PL dos direitos de investidores: as ressalvas dos minoritários e das empresas
A Câmara dos Deputados deve analisar nas próximas semanas o PL 2925/2023, apelidado pelo governo federal como PL de Proteção dos Direitos de Investidores, com mecanismos que visam ampliar a transparência e acesso aos processos de arbitragem. No entanto, o texto não é um consenso para o setor ao qual se destina.
A proposta foi protocolada na Câmara dos Deputados no dia 2 de junho, e não teve nenhuma movimentação desde então. No final de julho, a Casa Civil encaminhou o pedido de análise da proposta em regime de urgência que, por ser de autoria do governo, vai travar a pauta a partir do dia 8 de setembro, forçando a deliberação.
Representante de acionistas minoritários, o presidente do Instituto Empresa, Eduardo Silva, destaca que o texto leva “uma armadilha silenciosa” ao prever textualmente a possibilidade dos investidores demandarem a compensação por prejuízos causados por “omissão” em infração à legislação e à regulamentação do mercado de valores mobiliários, o que incluiria fraudes contábeis, as chamadas inconsistências. Isto porque a lei se refere aos “emissores de valores mobiliários”. Com isso, a interpretação é no sentido de que a reivindicação só poderia ocorrer nos casos de emissão – Oferta Pública Inicial de Ações (IPO).
“O que estão dizendo, na prática, é: não se pode entrar [com pedido de indenização] nos outros casos e só quando houver IPO e, portanto, nunca. Porque, na prática, você não consegue fazer a correlação entre o IPO e a fraude”, explicou Silva ao Tele.Síntese.
Além de cobrar dos “administradores de emissores de valores mobiliários”, o projeto prevê que os coordenadores e intermediários de ofertas públicas também respondam ao pedido de indenização.
Para Silva, há risco de “responsabilizar apenas dois a três diretores por um comportamento coerente da empresa por anos”. O Instituto Empresa defende segurança jurídica para que as companhias sejam responsabilizadas e não apenas os administradores individualmente, sob pena das possíveis alegações de limitação financeira para arcar com grandes indenizações. Essa posição é um dos principais pontos em debate, pois há quem entenda que não é possível imputar a instituição (saiba mais abaixo).
Ação coletiva
Uma das principais novidades da norma é a previsão de ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos decorrentes da violação às normas do mercado de valores mobiliários.
O PL sugere que a ação civil coletiva seja uma prerrogativa para “investidores legitimados”, definidos como aqueles que, no momento imediatamente anterior ao dano alegado:
- representarem percentual igual ou superior a dois inteiros e cinco décimos por cento dos valores mobiliários da mesma espécie ou classe; ou
- possuir valor igual ou superior a R$ 50 milhões, atualizados anualmente pelo IPCA.
Para o Instituto Empresa, neste trecho, “a pretexto de melhorar o acesso à justiça dos pequenos investidores, criam-se requisitos que hoje não se fazem presentes”.
“Atualmente, por força do direito constitucional de ação, qualquer grupo de investidores, com qualquer número de ações ou de capital, pode ingressar ou promover demandas coletivas contra companhias. Pelo Projeto de Lei há evidente cerceamento dos direitos dos acionistas que – dispersos e desarticulados – deverão primeiro se organizar para, então, poder exercer o direito de ação. Trata-se, assim, de notório cerceamento do direito de acesso à justiça”, afirma a associação em nota encaminhada ao Congresso Nacional.
Apesar das ressalvas, o Instituto Empresa defende a aprovação de alguns dos dispositivos previstos, como a previsão de quebra de sigilo das arbitragens.
“Como a arbitragem é muito cara, ela só é possível quando as pessoas se reúnem. Então, se as pessoas não se reunirem para fazer o volume de capital necessário, elas não conseguem acessar qualquer justiça”, complementa Eduardo Silva.
Outro lado
Arthur Parente, sócio do escritório de advocacia Mattos Filho, é um dos críticos da posição de que a companhia seja responsabilizada. “Se você está fazendo uma companhia indenizar um acionista, significa que todos esses acionistas estão pagando a indenização”, explica.
Na visão de Parente, a lei já não permite que a companhia seja a responsável direta e afirma que o PL apenas abre uma exceção a esta regra, para os casos de emissões, como IPO. “O raciocínio do legislador é que a companhia, na circunstância excepcional de divulgar uma informação falsa e se beneficiar desta informação – porque quem está comprando as ações é com base em uma informação falsa – a companhia, então, tem que indenizar”.
O advogado aponta visão divergente também na decisão sobre a quebra do sigilo das arbitragens.
“A partir do momento que eu conhecer o histórico do que foi julgado em determinados temas, eu vou saber para que lado está soprando a jurisprudência e vai me dar mais segurança jurídica. A crítica que se faz é que tem alguns assuntos que ainda se quer que sejam confidenciais […] Há decisões que não dizem respeito a todos”, disse Parente.
Urgência
O regime de urgência, na visão de ambos os lados, não é o adequado para o PL de Proteção dos Direitos de Investidores.
Arthur Parente: “O PL é uma boa iniciativa, é bem intencionado, mas precisa ser discutido. Ele afeta diversos agentes e não deu tempo de ter uma discussão com a sociedade civil ainda”.
…
Eduardo Silva: “Há uma possível blindagem às empresas que, se discutida em regime de urgência, passaria batido. O Congresso é o lugar dos debates. Eu acho que há uma grande chance de todas as pessoas, mesmo quem nunca investiu em ações, saber que precisam da Bolsa, precisam do mercado de capitais, porque ele gera empregos, obras e oportunidades”.
Governo
Já o governo, em nota encaminhada ao Congresso, entende que o PL preenche espaços vazios na regulamentação atual sobre o direito dos investidores.
“A atual lacuna na responsabilização dos administradores e acionistas controladores por prejuízos causados às companhias de capital aberto tem representado um desafio para a aplicação da Lei em casos concretos. Nesse contexto, o Projeto de Lei procura suprir essa carência, por meio da nova possibilidade de ações civis coletivas de responsabilidade, bem como pelo reequilíbrio de riscos e benefícios nos processos judiciais”.
O Executivo ressalta que o ponto de partida para o texto começou antes da atual gestão, em parceria firmada entre o Ministério da Fazenda, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a OCDE, com o apoio financeiro do Prosperity Fund do Reino Unido. O resultado, foi um relatório de diagnóstico do modelo brasileiro, com sugestões para “aproximá-lo dos melhores padrões internacionais”.
Para justificar o regime diferenciado na tramitação, o governo menciona “episódios observados no mercado de capitais que justificam o urgente aperfeiçoamento dos mecanismos de governança das companhias brasileiras” e “a relevância do mercado de capitais para o financiamento de projetos de investimento das empresas, o que contribui na retomada da economia e a geração de emprego”.
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