Seca na região Norte deixa Floresta Amazônica ameaçada e pode ser ‘gota d’água’ para crise climática

A forte seca e incêndios que atingem o Amazonas e outros Estados da região Norte aumentam a cada dia. Para se ter ideia, na semana passada o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), decretou estado de emergência ambiental por 90 dias. Em meio a um período de secas severas, o Estado registrou o pior índice de queimadas do ano. De acordo com o levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados 6.991 focos de incêndio em setembro, segundo pior resultado para o mês desde 1998. Em agosto, os dados também demonstraram alta, com mais de 5,4 mil focos de incêndio. Amapá e Roraima também sofrereram com queimadas acima da média no mês de setembro. Em busca de medidas para amenizar os danos e prejuízos, uma comitiva de ministros, liderada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) — que também é ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio —, desembarcou em Manaus nesta semana para verificar a situação local. Além de ter se reunido com autoridades, como o governador Wilson Lima e prefeitos, a comitiva do governo federal visitou comunidades afetadas e conversou com lideranças locais, empresários e representantes da sociedade civil.

Para explicar a seca histórica na região Norte, o site da Jovem Pan News falou com Philip Martin Fearnside, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), membro da Academia Brasileira de Ciências e que já foi identificado como o segundo cientista do mundo em citações sobre aquecimento global. De acordo com o especialista, o motivo dessa forte seca e dos incêndios é o fenômeno El Niño, causado por aquecimento de água na superfície do Oceano Pacífico equatorial. “Uma mancha na parte leste do Oceano Pacífico equatorial já está bem quente, ainda mais do que era durante o El Niño ‘Godzilla’ de 2015-2016. Esta mancha está se alargando, chegando ao Pacífico, que é a região que provoca os fenômenos El Niño do tipo que aconteceu em 1982-1983. Estes aquecimentos no Pacífico afetam principalmente a parte norte da Amazônia, mas, ao mesmo tempo, temos uma mancha de água quente no Oceano Atlântico norte tropical, o que implica em seca na parte sul da Amazônia, como aconteceu em 2005 e 2010”, explica.

E a situação corre o risco de piorar. Isso porque as chuvas previstas para a região devem atrasar nesta estação. Inclusive, Feanside alerta para uma época chuvosa mais seca do que o normal. “O início das chuvas deve atrasar com relação ao normal. Devemos ter uma época chuvosa mais seca do que o normal. Isto pode resultar não só em uma vazante extrema este ano, mas também a manutenção de níveis baixos em 2024”, destaca o especialista, que ainda cita, com preocupação, impactos ambientais. “Além da vazante mais forte, há temperaturas do ar recordes, deixando a água mais quente do que é tolerado por muitos peixes, botos e outros organismos. Essas condições também implicam em menos oxigênio na água, agravando a situação para peixes. Na terra, o clima quente e seco leva a algumas árvores morrerem em pé por falta d’água. Quando a temperatura aumenta, qualquer planta precisa de mais água, e justamente agora não está chovendo. Também favorece incêndios florestais, matando árvores e outras espécies”. Em relação aos impactos na cadeia econômica, Philip afirmou que o transporte fluvial já está “seriamente” afetado pela vazante, o que atinge também todas as cadeias econômicas que dependem disso.

Fearnside lamentou que o aviso sobre a chegada do El Niño não foi aproveitado pelas autoridades para preparar os impactos. “Este grande El Niño foi previsto em dezembro do ano passado, graças a avanços científicos recentes que permitem prever estes eventos com mais antecedência. Evidentemente, o aviso não foi aproveitado para preparar para os impactos. Mais fundamentalmente, já é reconhecido desde o quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), lançado em 2007, que o aquecimento global leva a mais condições tipo El Niño. A frequência de grandes El Niños já aumentou muito, e se continuar o aumento da temperatura global deve piorar bastante”, disse. Ele ainda fala que o país será uma das maiores vítimas do fenômeno. “Se o aquecimento global fugir do controle humano, o que infelizmente está bem perto a acontecer, o Brasil deve ser uma das maiores vítimas, perdendo a Floresta Amazônica, a agricultura no Nordeste – que sustenta dezenas de milhões e pessoas –, além de grande parte da produção do agronegócio, sem falar na habitabilidade de muitos locais no país”, acrescenta.

Com essa previsão, o especialista avalia que a perda da Floresta Amazônica pode ser a “gota d’água” para uma crise climática. “O Brasil está no centro desta questão, pois a perda de grandes áreas adicionais de Floresta Amazônica pode emitir gases que seriam a gota d’água para a crise climática, empurrando o clima global para fora do controle humano. Infelizmente, muitas das políticas públicas no Brasil estão indo na direção mais perigosa: abrindo estradas como a rodovia BR- 319 (Manaus-Porto Velho) que implicam em vastas áreas de desmatamento, apesar de um discurso político negando este fato, e a abertura de novos campos de gás e petróleo, como os propostos na foz do rio Amazonas e na ‘área sedimentar Solimões’ no estado do Amazonas”, completou.