Quem fica quieto diante da ameaça dos poderosos é covarde ou tem juízo? 

“A coisa tá brava!” É o que mais se ouve nos dias atuais. Nunca se viu tanta gente com receio de se expressar. Vivi o período militar. Foram tempos sombrios. Talvez, essa época não tenha sido pior que a situação atual. Há, hoje, verdadeiro pavor por parte até de alguns jornalistas e políticos de emitir opiniões que contrariem os poderosos. Para agravar ainda mais o quadro, veio a tese do STF (Supremo Tribunal Federal) responsabilizando a imprensa por declarações dadas por seus entrevistados. Por isso, passou a existir uma autocensura que limita a liberdade de expressão.

Vi recentemente uma cena que me chocou. Um apresentador de televisão pedindo desculpas porque um entrevistado havia criticado determinado ministro. Não só se desculpou como passou a elogiar aquele que havia sido “atacado”. Sinal dos tempos? Como vi as mudanças ao longo dos anos? Eu era garotão e vivia entusiasmado com os movimentos estudantis em Araraquara, no interior de São Paulo. Promovia passeatas de protesto, escrevia peças de teatro combatendo o poder militar que se instalara. Lia, escondido, bem escondido, as obras marxistas.

Driblávamos a censura que se impunha nos mínimos detalhes. O diretor da escola, por exemplo, só permitia que encenássemos as peças teatrais depois de fazer criteriosa leitura. Sem a sua aprovação, nada poderia ser feito. Por isso, eu escrevia duas peças, uma ao gosto do sistema, e outra com o que desejávamos combater. Ele aprovava uma, e nós interpretávamos a outra. Tudo era festa. Na verdade, festa mesmo, pois, no fundo, nem eu nem a maioria dos meus amigos tínhamos noção do que estávamos procurando. E olha que não deixei de buscar resposta a essas indagações ao longo das últimas seis décadas.

Só tomei consciência da enrascada em que estava, ingenuamente, me metendo depois de uma conversa com o meu pai. Ele tinha um amigo, coronel do exército em São Paulo, que o alertou a respeito dos perigos que eu corria. Segundo ele, meu nome estava em uma lista de pessoas que passaram a ser observadas por subversão. Parei. De vez. Nunca me envergonhei por ter mudado. Nomes importantes no cenário político/artístico brasileiro fizeram o mesmo, como os casos de Jorge Amado, Roberto Campos, Chico Anysio, Tom Jobim, Nelson Motta. A lista é longa. Se esses, que são ilustres personalidades, passaram para o outro lado, por que não eu? Alguns, como nós, acreditaram no canto da sereia e depois, como disseram muitos desses que citei, “criaram juízo”.

Vejo ainda certos jornalistas, pouquíssimos, e políticos, em quantidade também reduzida, que ousam dizer o que lhes vêm à cabeça. Quem ouve comenta que será apenas questão de tempo para que sofram as consequências de seus pronunciamentos. Se a reação não vem por aqueles que estão no poder, são silenciados pela própria organização jornalística onde atuam. A pergunta é esta: mesmo sabendo do risco que correm, esses “Dom Quixotes” empunham as lanças combatendo moinhos por coragem ou por falta de juízo?

Senti na pele as consequências desses arroubos — fui cerceado. Como dizia o saudoso psiquiatra Paulo Gaudencio:  “Se em situação possível de ser vencida, alguém resolve enfrentar, demonstra coragem. Se, ao contrário, recua, dá provas de covardia. Por outro lado, se em circunstâncias em que seja impossível vencer, enfrenta, é irresponsável. Se recua, é prudente”. Cabe a cada um, portanto, decidir se a ocasião indica se deve ou não partir para o enfrentamento. O importante é ter em mente que se a pessoa errar na avaliação e for imprudente em suas iniciativas, dificilmente poderá contar com ajuda para se proteger. Há exemplos de quem falou o que imaginou ser certo e hoje sofre sozinho, desamparado, o resultado de suas palavras. 

Se, todavia, em defesa pessoal, ou da causa na qual acredita, tendo possibilidades, ainda que remotas, de se sair vitorioso, recuar, o futuro poderá cobrar o preço. Não são decisões fáceis, mas, cedo ou tarde, precisam ser tomadas. A Bíblia já nos ensina em Eclesiastes: Tudo tem o tempo determinado. — Tudo o que Deus faz durará eternamente — Deus julgará o justo e o ímpio. Há tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de calar, e tempo de falar. Afinal, que tempo é este? Siga pelo Instagram: @polito.