Taxa sobre emissões de gases de animais começará a valer em 2025

A Nova Zelândia definiu a data que entrará em vigor a primeira taxa do mundo que vai incidir sobre as emissões de gases de animais em fazendas. Esse imposto, que tem como justificativa o atingimento das metas climáticas do país, vai começar a valer no quarto trimestre de 2025. O ministro da Agricultura, Damien O’connor, afirma que “o crescimento futuro das exportações de alimentos e fibras dependerá da demonstração de suas credenciais de sustentabilidade”. O governo diz ainda que “exigido pelo governo ou não, o setor agrícola terá que se adaptar nos próximos anos e reduzir as emissões, já que essa é uma realidade empresarial no século XXI”. Do lado dos pecuaristas, a organização de produtores de carnes Beef + Lamb New Zealand disse estar consternada com o anúncio e que não há justificativa sólida para a fixação de preços ao produtor quando o setor está fazendo um bom progresso no cumprimento das metas de redução de emissões. A entidade diz ainda que a política de taxar as emissões diminuirá a produção e fará com que outros países menos eficientes tomem o lugar da NZ e aumentem as emissões globais. Sobre a primeira taxa agrícola para emissões de gases de animais, conversei com ex-secretário de clima e relações internacionais do Ministério do Meio Ambiente Eduardo Lunardelli. Confira:

Por que a Nova Zelândia está tomando a dianteira e criando o que eles chamaram de ‘primeira taxa agrícola sobre gases de animais criados dentro de fazenda do mundo’? É bastante assustador, né? Para quem conhece a Nova Zelândia ou para quem não conhece a Nova Zelândia, é um dos países mais formidáveis na produção pastoril de animais. A produção de leite na Nova Zelândia, que é um sistema onde a cadeia de produção é absolutamente coordenada e extremamente eficiente, acima de tudo baseada no pasto. É um sistema único no mundo de produção de leite, eles são extremamente eficientes, é o item mais importante da economia do país. Tem também a produção de fibras de lã, a ovinocultura que também tem o papel muito importante na economia no país e como eu mencionei, eles têm uma eficiência extraordinária.

E exatamente pelo fato de trabalhar com sistema a pasto, eles têm baixíssimo nível de emissões. Eles não só são muito eficientes na coordenação da cadeia, na produção de leite, na exportação de leite e de lã, como é uma indústria extremamente avançada e gera muita prosperidade para o país. Então a gente fica assustado de ver esse tipo de iniciativa e sequer compreender exatamente o perfil de remoções, aquilo que se retira de gás carbônico da atmosfera eles sabem dizer. Então, eles estão avançando para taxar o produtor rural por cotas e punição à produção, ao sistema pastoril de carne, leite e fibras e sequer admitem que não tem um conhecimento detalhado daquilo que é o benefício, que é a remoção de gás de efeito estufa empreendido pela  atividade. O que a gente pode esperar certamente para o país é um problema econômico que eles estão efetivamente atacando aquilo que eles têm de melhor e são os mais competitivos no mundo certamente na produção de leite. A gente precisa aguardar para ver o que vai acontecer, mas é um pouco assustador, confesso.

Me chamou atenção quando você destaca que a gente tem nessa criação de uma taxa agrícola para emissão de gases talvez uma mudança de paradigma em que não estamos falando mais de compensação nas emissões, mas de taxar a emissão no sentido de tentar frear iniciativas que emitam gases considerados gases de aquecimento global. Isso é uma mudança de paradigma quando a gente olha para a agenda verde e a produção de alimentos no mundo? Na realidade não é. Isso é a percepção que as pessoas têm do sistema de que a turma chama de crédito de carbono, mas desde o início dessas discussões climáticas globais, existe um objetivo muito claro de prejudicar não só a produção de energia como a produção de alimentos. Então, essa manifestação dessas iniciativas de controle forçado imposto pelo Estado, pelo governo, das emissões de gases de efeito estufa, onde se despreza as remoções, é a manifestação daquilo que já estava planejado. Na realidade não é uma inovação. Agora, a realidade dos objetivos planejados ao longo das últimas décadas começa vir à luz. Eu posso dar um exemplo bastante significativo disso que é a forma como o IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima] categoriza aquilo que eles chamam de setor agropecuário. Aquilo que eles chamam de setor agropecuário somente contempla as emissões de gases de efeito estufa. Todas as remoções, os sequestros de carbono feitos pela atividade entram em outra categoria, em outro setor, que eles chamam de uso da Terra. Tudo isso é muito bem articulado. Não sei exatamente com quais objetivos, além de evidentemente rearranjar sistemas econômicos importantes para que isso seja feito. Mas, na minha experiência, no meu conhecimento naquilo que eu acompanho há alguns anos, todo esse sistema climático global para mim não é nenhuma surpresa.

