Texto da reforma tributária deixa governadores, prestadores de serviços e donos de imóveis angustiados

Após os deputados Aguinaldo Ribeiro (PP) e Reginaldo Lopes (PT) apresentarem o texto substitutivo da PEC nº 45/2019 da reforma tributária, alguns setores e analistas demonstraram preocupação com a redação apresentada. Um dos principais receios está relacionado ao aumento dos tributos, o que pressionaria os custos de bens e serviços. Analistas observam que essa elevação de preços acaba gerando inflação e, consequentemente, impactando negativamente a economia do país. Para eles, ainda não está claro se haverá um aumento geral da carga tributária para todos os contribuintes, mas certos setores devem ficar atentos, pois provavelmente enfrentarão turbulência. Advogado tributarista e sócio do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados, Janssen Murayama pondera que a implementação de uma alíquota única para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) resultará em um aumento da carga tributária para os prestadores de serviços, que passarão a ser tributados da mesma forma que as mercadorias. Além disso, é esperado um aumento na tributação da renda, seguido por uma diminuição da tributação sobre a folha de salários e sobre o consumo de bens e serviços. Essa redução já recebeu críticas por ser considerada improvável de ocorrer, sendo apelidada de “na volta a mamãe compra”. Outro ponto de aflição é o aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), uma vez que mais de 5 mil prefeitos poderão atualizar o valor venal dos imóveis por meio de simples decretos, sem a necessidade de aprovação de uma lei. No caso do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), ele passará a incidir sobre embarcações e aviões, o que resultará no aumento do custo das passagens em geral.

Leonardo Roesler, advogado especialista em direito tributário, recorda uma recente declaração do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, de que a reforma tributária proposta coloca em risco a autonomia dos Estados e é preocupante para a democracia brasileira. Segundo o especialista, a tensão evidencia a grande preocupação com a possibilidade de ampliação da carga tributária federal, desfavorecendo Estados e municípios. É uma inquietação compartilhada por outros governadores e profissionais da área tributária. “A crítica central de Caiado parece residir no pressuposto de que a reforma tributária favorecerá desproporcionalmente as indústrias em detrimento de setores como o rural, de serviços e das cooperativas. Esta observação incide diretamente no princípio da capacidade contributiva, uma das pedras angulares de nosso sistema tributário, que postula que os impostos devem ser proporcionais à riqueza de cada um. No meu ponto de vista, no âmbito da reforma tributária, um dos pontos de maior controvérsia é o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que pretende unificar diversos impostos e contribuições. Este novo imposto pode trazer complexidades na repartição de receitas entre União, Estados e municípios, fato que corrobora a afirmação do governador Caiado sobre o risco à autonomia dos Estados. Se a nova divisão de recursos advindos do IBS favorecer desproporcionalmente a União, a autonomia de Estados e municípios pode ser efetivamente comprometida. Isso porque a capacidade de arrecadar impostos e aplicar esses recursos, de acordo com as necessidades locais, é um elemento crucial da autonomia estadual e municipal”, analisa.

O tributarista complementa que a autonomia tributária é indispensável para a manutenção da federação brasileira, garantindo uma gestão eficiente e de políticas públicas ajustadas à realidade de cada região. “Esta preocupação se justifica, especialmente diante de nossa estrutura federativa, onde há uma clara repartição de competências tributárias entre os entes federados. O enfraquecimento desta autonomia fiscal poderia conduzir a um desequilíbrio federativo, com possíveis prejuízos à democracia brasileira, como o próprio Caiado aponta. Nesse sentido, é fundamental que o debate sobre a reforma tributária esteja pautado pela necessidade de preservar a competência tributária dos Estados e municípios, garantindo sua autonomia e, consequentemente, a manutenção do pacto federativo. Entendo que sobre a crítica à falta de investimento em capital humano e pesquisa por parte das grandes indústrias, deve-se considerar que o direito tributário também possui uma função extrafiscal, de regular comportamentos. Assim, a reforma poderia, em tese, trazer incentivos a tais investimentos, mas é necessário que esse aspecto seja cuidadosamente considerado e debatido”, considera.

Janssen Murayama também ressalta que outra preocupação se refere à transição para o novo modelo tributário. Ele destaca que a implementação completa do novo sistema e a extinção do atual só ocorrerão em 2033. “Durante esse período, mudanças nos Poderes Executivo e Legislativo podem ocorrer e influenciar o andamento da transição. A situação é particularmente delicada na transição do princípio do destino, que está prevista para ocorrer ao longo de 50 anos. Por fim, a devolução de tributos sempre foi um processo complicado no Brasil. No final das contas, quem acaba arcando com a conta são os mais pobres, os beneficiários do cashback”, considera. Leonardo Roesler acrescenta que a reforma precisa equilibrar a simplificação do sistema com a justiça fiscal, respeitando os princípios constitucionais tributários e a autonomia dos entes federativos. “O texto final da reforma deve refletir um consenso, tanto político quanto social, pois afetará não apenas as entidades empresariais, mas todos os cidadãos e a economia como um todo. É importante lembrar que uma reforma tributária, por natureza, envolve negociações complexas entre diversos interesses e atores. Logo, é comum que haja pressões de todas as partes envolvidas para que seus interesses sejam atendidos. Assim, embora as preocupações dos governadores possam também refletir uma estratégia de negociação, isso não diminui a validade dos argumentos que apresentam”, indica. Ele finaliza afirmando que cabe aos legisladores garantir que a reforma seja implementada de forma a preservar a autonomia dos entes federativos e garantir uma divisão justa e adequada da carga tributária.