Pedidos de recuperação judicial crescem, geram mais de R$ 100 bi em dívidas e criam ‘ciclo perverso’ para economia

Até outubro deste ano, 1.128 empresas entraram com pedidos de recuperação judicial durante 2023, de acordo com o Indicador de Recuperação Judicial e Falências da Serasa Experian. O número de solicitações acelerou consideravelmente durante o segundo semestre do ano. Entre setembro e outubro, houve um crescimento de 19,1% nas requisições de recuperações judiciais. Apenas em outubro deste ano, foram 162 pedidos. A quantia representa um aumento de 51,4% em relação ao mesmo mês de 2022. As micro e pequenas empresas lideraram as solicitações, principalmente aquelas do setor de serviços e comércio. O aumento nos pedidos de recuperação judicial levaram ao acúmulo de mais de R$ 100 bilhões em dívidas computadas até maio desse ano. E essa crescente deve continuar em 2024, de acordo com especialistas consultados pelo site da Jovem Pan. Os consultores indicam que o movimento de endividamento das empresas leva a um “ciclo perverso” para a economia brasileira, podendo inclusive aumentar o nível de desemprego da população e aumento do déficit das contas públicas.

Especialista em reestruturação de empresas e CEO da consultoria Excellance, Max Mustrangi esclarece que esse efeito se deve a anos de um mercado global com uma política monetária negativa de juros. “Isso fez com que fosse injetado dinheiro barato no mercado e as empresas buscassem o crescimento pelo crescimento, a qualquer custo. Essa postura leva ao endividamento. As organizações se endividaram aos montes por conta do excesso de liquidez que existe no mercado a um custo muito barato de dívida, esperando lá na frente que conseguissem pagar as dívidas e saíssem com todo o lucro. Mas não foi o que aconteceu, ainda mais por conta da pandemia da Covid-19, que atrapalhou muito os planos das empresas”, explica.

Pedidos de recuperação judicial

Ele ainda pontua dois fatores de forte influência nesta crescente de pedidos de recuperação judicial: o caso da varejista Americanas e o aumento do nível de inadimplência do consumidor brasileiro e das pessoas jurídicas. “Quando o mercado financeiro enxerga esse movimento de não pagamento de dívidas, todo mundo se fecha e a liberação de novos financiamentos para capital de giro ou reestruturação de pendências financeiras reduz muito. Sem alternativa para quitar as contas, as empresas acabam tendo que pedir recuperação judicial. Mas o nível de aceite é baixo, em torno de 20%, então muitas acabam indo à falência”, esclarece.

Wesley Garcia de Oliveira Rodrigues, sócio-sênior do escritório Oliveira Rodrigues Advogados Associados, considera que a restrição na concessão de crédito por parte das instituições financeiras contribuiu com o movimento de inadimplência. “Os bancos têm restringido ainda mais a captação de recursos pelas empresas e estão exigindo cada vez mais garantia real e imóveis para entrega em alienação fiduciária para alicerçar essas operações de crédito. Tem muitos empresários hoje que trabalham somente para pagar esses empréstimos com fundos e folha de pagamento. Ou seja, quando o cobertor é curto, ele faz a folha e deixa de pagar tributo, deixa de pagar os próprios fundos e os fornecedores. Com isso, ele acumula multas e juros sobre juros. Os tributos se tornam praticamente impagáveis”, define. Em relação ao nível de dívidas acumuladas, o advogado afirma que esse cenário afasta possíveis investidores e potenciais clientes das empresas brasileiras, dobrando o risco Brasil e aumentando a desconfiança mundial.

Pedidos de recuperação judicial

O advogado complementa que o grande fator preocupante para todo o cenário foi o pedido de recuperação judicial de grandes empresas, que até então eram consideradas estáveis no mercado. “Outro ponto significativo são os planos de recuperação judicial que vem sendo aprovados. Eles prevêem prazos de carência bem longos e um deságio bem acelerado. Exemplificando, tem plano de recuperação judicial que prevê 20 anos de carência para pagamento aos credores além do deságio. E a parcela não é paga em caixa, é paga em conversão desses valores em ações da companhia. Os bancos e fornecedores não têm interesse em ser sócio das empresas que estão pedindo recuperação. Eles apenas querem receber os seus créditos com a parcela em dinheiro. A aprovação desses planos mirabolantes gera uma grande incerteza quanto ao recebimento dos créditos dos credores na recuperação judicial”, considera.

Expectativas para 2024

Para o próximo ano, Max Mustrangi estima que o número de pedidos de recuperação judicial tende a aumentar, com empresas enfrentando um cenário mais adverso do que o de 2023. “Já prevemos um quarto trimestre potencialmente fraco em comparação com o do ano passado, o que resultará em uma restrição de caixa ainda mais acentuada. Isso provavelmente desencadeará uma onda de recuperações e falências no primeiro e segundo trimestres de 2024. Infelizmente o cenário à frente ainda é de piora”, afirma. Wesley Rodrigues prevê um cenário que classificou como ainda mais desesperador. “Principalmente nesse momento em que ocorreu o veto dá desoneração da folha de pagamento. Caso o Poder Legislativo não derrube o veto, os maiores setores da cadeia produtiva serão impactados, podendo ocorrer uma inadimplência em massa e diminuindo a arrecadação de tributos. Isso pode ocasionar um rombo na dívida pública ainda maior. Mesmo com a derrubada do veto, a previsão é catastrófica, com mais empresas em recuperação judicial para sobreviver”, reforça.

O especialista em reestruturação de empresas avalia que esse movimento de endividamento das empresas leva a um “ciclo perverso” para a economia brasileira. “Se isso perdurar muito tempo, podemos ter também o efeito do desemprego. Já vemos muitas negociações de reduções de jornadas, férias coletivas, bancos de hora e fechamento de unidades”, indica. O especialista também pondera que existe uma grande possibilidade de que o cenário eleve o déficit fiscal do Brasil e gere uma queda da classificação de risco internacional do país no primeiro semestre de 2024. Para reverter a situação, ele indica que as empresas devem se concentrar na gestão focada em rentabilidade e caixa, sem buscar faturamento a qualquer custo. Wesley também sugere que uma solução seria um consenso com as instituições financeiras para flexibilizar concessão de crédito, aliado a algumas medidas de circulação de capital.