Saem os produtos petroquímicos, entram os insumos feitos de óleos vegetais: mudança é urgente e necessária

O planeta inteiro, cada vez mais, sofre com as mudanças climáticas. São inúmeras as consequências do aquecimento global e algumas delas já podem ser sentidas. Os cientistas já observam que o aumento da temperatura média do planeta tem elevado o nível do mar, devido ao derretimento das calotas polares, o que pode ocasionar o desaparecimento de ilhas e cidades litorâneas e, consequentemente, de suas populações. Além disso, a tendência é que soframos cada vez mais com eventos externos climáticos, como tempestades, inundações, ondas de calor e de seca, furacões e tornados, que trazem graves consequências para os humanos e os ecossistemas naturais, ameaçando diretamente plantas e animais. O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU de abril de 2022 indica que as emissões nocivas de carbono de 2010-2019 foram as mais altas na história da humanidade, com aumentos de emissões registrados “em todos os principais setores do mundo”. 

Diante desse cenário, é essencial que toda atividade humana seja revisada a fim de descobrir de que forma ela pode ser executada de maneira menos agressiva ao meio ambiente. Para além das atividades mais “óbvias” que contribuem para as mudanças climáticas, como a queima de combustíveis fósseis para geração de energia, atividades industriais e de transportes, descarte de resíduos sólidos e desmatamento, há outros setores que também lideram entre os mais poluentes. É o caso do setor de cosméticos, por exemplo. A produção convencional desses produtos utiliza mais de 10 mil POPs (Poluentes Orgânicos Persistentes), que são substâncias resistentes à degradação, por isso permanecem no ambiente e o prejudicam, ou ainda se acumulam no organismo humano e podem acarretar em problemas de saúde. 

Microesferas de plástico presentes em produtos cosméticos e de higiene pessoal são nocivas ao meio ambiente (Divulgação/Brasil BioFuels)

Além disso, há o problema do volume de resíduos plásticos: além do plástico estar presente nos cartuchos e embalagens, que muitas vezes são descartadas de forma incorreta e acabam virando lixo acumulado nas cidades ou poluição nos mares, ele também aparece na forma de microesferas dentro dos próprios produtos, como sabonetes e cremes. O Brasil é o quarto país no ranking de maiores consumidores de produtos de beleza e higiene do mundo, atrás apenas dos EUA, China e Japão. Ou seja: esse problema é nosso. Mas o caso da indústria da beleza é só um exemplo para um buraco que é muito mais embaixo: o uso de produtos petroquímicos de modo geral, problema também de segmentos como limpeza, indústria farmacêutica e setor alimentício. Segundo estudo da petrolífera britânica BP, conforme dados de 2016, o petróleo como matéria-prima tem reservas mundiais para 50,6 anos. 

A boa notícia é que a maioria desses produtos podem ser substituídos por insumos produzidos a partir de óleos vegetais — o que pode trazer benefícios ambientais e econômicos também. Os óleos vegetais são uma fonte renovável e mais sustentável do que os produtos petroquímicos, que são derivados de combustíveis fósseis e esgotáveis. E os benefícios econômicos aparecem especialmente para países que produzem esses óleos em grande escala. Isso pode criar novas oportunidades de emprego e ainda aumentar a renda de comunidades que dependem da produção de óleos vegetais. 

Óleos vegetais são alternativas sustentáveis aos petroquímicos (Pixabay)

“A substituição de ingredientes petroquímicos por insumos de origem vegetal é um ponto importante no caminho da sustentabilidade, mas não é uma solução sozinha. Os ingredientes petroquímicos não são renováveis, uma vez que o petróleo é fruto de um longo processo de decomposição de matéria orgânica. Então, depender somente dessa fonte para produzir insumos para a indústria não é sustentável e caminha para o esgotamento de um recurso natural”, explica Daniela Tristão, Bacharela em Química pela USP e mestranda em Química de Produtos Naturais pela UFABC. 

“Fora isso, também há questões relacionadas à emissão de poluentes nos processos produtivos e à biodegradabilidade de alguns insumos gerados a partir do petróleo. Já os insumos de origem vegetal podem ser considerados renováveis, uma vez que são obtidos de plantas, as quais podem ser cultivadas para este fim, e podem assim fazer parte de um ciclo mais sustentável para geração de insumos para a indústria. Entretanto, embora essa substituição possa ajudar a minimizar os danos ao planeta, ela não é uma solução sozinha, se como sociedade não repensarmos sobre o nosso nível de consumo. A produção de insumos vegetais, para ser mais sustentável, não pode ser extrativista. Precisa ser controlada e monitorada”, completa. 

