Putin e Zelensky dobram a aposta antes da posse de Trump

A cobertura de uma guerra regional envolve sempre um certo talento para a futurologia, e no caso de muitos analistas, depende muito da intuição para se prever os possíveis caminhos até o desfecho. Uma semana antes da Guerra começar, estava em Kharkiv, no leste da Ucrânia, cerca de 40 quilômetros da fronteira com a Rússia, onde naquele momento estavam estacionados mais de 100 mil soldados russos. Talvez pela inexperiência do início da minha carreira como correspondente de guerra, ou pela tranquilidade ao andar pelas cidades ucranianas, dizia aos colegas que não acreditava em uma invasão total por parte dos russos, mas cinco dias depois fui acordado de madrugada e avisado que a guerra havia começado, o que constatou o quão errado estava em minha aposta. 

Depois de 1000 dias de guerra, algumas viagens para a Rússia, Ucrânia e Belarus, aprendi muito mais sobre esse conflito em constante transformação. Ao contrário da monotonia aparente das manchetes recentes, a Guerra da Ucrânia é um verdadeiro “camaleão geopolítico” se adaptando as mudanças de liderança na Europa, nos Estados Unidos, além de modificar suas características quando a Guerra em Gaza se iniciou.

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Toda essa versatilidade estratégica se dá pelo confronto de dois adversários que tem mais em comum do que pensamos. Frutos da União Soviética como nações independentes, Rússia e Ucrânia, também herdaram muitos dos armamentos e doutrinas militares ensinadas por décadas na URSS. Mesmo com o advento da internet, dos drones, mesmo com o compartilhamento de informações com aliados no Ocidente por parte de Ucrânia, e no Oriente por parte da Rússia, ambos os países sabem muito bem prever o próximo passo do inimigo e conhecem bem o seu poder de fogo. 

Nesta semana a Ucrânia utilizou pela primeira vez mísseis de longo alcance, ATACMS de fabricação norte-americana e Storm Shadow de fabricação britânica, para atingir a Rússia. Tais mísseis podem viajar até 300km e 250km respectivamente e atingir centros urbanos e militares de grande importância no Sul da Rússia, o que por enquanto não aconteceu, apesar dos disparos desde a Ucrânia.

A Rússia, por sua vez, respondeu de maneira ainda mais forte, utilizando pela primeira vez mísseis balísticos intercontinentais, abreviados em inglês pela sigla ICBM, e que tem um alcance de até 5500 km, além da capacidade de carregar ogivas nucleares. Os ICBM possuem uma tecnologia bélica muito avançada e são lançados até o espaço, antes de reentrarem a atmosfera com grande velocidade e atingirem seus alvos de maneira certeira e devastadora. A cidade industrial de Dnipro, no centro da Ucrânia, foi a vítima de momento, onde instalações elétricas e industriais foram comprometidas.

Em ambos os casos, os lançamentos foram cirurgicamente calculados como uma maneira de mostrar ao oponente que agora o jogo da guerra subiu de nível. Tanto Putin, quanto Zelensky utilizaram o melhor armamento em seu arsenal para mandar uma mensagem, um recado enviado de centenas de km com explosivos para dizer que nos próximos dois meses tudo ainda poderá acontecer.

A Rússia segue com a vantagem militar e territorial, ocupando cerca de 20% do território ucraniano, mas ainda longe de conquistar 100% dos oblasts de Kherson, Zaporizhia e Donetsk, os quais já foram anexados de jure após os contestados referendos de setembro de 2022. Volodymyr Zelensky há mais de um ano e meio não consegue nenhuma vitória militar importante, e mesmo tendo viajado por vários países divulgando o seu “plano da vitória” não teve sucesso em arrecadar fundos significativos e muito menos entusiasmar seus aliados com seu discurso.

Em breve, Donald Trump assumirá a presidência dos Estados Unidos, e com isso, sua promessa de campanha de acabar com as guerras em curso no mundo, deverá ser colocada em prática forçando um acordo entre as partes. Configurações territoriais, recursos minerais, agrícolas e humanos, o destino político dos presidentes e de milhões de pessoas deverão ser decididos em algumas mesas de negociação, mas até que isso de fato aconteça em 2025, Putin e Zelensky ainda podem tentar dobrar a aposta.