Quanto custa a honra de um jornalista?

Depois de Luciane Barbosa, conhecida como “Dama do Tráfico Amazonense”, acusada de ser um dos braços financeiros do Comando Vermelho, ter visitado o Ministério da Justiça, custeada pela pasta de Direitos Humanos, houve uma espécie de força-tarefa em Brasília. Obviamente, não para investigar Luciene e as motivações que a levaram ao centro do poder político brasileiro, mas sim de jornalistas e militantes ‒ e de jornalistas-militantes ‒, a fim de amenizar o escândalo. Num primeiro instante Flávio Dino usou toda a sua enorme desenvoltura para negar sua participação na visita da primeira-dama do Comando Vermelho ao seu ministério. Depois foi a vez do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, que apareceu para tentar se desvencilhar da situação bisonha. Aliás, foi dele a frase da semana, na minha opinião. Disse o ministro que os opositores estavam “usando o tráfico” para atacar o governo Lula, e que isso é coisa de “fascista” ‒ kkkk. Vejam que se trata do mesmo cara que chefia o ministério que trouxe Luciene, a mulher acusada de lavar dinheiro para o Comando Vermelho, com todas as despesas pagas. Na minha opinião, quando um governo deixa vias para que a oposição “use o tráfico” para criticá-lo, isso significa que algo está muito, muito errado mesmo. Aliás, se quiseres uma dica, caro Silvio, saia enquanto há tempo…

Muito já foi dito sobre esse assunto até o momento, e não quero ser mais um a dizer o que todos já disseram, quero então focar minha crítica na completa falta de brio de alguns jornalistas e comentaristas brasileiros na cobertura do caso da visita de Luciene. O historiador e ex-comentarista Marco Antonio Villa chegou a dizer que todo o imbróglio com relação à visita de Luciene não passava de “armação de setores políticos reacionários, antidemocráticos e golpistas contra a possibilidade de Flávio Dino ser designado ao STF”; no entanto, o próprio governo assumiu que trouxe a mulher para Brasília à convite da pasta dos Direitos Humanos, e que depois a recebeu no ministério da Justiça. Seria, então, Marco Antonio Villa um negacionista? Obviamente, aquele histórico jornal que vocês já sabem qual é, correu para entrevistar Silvio Almeida, tomando o altruísta cuidado de não expô-lo mais ainda ao ridículo escandaloso no qual já está chafurdado; a assessoria de imprensa do governo, na imprensa, numa rapidez invejável, tentou revestir o ministro numa capa que continha três camadas, a da ignorância, da suposta honestidade inconteste e da militância identitarista fofinha. Na linguagem da esquerda: “humanizaram o ministro”. É claro, não faltou a aquela fotinha abraçando o ministro para as redes sociais.

Sou das antigas, e, para mim, ainda soa assustador que existam pessoas que se prontificam a ser ancas servis para palanque de políticos, assim mesmo, sem nenhum disfarce. Como mostrava Dostoiévski em sua obra “Gente Pobre”, até na mais suprema indignidade consentida tende a existir um vislumbre e honra ferida que, vez ou outra, rompe a camada do opróbio e da humilhação. Dostoiévski, porém, tinha conhecido os jornalistas daquela famosa rede. Num dos vídeos assustadores a que assisti nesse canal esta semana, a jornalista Flávia Oliveira se esgueira aos “gaguejos” para tentar despenalizar a condenada Luciane ante à opinião pública, a condenada por associação ao tráfico e lavagem de dinheiro em uma das maiores facções do país ‒ sem citar o fato de que é esposa de um dos chefes dessa facção. Segundo a jornalista, o Brasil precisa ter uma espécie de representação governamental ‒ por meio das agendas ministeriais ‒, de parentes de condenados, talvez, penso eu, um representante oficial de traficantes em Brasília, quiçá ainda, uma embaixada da Papuda ao lado do ministério de Dino. Merval Pereira ‒ o meu esquerdista preferido ‒, num tom claramente abismado ante ao que ouviu de Flávia, teve que recordar à jornalista que Luciene Barbosa ‒ que ela tentava tratar sob uma retórica empolada, quase metafísica, a fim de sublimar uma defesa da condenada ‒, era uma mulher condenada, esposa de traficante, ligada a uma das facções criminosas mais poderosas do país. Quando precisamos ser lembrados disso, algum alerta de cegueira moral deveria invadir nossas consciências; não à toa são os mesmos que viram no Hamas meros “combatentes”, não é mesmo?

Parabenizo aqueles jornalistas que denunciaram tal visita bizarra, visita que mais parece uma espécie de diplomacia do que tropeço governamental ou turismo ativista, isso sim é jornalismo. Mas na mesma medida lamento que, para alguns nas redações esteja tão gasta aquela mania ética de manter a dignidade acima das motivações ideológicas, que se prestam voluntariamente ao vexame público de incensar condenados do Comando Vermelho a fim de blindar políticos favoritos. Quão barata deve ser a honra daqueles que passam pano para condenados de associação ao tráfico? Quanto será que custa no mercado negro do jornalismo a defesa irrestrita e fidelizada de um governo manco e desnutrido de ética?