“O segmento cosmético com certeza já pode e já tem investido nessa substituição. Muitos consumidores têm buscado marcas com linhas orgânicas, veganas ou sem ingredientes petroquímicos. É uma realidade crescente. O segmento de produtos de limpeza também tem muitas oportunidades nesse sentido, bem como o segmento de adjuvantes para produtos agrícolas”, cita a especialista. 

Novidade no mercado 

Nesse sentido, já desponta o trabalho da Brasil BioFuels – BBF. A empresa brasileira que atua no agronegócio desde o cultivo sustentável da palma de óleo, produção de biocombustíveis e geração de energia elétrica renovável expande seu portfólio de atuação e apresenta mais uma vertical de negócio: uma unidade especializada na produção de insumos renováveis para atender diversos segmentos — como agrícola, cosmético, alimentício, limpeza a farmacêutico. A primeira planta da chamada BBF BioTech está localizada no Estado de Rondônia. 

Óleo de palma é uma das possibilidades para substituição (Divulgação/Brasil BioFuels)

“É algo totalmente novo para nós. Estamos falando de insumos que serão usados nas formulações de produtos cosméticos, como cremes e loções, então temos que ter cuidado, pois exige um tratamento muito diferente. Enviamos produtos finais para testes de fatores como cor, cheiro e alergia. São passos que sabemos que demandam tempo, mas que são fundamentais para avançarmos. Disponibilizaremos as novidades para clientes que desejarem fazer parte dessa cadeia de produtos verdes”, adiantou o CEO da companhia, Milton Steagall. 

A essência do trabalho inédito dentro da companhia é justamente substituir o uso de produtos petroquímicos por matérias-primas renováveis. Os insumos da linha de produtos batizada de AmazonBio Care são produzidos de forma sustentável — a sustentabilidade é um dos grandes pilares da empresa — partindo de óleos vegetais, como o óleo de palma e o óleo de palmiste (que é a noz do fruto da palma), já cultivados pela BBF no Norte do país há muitos anos. A produção é amiga do meio ambiente: além de recuperar áreas já degradadas da Floresta Amazônica, o cultivo sustentável da palma de óleo realizado pela BBF captura mais de 463 mil toneladas de carbono anualmente e gera milhares de empregos no campo, uma vez que nem o plantio nem a colheita podem ser mecanizados. A companhia é pioneira no modelo de negócio verticalizado, isto é, que vai desde o cultivo sustentável até o desenvolvimento de insumos para atender diversas indústrias do mercado, passando pela produção de biocombustíveis e geração de energia renovável para localidades isoladas da região Norte. 

“O óleo de palmiste está presente de 65 a 70% dos produtos que estamos fazendo nessa nova fase. Quisemos entender isso lá atrás, se existia a possibilidade de trabalhar com ele de forma 100% renovável e qual seria o tamanho do desafio. E assim começou e foi sendo construído todo esse processo, que foi de muito estudo e desenvolvimento”, contou.

Laboratório BBF BioTech (Divulgação/Brasil BioFuels)

Na nova planta, localizada em Ji-Paraná (RO), podem ser produzidos dez tipos diferentes de insumos renováveis – estes, além de utilizados em produtos de higiene pessoal, limpeza e cosméticos, ainda podem ser empregados em formulações de herbicidas e inseticidas na agricultura ou como solventes industriais. Além dos princípios de produção não agredirem o meio ambiente, os produtos são biodegradáveis — isto é, fabricados com materiais rapidamente decompostos no meio ambiente — e foram testados para que não irritem os olhos ou a pele, respeitando as principais referências técnicas de controle de qualidade disponíveis no mercado. O investimento da nova planta em Rondônia é de aproximadamente R$ 33 milhões e sua capacidade instalada de produção é de 3.000 toneladas por mês. 

Com o objetivo de promover a inovação no setor, o Grupo BBF estabeleceu parcerias com os principais centros de pesquisa universitários do Brasil, como UNICAMP, IPT e USP. A companhia registrou, somente em 2022, 11 patentes aplicadas nas áreas de cosméticos, limpeza, farmacêutico, alimentícia e biocombustíveis. Com a nova linha, a BBF reforça seu compromisso com o desenvolvimento socioeconômico e a preservação ambiental da Amazônia e também com o investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação. 

Próximos passos 

Alinhada com a visão de longo prazo da Companhia, uma segunda planta industrial da BBF BioTech está em construção, com inauguração prevista para o segundo semestre de 2023, em Manaus  (AM). O investimento nesta segunda unidade será de cerca de R$ 90 milhões. Sua capacidade instalada, na primeira fase do projeto, também será de 3.000 toneladas ao mês – dobrando assim a capacidade produtiva total da BBF BioTech e permitindo o crescimento no portfólio de produtos disponíveis no mercado.