Paternidade ativa: Ter filho é fácil, o que é difícil é ser pai

Oferecer a alguém aquilo que nunca recebeu é uma tarefa difícil, que demanda dedicação, humildade, estudo e prática intensiva. É assim que muitos pais contemporâneos estão superando velhos estigmas e tomando as rédeas de uma paternidade repaginada, consciente e adequada à realidade atual das mães e das famílias como um todo. “Eu cresci como a maioria dos pais dessa minha geração (45 anos), num ambiente muito mais duro, em que o pai tem uma participação pequena na formação, que só faz a parte de prover. Anos depois de ser pai, vi as minhas limitações e tive a humildade de perceber o que eu não recebi durante a minha infância e como manejar isso na paternidade”, conta Dr. Paulo Telles, que é pai do Léo e da Nina, além de pediatra.

Em sua visão como pai e como médico no cuidado pediátrico, a ativação paterna em novos moldes tem uma função social. “Quando o pai não acompanha o desenvolvimento infantil, está perdendo o próprio filho; e a gente vai perder, a longo prazo, como sociedade”, alerta Dr. Telles, lembrando estudos científicos que já apontam que o papel do pai estimula o desenvolvimento cognitivo da criança, assim como o lado sócio-emocional.

Essa aproximação com o cuidar dos filhos desde que nascem fez de Ricardo Figaro um empresário do ramo de alimentos congelados saudáveis para crianças, com sua empresa Papai Que Fez, que tem a mesma idade de seu filho, Henrique, de 3 anos, ambos nascidos na pandemia. “Eu vi ali, na pele, como era pesado para a minha esposa, e eu não tinha a menor ideia de como ajudar. Também não podíamos ter ajuda da família, era pandemia, não podíamos nem contratar alguém”, recorda. Esse contexto o fez não só necessariamente atuar na prática, como lembrar, resgatar e reformar valores. “Se tornar pai faz você voltar para a tua infância, reviver os modelos, os traumas, os exemplos, ver o que foi bom e o que foi ruim. Você descobre o que quer perpetuar e o que não”, reflete.

Sociedade engatinha na paternidade ativa

Ainda são raros os casos como os de Ricardo e de Telles, segundo suas próprias percepções. A conta do Instagram da Papai Que Fez tem apenas 5% de seguidores homens. “Eu monitoro muito esses dados, porque, inclusive, esse é um dos valores da marca, a equidade”, diz Ricardo, que observa o movimento masculino crescer nesse sentido. Da mesma forma, Dr. Paulo Telles, que também produz conteúdo informativo sobre pediatria nas redes sociais, diz que não chega a 10% o público de homens. “A gente vive uma sociedade ainda muito machista, patriarcal, mas eu vejo que o cuidado que o pai acha que deve ter está mudando, aos poucos, porque quem mais perde é quem não está participando”, sentencia. O pediatra observa, por exemplo, que em países onde há uma licença paternidade maior, observam-se ganhos futuros inequívocos: “Você consegue avaliar o quanto essa criança que teve o pai presente tem uma condição diferenciada na hora de buscar um emprego, de participar da sociedade”.

Revertendo a falta de referência com informação

Assim como Ricardo teve a pandemia como mola propulsora da busca obrigatória por uma forma de paternidade mais efetiva, Dr. Telles reconhece que levou um tempo até que tomou para si a tarefa de se transformar no pai que considerava bom. “Eu não acho que eu fui o pai ideal para o meu filho [no começo]. A gente tem que aprender a ir atrás de informação sobre como evoluir”, opina, ao incentivar: “Se você decide ser pai, você tem que se preparar para isso”. “De repente você tem um bebê na tua casa”, lembra Ricardo, classificando isso como “a coisa mais louca da paternidade”, principalmente quando essa chegada o coloca de cara com a falta de repertório, consequência da falta de referência.

Apoio da figura feminina

“Hoje é uma delícia relembrar, mas ali, na hora, foi muito difícil. A gente passou por altos e baixos, discussões, mas estávamos e estamos sempre nesse trabalho nosso de olhar um para o outro e para si mesmo”, conta Ricardo, que, hoje em dia, só está de fora do momento de Henrique pegar no sono, pois ele ainda mama no peito. Dr. Paulo Telles entende as aflições de Ricardo e também reconhece no apoio de Gabi, sua esposa, a base para sua paternidade se firmar. “Eu trabalhava muito naquela época e só pensava em como trabalhar mais para garantir o sustento. É interessante como isso é um traço tão forte do machismo estrutural, porque absolutamente não era esse o foco, mas foi meu foco”, reconhece, ao afirmar: “Ela foi capaz de me transformar, me dando alguns gatilhos que eu fui percebendo e mudando”.

Um dia, ao chegar de um plantão de 36 horas no hospital, cansado e precisando, em breve, retomar outro plantão, Dr. Telles foi lembrado por Gabi de que ela tinha ficado na atividade materna pelas mesmas últimas 36 horas, não teria descanso e que precisava de ajuda ali, naquele momento. “Foi uma chave que virou e é muito difícil, na maioria dos casos, conseguir fazer isso sem que os pais se sintam agredidos ou pressionados.” Ao mesmo tempo, Dr. Telles entende que cabe ao homem o esforço de entender do que se trata a criação de um bebê: “Muitas vezes, o homem não consegue ter a percepção e a valorização desse trabalho porque nunca fez, pois o dia em que sentar para fazer, não vai ser capaz de fazer por uma tarde”, reconhece.

Num consenso de que os homens precisam, de qualquer maneira, se colocar nas tarefas cotidianas do bebê, os dois pais reforçam que “deixar fazer” é o melhor caminho que as mães podem tomar no sentido de encorajar o aprendizado e o hábito da paternidade ativa. “Qual o problema se ele colocar fralda de costas, se o body ficar diferente ele? Tem que deixar colocar a mão na massa para aprender”, diz o pediatra.