pelo governo Lula, mas tem influência.

Você vê que há intenção do novo governo em mudar alguma lei ambiental?
As definições de Ibama que tivemos… O ex-deputado [Rodrigo] Agostinho deve assumir, é alguém ligado à pauta ambiental e conhece a legislação ambiental. Ele, inclusive, foi autor de algumas propostas para deixar mais rígido o licenciamento, podem impactar o âmbito sublegal, que não precisa de alterações legais, mas precisam de alterações de regulamento. Também nesse âmbito do governo federal, tornar a legislação mais rígida em relação ao licenciamento é algo que a gente deve esperar.

Você concorda que houve um desgaste de Lula com o setor ao ligar um “agro maldoso” com os atos de vandalismo em Brasília?
Concordo. Existe uma percepção no novo governo que o agro é um setor diverso. Como o tamanho do setor é imenso, existem vários segmentos, e esse maniqueísmo, separar o agro bom do mau, é uma tendência desse novo governo e um preconceito que precisa ser quebrado. Existiram, sim, vários produtores rurais que tiveram proximidade com o governo Bolsonaro, mas não são todos os apoiadores do Bolsonaro que financiaram atos ou que participaram da manifestação. Quem fizer qualquer ilegalidade vai ter que ser punido, seja produtor rural, produtor industrial, pequeno produtor e também se não for produtor. E talvez fazer esse link direto em uma fala seja precipitado, até porque as investigações começaram agora e isso vai ter que ser avaliado com o tempo.

Você vê o copo mais cheio ou vazio para o agro?
Do ponto de vista positivo, me parece que o governo tem noção da importância de fazer um agro forte do ponto de vista de exportação, até para gerar divisas internas para ter pujança na balança comercial, que afeta câmbio e indiretamente a inflação e juros. Acho que existe uma percepção de que o Brasil depende de um agro forte, independentemente do viés ideológico. É de se esperar um trabalho forte de abertura de mercado e melhoria de imagem. Mas, algumas medidas desses 15 dias de governo preocupam. Por exemplo, o governo Lula acabou com a área dentro do Itamaraty que cuidava do agronegócio. Por aí, é uma sinalização negativa, a estrutura foi criada no Bolsonaro, mas serviu para apoio à abertura de mercado. Na prática, espero que essa estrutura retirada do Itamaraty seja colocada na Apex [Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos] ou outro lugar para sustentar essa agenda internacional. A gente espera que os preconceitos diminuam com o tempo e tenhamos boa relação com esse governo. Não podemos partir do pressuposto de que vai ser tudo ruim, precisamos ter um pouco de boa vontade para uma boa relação com os todos os órgãos de governos criados.