Técnico campeão olímpico diz que foi ‘cancelado’, vê contratação de estrangeiros como ‘modismo’ e defende Diniz na seleção

Há cerca de sete anos, o Brasil tirou um fardo das costas ao vencer a Alemanha e ser campeão olímpico de futebol pela primeira vez, na Rio-2016. O técnico daquela conquista foi Rogério Micale, pouco conhecido no cenário nacional, mas que já possuía um bom trabalho nas categorias de base do Atlético-MG. Após o título, o treinador até recebeu oportunidades em alguns clubes, com o próprio Galo, Figueirense e Paraná. Todas as passagens, entretanto, foram curtas e terminaram de maneira decepcionante. À frente da seleção sub-23 do Egito há um ano, Micale comemora a classificação para a Paris-2024, mas também analisa os motivos de não ter emplacado no futebol nacional. Em entrevista exclusiva ao site da Jovem Pan, o profissional de 54 anos alega fazer parte de uma geração “cancelada” e critica a “moda” dos estrangeiros — são 11 técnicos gringos na Série A do Brasileiro, recorde na história do campeonato.

“No Brasil, vivemos de fases. Já tivemos fases dos medalhões, dos interinos e, agora, dos estrangeiros. Agora, a moda é ter estrangeiros. Os brasileiros foram rotulados como defasados e sem estudo. Isso ficou generalizado. Isso foi repercutido pela nossa imprensa também. Eu não sei se a mídia estava errada, mas eu estudei. Fiz educação física, fiz a Licença Pro e colhi conhecimento de seleções de outros países. Só que nós fomos queimados rapidamente quando surgimos. Não tivemos tempo para dar resultado e acabamos cancelados… Eu, André Jardine, Osmar Loss. Trabalhamos em clubes que atravessavam momentos difíceis. Era difícil atender às expectativas. Então, o que aconteceu? Fomos buscar espaço em outros mercados, onde poderiam nos valorizar. No meu caso, tenho mercado muito mais forte fora do país. Hoje dificilmente me vejo no futebol brasileiro. Isso pelas possibilidades, pelos clubes e seleções que podem brigar por algo, o que eu não conseguiria no Brasil”, analisou Rogério Micale.

Sem querer generalizar, Micale vê que parte da comunidade do futebol supervaloriza os comandantes estrangeiros. Em meio a este movimento, no entendimento do técnico campeão olímpico, falta coragem aos dirigentes para bancar os profissionais locais. “E aí também entram nossos executivos, né? Falta coragem! Isso não é de hoje. Eles sentem a pressão externa e atendem a moda. Muitas vezes, nem avaliam currículo. Alguns treinadores dirigem times da Série A do Brasil sem currículo nenhum, seja aqui ou no exterior. Não estou generalizando, mas alguns são contratados por serem portugueses ou argentinos. Sou contra o modismo. A única coisa que está importando é a nacionalidade. E a gente só se prende aos trabalhos bons, como os de Abel Ferreira, Jorge Jesus e Sampaoli. E os outros que não conseguiram resultados? No Brasil, estão generalizando os brasileiros de forma que não fazem lá fora. Estão tratando os treinadores brasileiros de forma pejorativa”, emendou. “O que me deixa chateado é que estamos jogando no lixo uma safra de bons treinadores”, acrescentou.

Reflexo na seleção brasileira

No mês passado, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ednaldo Rodrigues, confirmou que Fernando Diniz será treinador da seleção principal por um ano. Segundo o cartola, há um acordo verbal com Carlo Ancelotti, atualmente no Real Madrid, para assumir a Canarinho na sequência — o italiano deve ficar à frente da Amarelinha até a disputa da Copa do Mundo de 2026. Para Micale, esta estratégia escancara a falta de convicção no trabalho dos profissionais do Brasil. “O dirigente da CBF não tem a coragem suficiente para bancar o Diniz como treinador da seleção. Aí eles fazem esse jogo. Para mim, isso é um jogo. Eles colocaram o Diniz, que tem ideias completamente diferentes das do Ancelotti. Aí, lá na frente, se o Ancelotti falar que não vem, eles vão avaliar o trabalho do Diniz. Se ele foi bem, fica. Então, eu vejo uma falta de coragem, uma falta de convicção”, analisou.

No entendimento de Micale, o atual comandante do Fluminense deveria ficar no cargo até o próximo Mundial. “Para mim, o Diniz representa o DNA do futebol brasileiro. Ele e Dorival Júnior são os melhores treinadores do país. Eles representam a ideia do futebol brasileiro, cada um com sua característica. O Diniz é um cara que é muito específico, enquanto o Dorival se adapta com o que ele tem em mãos. Agora, com essa rejeição aos brasileiros, é difícil pegar um dirigente que ‘bata no peito’ e escolha por convicção”, declarou o profissional, que também questiona essa “troca de bastão” planejada pela CBF. “Vai precisar de uma readaptação. Agora, se existe uma coisa que podemos falar do Ancelotti, é que ele se adapta rapidamente com o que tem em mãos. Ainda assim, o trabalho do Diniz é muito autoral. Não sei se o Ancelotti vai conseguir se adaptar porque é muito autoral. Seleção não é igual clube, sempre é preciso otimizar tempo. O grosso é trabalhar coletivamente, não por setores. E isso é difícil fazer com pouco tempo de treinamento. São detalhes que a maioria dos torcedores não sabe. A única vantagem da seleção é poder contar com os melhores de seu país. Mas, resumindo, vai ser difícil para adaptar. Será um tempo desperdiçado”, finalizou.