Responsabilização das redes sociais é avanço, mas faltam detalhes, dizem especialistas


Supremo tem maioria favorável à ideia de que plataformas devem responder pelo conteúdo postado por usuários, mas ministros propuseram formas diferentes de como seria na prática. Maioria do Supremo vota a favor de responsabilizar as redes sociais por conteúdo ilegal ou criminoso publicado
A formação de maioria no Supremo Tribunal Federal (STF) a favor da responsabilização das redes sociais por posts ilegais é considerada um avanço na proteção de usuários por especialistas em direito ouvidos pelo g1.
Mas eles entendem que tudo depende de como a mudança se dará na prática. Isso porque, em seus votos, os ministros favoráveis à ideia de que as redes respondam pelos conteúdos postados apresentaram formas diferentes de isso acontecer.
Com 6 votos a favor e 1 contra a responsabilização, o julgamento vai continuar no STF nesta quinta-feira (12). Ainda faltam os votos de 4 ministros.
“Vai ter mais responsabilização [das redes], só não se sabe em qual grau”, afirma Raquel Saraiva, presidente do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec).
Google diz que responsabilização das redes não vai acabar com conteúdos ilegais
Busca por consenso
Atualmente, o artigo 19 do Marco Civil da internet determina que as empresas só respondem por conteúdos criminosos quando não cumprem uma ordem judicial que obrigue a remoção desse tipo de post.
O que muda é que os ministros que formaram maioria no STF entendem que a ordem judicial não deve ser o único meio de obrigar as plataformas a tirarem do ar um post ilegal.
Alguns consideram, por exemplo, que basta a rede social receber uma notificação extrajudicial. Mas não houve, até agora, consenso sobre em quais casos essa possibilidade se aplicaria (saiba como foi cada voto).
Luiz Fux, por exemplo, defendeu que a remoção de conteúdos como discurso de ódio, racismo, pedofilia e apologia a golpe de Estado deve acontecer assim que a vítima notificar a plataforma.
O ministro Luís Roberto Barroso entende que, em casos de crimes contra a honra, como injúria, calúnia e difamação, a remoção do conteúdo só deve ocorrer depois de uma ordem judicial.
Para o advogado Bernardo Drumond, o STF precisa chegar ao maior consenso possível, sem gerar insegurança jurídica.
“Os ministros terão que definir, entre os que formarem a maioria, qual vai ser o voto condutor, que tende a trazer uma modulação de efeitos”, resume o coordenador jurídico da área cível estratégica do Marcelo Tostes Advogados.
Marco Civil é visto como defasado
Os especialistas entrevistados concordam que o Marco Civil, em sua forma original, já não atente ao cenário atual.
Raquel destaca que, na época da criação da lei, em 2014, não se previa um cenário com tamanha propagação de discursos de ódio e desinformação.
“Ele foi formulado em outro contexto e já não dá conta da complexidade atual. Não há previsões específicas sobre responsabilidade ou moderação de conteúdo, por exemplo”, explica.
“A internet de hoje é muito diferente daquela em que o Marco Civil foi pensado. As big techs, por exemplo, ainda não tinham um poder e papel tão importante”, completa Álvaro Palma de Jorge, advogado constitucionalista e professor da FGV Direito Rio.
Para Jorge, como a tecnologia é muito dinâmica, até o que está em discussão agora pode mudar num futuro próximo. Por isso, debates como este feito pelo STF serão necessários de tempos em tempos.
“O Marco Civil foi importante, mas ficou para trás. Em breve, vamos ter que discutir as regras novamente.”
Mais moderação
Com uma decisão pela responsabilização das redes, a tendência é que exista uma maior moderação ativa de conteúdo, segundo os advogados ouvidos pelo g1.
“Como a responsabilidade agora vai ficar no colo das plataformas, independentemente de determinação judicial, acredito que a consequência será acirrar os termos de uso, por um lado, e tornar mais ágeis as consequências, a partir de uma denúncia feita pelo próprio sistema interno [da rede social]”, afirma Drumond.
As empresas terão que adotar medidas mais eficazes para coibir publicações ofensivas, como discursos de ódio e desinformação, completa Raquel.
O avanço, segundo ela, acontece neste ponto: “Os usuários tendem a ficar menos expostos a esse tipo de conteúdo. Isso é uma perspectiva importante.”
Liberdade de expressão será afetada?
A internet não pode ser uma “terra sem lei”, mas é preciso cuidado para preservar a liberdade de expressão, diz Drumond. “É compreensível esse posicionamento [do STF], tem base constitucional para isso. Porém, o que se receia é que haja uma abertura de comportas para a censura.”
Raquel entende que a responsabilização de plataformas não ameaça a liberdade de expressão, que, segundo ela, não é um direito absoluto.
“A liberdade de um termina onde começa o direito do outro. O discurso de ódio, por exemplo, não pode ser protegido sob esse argumento”, opina.
A advogada ressalta que as mudanças afetarão principalmente quem compartilha desinformação ou ofensas.
“Para quem não publica esse tipo de material, nada muda. E se houver receio de quem costuma divulgar desinformação, isso pode ser até um efeito positivo — ajuda a proteger a sociedade, especialmente grupos mais vulneráveis, como a população LGBTQIA+”.
Atualmente, o artigo 19 do Marco Civil determina que as empresas só respondem por conteúdos criminosos quando não cumprem uma ordem judicial que obrigue a remoção desse tipo de post
Julian Christ/Unsplash
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