Quando a Nova Zelândia cria a primeira taxa de emissões de animais, ela está tentando de alguma maneira desestimular a produção porque daí você tem um aumento de custo e alguns podem eventualmente migrar para uma outra atividade? Eu acho que tem, mas é muita falta de informação e ignorância da parte desses desses políticos, honestamente. O governo neozelandês está dizendo que isso é uma necessidade do mercado, que o consumidor demanda esse tipo de coisa. Isso não é verdade. Não vemos o consumidor botando a mão no bolso para pagar mais caro por um produto que já não é barato. Leite é um produto nobre, simplesmente porque alguém está dizendo que está fazendo mal para o clima. Isso não acontece na prática. O que acontece são os tecnocratas, os burocratas, e todo esse sistema, esse lobby gigantesco que existe por trás desse desse movimento de emergência climática, que evidentemente envolve trilhões de dólares, de tirar alguma vantagem econômica, alguma vantagem geopolítica, mas não existe na minha opinião de forma alguma uma demanda do consumidor propriamente para pagar mais caro por produtos alimentícios.

Há uma tendência de que essa decisão tomada na Nova Zelândia seja replicada por outros países? Acho que existe uma tendência de que isso avance, mas não de forma muito forte. Existe essa falha grave contábil, onde eles categorizam como setor agropecuário somente aquilo que o setor agropecuário tem de débitos, ou de emissões. E todas as remoções, os créditos, não entram como setor agropecuário. Então existe essa percepção dos políticos, dos burocratas e também da opinião pública, quando acompanham a esse tipo de notícia de que agricultura é muito pior para o clima do que na realidade é, especialmente num país que tem uma característica parecida com o Brasil, que é a Nova Zelândia, em que a pecuária se baseia basicamente, quase que exclusivamente, na pastagem, e a pastagem faz fotossíntese. É exatamente a fotossíntese que está sequestrando gases de efeito estufa e reciclando no sistema de circuito fechado. O que o animal está emitindo de gases está sendo depois reciclado pela própria pastagem que ele consome e portanto é um ciclo fechado, na realidade.

Isso pode trazer oportunidades para a agricultura brasileira, pensando no mercado concorrencial? Eu acho que traz oportunidade para todos os concorrentes da Nova Zelândia, mas ainda assim, no caso específico do leite, o Brasil não consegue competir com a Nova Zelândia. A Nova Zelândia, especificamente no caso do leite, é muito mais eficiente do que o Brasil, no seu custo de produção eles são os melhores do mundo. Eles produzem o leite mais barato do mundo por competência deles, por um trabalho muito bem feito, pela coordenação que é feita na cadeia como um todo. Eu posso até exemplificar o fato de que toda indústria da cadeia do leite são cooperativas, tanto a indústria que processa o leite como as indústrias que dão suporte técnico, de avaliação genética, etc. São todas construídas em cima de sistemas de cooperativas. Agora, eles também produzem carne, é um player pequeno no mercado de carne, é um player importante no mercado de ovinos. Acho que nesses dois outros mercados para o Brasil, especialmente na produção de carne, embora na produção de carne bovina eles sejam pequenos, é uma oportunidade. Porque eles estão, na minha opinião, esquecendo que o mundo é composto na maior parte das pessoas por sociedades mais pobres, que precisam de baixo custo de alimentação. Eles estão muito focados talvez aí na Suíça. A Nestlé, por exemplo, é uma grande compradora da Fonterra, que é essa cooperativa neozelandesa, e estão esquecendo que isso é uma minoria da população global. Então, acho que sim, acho que a seguir nesse caminho eles vão abrir flancos para seus concorrentes.

Qual é a principal mensagem que deve ficar da audiência da Jovem Pan e audiência do agro? Por que esse tema é tão importante? Ele é um tema muito importante na minha opinião, porque existem distorções gravíssimas na condução dessas políticas ambientais, especificamente na condução da política climática. Nós estamos falando de dois setores vitais para o funcionamento de qualquer sociedade moderna, que são o setor energético e o setor de produção de alimentos. Nós somos testemunhas de uma guerra que está ocorrendo na Europa, que é a guerra da Ucrânia, que tem como um dos seus componentes, justamente, as políticas climáticas que foram estabelecidas na Alemanha, onde transacionaram grande parte da sua matriz elétrica para o gás natural, que é de fato um menor emissor de gases de efeito estufa. Mas, ao fazê-lo, caíram no colo da Rússia e passaram a ter dependência energética brutal da Rússia, algo como 50% da fonte de energia deles. Os mesmos ambientalistas que defendem essas políticas são aqueles que defenderam o fechamento das usinas nucleares, que são os carbono neutro. Então, esse é o tipo de coisa que, no limite, pode trazer, além de problemas econômicos, problemas geopolíticos muito sérios, como esse que a gente está observando. É importante que a audiência passe cada vez mais a conhecer mais profundamente esse assunto, porque embora a gente tenha que, evidentemente, combater mudanças climáticas e poluição, que não têm nada a ver com mudanças climáticas, isso tem que ser feito pari passu com as leis da natureza no que se refere principalmente ao sistemas econômicos, com calma com parcimônia e sem radicalismo. Temos visto posturas muito radicais serem adotadas e forçadas mundo afora.