Revolta de agricultores na Europa já alcança 11 países

Agricultores de países como França, Bélgica, Itália, Grécia, Portugal, Irlanda e Holanda bloquearam diversas rodovias em manifestação contra o governo europeu. Os produtores rurais estão insatisfeitos com a imposição de regras ambientais pelo bloco econômico, além do aumento dos custos de produção, retirada de subsídios e com o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. Um levantamento realizado pelo Hora H do Agro revela que o setor produtivo de pelo menos 11 países já se manifestou em 2024. Confira a análise do presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Caio Carvalho, sobre o tema!

Essa agenda verde, ou ESG, está entrando em colapso na Europa? A gente deve realçar que nós do Brasil, há uns 3 anos no mínimo, a gente vem debatendo com os europeus, [Frans] Timmermans, que era o vice-presidente da Comissão Europeia esteve algumas vezes aqui para botar ‘goela abaixo’ o Green Deal Europeu e nós dissemos a ele: ‘olha o Brasil tem competência para se ajustar para atender vocês, só que vocês vão pagar um custo alto disso. Os custos vão subir, vocês vão ter, digamos assim, um impacto no consumidor europeu, não vai ser no consumidor brasileiro, vai ser o consumidor europeu. E, digamos assim, vocês estão criando um clima que vai se voltar contra vocês’. Estou contando isso porque isso é real. E ele, até num determinado momento disse assim: ‘vocês tem que me ajudar a falar com os consumidores europeus e explicar para eles que o mundo tropical é diferente do temperado’, aquela coisa política. E depois, aliás, ele foi candidato e graças ao bom Deus ele perdeu a eleição.

Mas, de qualquer modo, a verdade é que o custo aumenta com uma série de medidas que eles estão tomando. Há limites para tudo, há limites até para o verde, vamos chamar assim, né? Eles abusaram disso, passaram do limite. Não aprovam mais produtos químicos, eliminaram uma série de produtos químicos de tal forma que deixaram em pânico o agricultor, que teve sua queda de produtividade. Na medida em que perdeu produtividade e aumentaram os custos, eles passaram a ter uma reação muito forte. E, no meio disso, depois de 20 anos, vem o acordo do Mercosul e União Europeia, que entra no meio dessa discussão e portanto, digamos assim, teve uma reação sempre da França. Devo dizer que, historicamente, a França é o grande protecionismo europeu, mas com o apoio da Alemanha e de outros países. De qualquer modo, a gente está vivendo agora realmente lá na Europa uma crise importante.

Qual é a interferência disso que está acontecendo na Europa nos preços internacionais e principalmente no agro brasileiro? Para a Europa, para o consumidor europeu, hoje, exatamente agora não está acontecendo nada. Tanto é que não são eles que estão reclamando. Para o produtor, eles andaram eliminando, digamos assim, alguns suportes que faziam. Por outro lado, deram a entender que esse acordo poderia acontecer, havendo esse acordo, haveria produto competitivo entrando na Europa de tal forma que haveria uma redução muito provável que interessava também a população, que é a redução de inflação, inflação de alimentos. Então, em teoria, o que a gente está vendo lá é principalmente uma série de coisas que estão no Green Deal Europeu, ou seja, eles estão criando uma série de aspectos, pressionando o produtor local e pressionando o produtor brasileiro, argentino, mas também muito o [produtor] local. Nós estamos reagindo no nosso nível e eles agora começaram a reagir no nível deles.

O que acontece com o Brasil? Faz 20, 30 anos que a gente vai continuar a fazer o que a gente faz. A gente produz competitivo, eles não tem o que precisam como um todo e continuam importando como a 20 há anos eles importam. Com esse acordo, haveria uma janela um pouco maior porque a visão do governo é que, como perspectiva, eles vão precisar importar mais. Nessa linha, os governos europeus estão com muita dificuldade de manter esse nível de subsídios que eles estão mantendo. E com inflação e com juros para o produtor altos, óbvio que os custos estão pesando muito. Então, no curtíssimo prazo, eles estão sem margem mesmo com proteção. Aí explica essa reação desmesurada. Mas de algum modo, passou do ponto a discussão do mundo verde europeu.

