Pedidos de recuperação judicial de empresas brasileiras crescem e devem acelerar durante segundo semestre do ano

Até abril deste ano, 165 empresas entraram em recuperação judicial durante 2023, de acordo com o Indicador de Recuperação Judicial e Falências da Serasa Experian. O número de pedidos durante os quatro primeiros meses do ano chegou a 382. Apenas em abril, foram registrados 93 solicitações. O número representa um aumento de 43,1% em relação ao mesmo mês de 2022. As micro e pequenas empresas lideraram as requisições, principalmente aquelas do setor de serviços. Para o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, o aumento do índice está ligado ao aumento da inadimplência das empresas brasileiras. “O constante crescimento da lista de companhias negativadas mostra que a instabilidade econômica ainda é um desafio para os empreendedores. Dessa forma, abalados financeiramente, é inevitável que muitos acabem recorrendo aos processos de recuperação judicial para tentar renegociar e evitar a falência”, observa. Para o segundo semestre do ano, a previsão é de que a epidemia de recuperações judiciais exploda, segundo especialistas ouvidos pela Jovem Pan.

Economista e professor da Strong Business School, Sandro Maskio observa que há um conjunto de fatores que influenciam esta ampliação dos casos de recuperação judicial. “Destaque para a lenta recuperação da massa de salários na economia, elevação do grau de endividamento das famílias, como efeito da lenta retomada do fluxo de renda na economia, o baixo volume de consumo e a falta de demanda interna, os juros elevados, a inflação, o baixo poder de compra das famílias, aumentos do custo das empresas,  ampliação da inadimplência, endividamento e elevação dos custos de carregamento das dívidas “, exemplifica. Ele complementa que, quando há uma ascensão do número de empresas solicitando recuperação judicial, especialmente empresas grandes, estas podem puxar empresas menores e fornecedores. “Como na recuperação judicial a empresa ganha um prazo para saldar suas dívidas, os fornecedores, especialmente os menores, com elevada dependência financeira destas empresas que entraram em recuperação judicial, tenderão a ver seus problemas de fluxo de caixa se agravarem. Para parcela destes, o caminho acabará sendo a recuperação judicial também. Além disso, não há sinais de melhora do cenário econômico”, avalia.

Especialista em gestão de negócios e reestruturação de empresas, Max Mustrangi relembra que o Brasil vem enfrentando diversas crises econômicas, com injeções de liquidez no mercado, por conta principalmente da desaceleração causada pela pandemia da Covid-19. Desde então, as empresas vivem em estado de “mortas-vivas” e o aumento da frequência de pedidos de recuperação judicial se dá pelo efeito de ações de gasto excessivo e da procura pelo crescimento a qualquer custo. “O descompasso dos compromissos com as saídas dos fluxos de caixa e as necessárias entradas criaram um enorme crescimento do endividamento e automaticamente uma bolha na capacidade de adimplir os compromissos assumidos. Com todos esses fatores, era óbvio que em algum momento haveria um boom no crescimento do número de pedidos de proteções judiciais e de falências”, analisa. Ele pondera, ainda, que as disputas eleitorais e o caso da Americanas gerou um movimento no sistema financeiro, que reduziu a oferta de crédito. Por isso, Max prevê que o movimento de pedido de recuperação judicial deve crescer durante o segundo semestre e que os pedidos terão relevância de valores. “Basta observar que apenas nos primeiros seis meses já temos mais de R$100 bilhões em dívidas em Recuperações Judiciais. Isso é um buraco de liquidez de crédito no mercado e, infelizmente, a tendência é de forte piora no ambiente de concessão de crédito justamente em momento crítico do endividamento, alavancagem financeira e níveis elevados de inadimplência”, esclarece.

