Países tentam regulamentar ‘filtros de beleza’ nas redes


Aplicativos de retoques em fotos e vídeos que promovem uma aparência impecável também impõem conceitos de beleza que podem causar problemas de saúde mental em usuários de redes sociais. Alguns governos começam a intervir. A pressão estética das redes sociais não deixa de existir, por mais que os jovens saibam que as fotos passam por aplicativos de edição e filtros.
Reprodução/Pixabay
Todo mundo tem poros, espinhas ou impurezas na pele. Esses supostos defeitos são extremamente comuns. Menos nas mídias sociais, onde os influenciadores aparecem para os usuários com cabelos perfeitos, pele impecável e dentes brilhantes.
O mercado de filtros faciais está crescendo, e o que os aplicativos podem fazer tem se tornado cada vez mais sofisticado nos últimos anos. Tudo é possível: desde pequenas correções, como pele mais lisa e sobrancelhas mais grossas, até a alteração completa da estrutura facial.
Inteligência artificial para beleza artificial
O aplicativo FaceTune da empresa israelense Lightricks tem mais de 200 milhões de downloads, e concorrentes como YouCam Makeup, de Taiwan, e BeautyPlus, de Cingapura, somam mais de 100 milhões de downloads cada.
Há alguns anos, somente fotografias podiam ser aprimoradas. Hoje, é possível mudar a aparência de uma forma tão sofisticada e abrangente em vídeos que o processamento de imagens é quase imperceptível.
No início de março, dois novos filtros no TikTok causaram alvoroço. Com a ajuda da inteligência artificial, o filtro Teenage Look faz com que as pessoas pareçam mais jovens, e o Bold Glamour transforma o rosto de acordo com os padrões de beleza idealizados, com lábios maiores, olhos mais brilhantes, nariz mais fino e pele impecável.
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Com as versões anteriores desses filtros, as alterações eram reveladas pelas falhas que ocorriam quando as pessoas moviam a cabeça rapidamente ou acenavam com a mão na frente do rosto. Mas, aparentemente, os filtros mais novos são à prova de falhas.
Os filtros também impõem um ideal de beleza uniforme, no qual a pele negra, geralmente, é clareada, a pele branca parece mais rosada e os narizes proeminentes são estreitados.
“Definitivamente, esse apelo estético é problemático porque muitos estereótipos são condensados nos filtros”, afirma Katja Gunkel, professora de estudos culturais da Universidade Goethe, em Frankfurt, especializada em cultura digital e estética do consumidor.
Gunkel acrescenta que, embora a tecnologia nos filtros seja nova, os clichês sobre as várias funções que ela desempenha estão ultrapassados: “Há muitos filtros altamente problemáticos, disponíveis para todos e, é claro, há também uma enorme pressão pela conformidade para com esse processo”.
Depressão e dismorfia
Os aplicativos podem também levar os usuários a sérias consequências psicológicas. Conforme um estudo da organização não governamental britânica YMCA, dois terços dos jovens se sentem pressionados pelos padrões de beleza nas redes sociais. Outra pesquisa, feita pela organização juvenil Girlguiding, no Reino Unido, aponta que cerca de um terço de todas as meninas entre 11 e 21 anos não publicaria mais uma foto sem edição.
“É um jogo diabólico. Assim que aparecemos publicamente com filtros, recebemos feedbacks positivos através de curtidas. Nos sentimos aceitos [na sociedade], e a dopamina flui”, afirma a YouTuber alemã Silvi Carlsson, que atua contra os filtros de beleza em seus vídeos.
Mas o que acontece, Carlsson questiona, quando as pessoas, sem filtros, andam junto a seus semelhantes, revelando espinhas, manchas de pigmentação ou olheiras?
“Somos treinados pelas mídias sociais para apresentar um eu perfeito para o mundo exterior. Isso nos desestrutura”, argumenta.
Intervenção legislativa
Em resposta a esse tipo de comportamento, alguns países já adotaram medidas legislativas para regulamentar o uso de filtros. Na Noruega e em Israel, as fotos manipuladas devem ser rotuladas quando usadas para fins publicitários em redes sociais. Na França, um projeto de lei visa promulgar regulamentações semelhantes para fotos e vídeos, com influenciadores sujeitos a multas de até 300 mil euros (cerca de R$ 1,6 milhão) ou seis meses de prisão. Tais regulamentações também já estão sendo discutidas no Reino Unido.
Na Alemanha, até o momento, não há lei sobre o tema. No ano passado, Carlsson iniciou uma petição para mudar isso, e a Conferência de Ministros para a Igualdade de Gênero e Causas Femininas, presidida pela senadora do Partido Verde, Katharina Fegebank, também solicitou a classificação obrigatória de imagens retocadas em publicidade e nas redes sociais. Mas ainda não foi proposta uma legislação em nível federal.
Professora da Universidade Goethe, Katja Gunkel diz que seria a favor da regulamentação, mas faz uma distinção clara entre uso público e privado: “Estamos falando apenas do setor comercial aqui. Não seria possível usar [a legislação] para selfies na esfera privada. Como isso deve funcionar? Quem vai controlar isso? Eu chamaria isso de censura”.
Em vez disso, ela acrescenta, crianças e jovens precisam ser educados desde cedo para fortalecer suas habilidades em diferentes mídias.
“Vivemos em uma sociedade capitalista, e o capitalismo funciona incrivelmente bem para dar às pessoas a sensação de que elas precisam continuar se otimizando. E [também] vincular isso ao consumo de determinados produtos ou serviços, como intervenções médicas. Afinal de contas, todo esse maquinário prospera com base em uma sensação de ausência que nunca é plenamente atendida, e assim o consumo prossegue. Portanto, a tarefa só pode ser uma: de que forma os usuários podem adquirir certa resiliência e confiança ao lidar com essas imagens?”