Existe a ideia errada que o grande vilão do clima é o agro. A gente vê que esse discurso parece ter ganhado mais força na Europa nos últimos tempos. Nós vimos propostas para estatizar fazendas na Holanda, planos para abater vacas na Irlanda e tentativas para taxar as emissões de gases de animais na fazenda. Como você avalia esse tema? É uma coisa realmente impressionante. Se você participasse das reuniões que eu participei, você poderia sentir até que ponto vai essa visão socialista, digamos assim, que vem sofrendo com a onda de direita, que está varrendo a Europa também. De qualquer modo, para você ter uma ideia, teve um momento da nossa discussão com os europeus que eles disseram: ‘não, se o Bolsonaro perder a eleição, a gente revê os pontos de vista porque daí você vai ter mais uma posição democrática no Brasil’. Até isso deu para sentir, do tamanho do problema ideológico que está por trás desse movimento todo.

Se você olhar os Estados Unidos da América, eles estão a distância e dizendo o seguinte: ‘interessante, a Europa não quer aceitar a política brasileira do Código Florestal. Nós, americanos, não só aceitamos como aplaudimos. E nós não vamos interferir no que é a política interna brasileira.’ Eles [europeus] querem interferir, eles querem participar, interferir em tudo. Eles querem interferir desde a questão da Amazônia, desde a questão das ONGs, todas essas questões estão em jogo. E dizendo de uma forma muito clara, há um óbvio e claro desvio ideológico nisso tudo. E agora, eles vão pagar uma conta muito alta.

E quero dizer que para o Brasil, isso é bom? Não, é péssimo. Sabe por quê? Vai aumentar o protecionismo, virar uma série de coisas protecionistas. A gente vai ter uma reunião agora em Abu Dhabi da Organização Mundial do Comércio sobre a tentativa de aumentar subsídios da Europa e da Índia porque a heterodoxia que você percebe nas coisas do Green Deal tem um percentual elevadíssimo de mecanismos de proteção. Não se trata, digamos assim, de uma política moderna, não. Eles querem criar de alguma forma a defesa para os seus, criando dificuldades para nós. Então imagina você aparecendo uma soja brasileira ou argentina, dando de 20 a 0 nesses países. Eles estão buscando achar uma forma heterodoxa de criar problema.

Em quatro meses, a gente vai ter eleições para o Parlamento Europeu. Você vê alguma mudança com essas eleições? Tem dois lados da sua pergunta importante. Um lado é a onda liberalizante ou de direita que vem varrendo a Europa e que, na minha opinião, vai continuar. O outro lado é o ambiente interno. Esse movimento que nós estamos vendo de tratores, amanhã, vai ser o povo na rua reclamando de custo de vida, reclamando das políticas. Então, eu acho que o processo na Europa está começando.

E a nossa equipe política? Estamos bem preparado em relação à diplomacia no Brasil? Nós temos lá na Abag, e com as outras entidades do agro, nós temos uma preocupação grande de um tempinho para cá, nós estamos forçando uma lógica de coordenação de esforços principalmente para levar lá para fora a realidade brasileira. É óbvio que há aquela coisa ‘nós não somos inocentes’, que o é interesse deles, mas há um problema grave de narrativas do que faz o Brasil, da imagem do que faz. etc. Nós temos que fazer isso, nós vamos fazer. Estamos procurando o governo. É difícil? É. Tem muita divisão nesse governo, portanto é difícil. Mas, a gente está assumindo a nossa parte nesse processo. Eu mesmo, pessoalmente, com a Abag estou indo na reunião ministerial, não é do [setor] privado, é uma reunião de governo, mas eu estou indo no bastidor, ficando com eles como setor privado para debater essa loucura de Índia e de União Europeia.

Agora, esse processo do agro, de um tempo para cá, de um ano para cá, a gente tem recebido apelidos por parte do governo que são obviamente muito negativos e que espelham uma questão de ideologia. Mas, a nossa ideologia é com a terra, a gente acorda bem cedinho, enfrenta tudo o que é clima, todos os riscos de produção, o nosso negócio é produzir. O Brasil tem a balança comercial, 50% dos nossos são do agro. Os outros 25% da balança comercial são de minérios. Nós estamos falando que 75% é agro e minérios. Então é óbvio que se um governo fosse atuar no sentido de defender aquilo que lhe é vital, deveria ser nesse campo, mas não está sendo assim.