Já Ivo Waisberg, especialista em direito comercial e sócio no Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Advogados, analisa que o maior número de reestruturações deve ocorrer neste semestre, mas tudo indica que o ano inteiro será de recuperações judiciais e extrajudiciais e reestruturações coletivas fora de juízo. “No atual momento a crise é generalizada, são muitos casos em várias áreas diferentes. Vale lembrar que a recuperação judicial ou extrajudicial é o remédio, não a doença. Ela serve exatamente para evitar uma crise ainda maior. Mas do mesmo jeito que o quadro econômico piora de repente, às vezes melhora rápido e a questão do crédito volta a se estabilizar.  E as atenções estão voltadas para as varejistas e construtoras. Empresas como Riachuelo, Via Varejo, Magalu, C&A, Marisa, Carrefour, Pão de Açúcar, MRV e Tenda podem estar encaminhadas para uma futura recuperação judicial, de acordo com o especialista. “Basta olhar e analisar a alavancagem financeira líquida e a tendência dos resultados financeiros para constatar que uma grande parcela das empresas não está indo nada bem”, pontua Max.

Sandro Maskio adiciona que os setores que são mais dependentes do giro comercial, são os mais impactados. “O elevado volume de vendas e faturamento das grandes redes desarticula a entrada de recursos com as obrigações assumidas junto aos fornecedores, o que tende a reduzir a capacidade financeira e desorganizar o fluxo de caixa destes, pressionando o endividamento”, afirma. Como consequência, é gerado um efeito de desaceleração sobre o ritmo de atividade econômica, além de ampliar a incerteza entre os agentes econômicos. Max Mustrangi afirma que, com a inflação corroendo o poder aquisitivo das famílias, o aumento do desemprego, redução do faturamento das empresas, pressão na liquidez de caixa de empresas endividadas, o cenário poderá gerar uma diminuição da arrecadação do governo, o que pode gerar um risco estrutural no país.

Sandro também observa que, de forma geral, há um menor grau de confiança. “Para os consumidores e trabalhadores há uma redução do grau de confiança na manutenção do ritmo de atividade econômico, e sobre os horizontes futuros. As famílias brasileiras, por exemplo, tem apresentado redução no volume de poupança, demonstrando não só o aperto financeiro, mas também refletindo na redução do grau de confiança e queda das perspectivas em relação à trajetória da economia”, pondera. Ele acredita que não há tempo para um trabalho de prevenção que evite o aumento desse fenômeno. “No caso do processo de recuperação judicial, o principal mecanismos que poderia auxiliar seria um programa de concessão de crédito a juros subsidiados, com o objetivo de aliviar os problemas de fluxo de caixa financeiro que das empresas. O médio e longo prazo a ampliação da taxa efetiva de crescimento econômico, e consecutivamente da renda circulante, do volume de trabalhadores empregados e da renda paga, é um caminho inevitável para superar o contexto presente, e elevação do número de pedidos de recuperação”, pondera.

Ivo Waisberg afirma que o ideal é que a empresa antecipe um problema no médio prazo e já comece a estudar as soluções. “Após estar educada nos instrumentos que tem à sua disposição, a empresa pode iniciar a negociação com seus credores. Além da negociação bilateral, a lei hoje traz um leque de instrumentos. O maior segredo para enfrentar bem o desafio é se preparar para uma crise iminente. A boa preparação muitas vezes evita a necessidade de ajuizar qualquer medida. E o empresário não deve ter medo de usar os instrumentos legais, pois se o timing certo passar, fica muito difícil efetivamente resolver o problema”, afirma. Max ressalta que esse cenário é resultado da má gestão das companhias e que é necessário melhorar a rentabilidade das empresas. “Não adianta achar que recorrer à saída da Recuperação Judicial será a salvação de tudo, afinal, desde a sua implementação, nem 1% das empresas que solicitaram conseguiram sair vivas. A verdadeira saída reside em uma gestão sólida e eficiente do negócio, caso contrário, o ano de 2023 será o ano da recuperação judicial e a quebradeira virá logo na sequência”, finaliza.