Um brasileiro na Nasa

Phillipe Tosi, engenheiro da Nasa

Um brasileiro que imigrou para os Estados Unidos com 11 anos e cresceu com o sonho de se tornar engenheiro e, quando mais velho, piloto de aviões… Décadas depois, ele se torna um engenheiro da Nasa com projetos que buscam a vida em planetas e luas do Sistema Solar. O resumo que poderia ser a sinopse de um filme, é parte da vida de Luis Phillipe Tosi.

Entrevistado com exclusividade pelo IT Forum, Phillipe é engenheiro mecânico e aeroespacial e trabalha no grupo de robótica para ambientes extremos do Jet Propulsion Laboratory, na Nasa de Pasadena (Califórnia, Estados Unidos).

Em uma das conversas mais técnicas e difíceis da minha carreira, Phillipe me explicou com detalhes os seus projetos atuais, que vão desde um robô cobra para uma expedição em uma lua de Saturno para encontrar vida, até plataformas de pouso de helicópteros em Marte. Além disso, deu uma aula de paciência no ambiente de trabalho: sua área de atuação é em pesquisas que se tornarão futuros projetos.

Ele explica que a Nasa tem projetos já aprovados pelo Congresso e se tornarão “flight projects”, ou seja, projetos que estão a caminho de serem lançados. Em sua área de pesquisa, são desenvolvidas tecnologias que, ao chegar em um nível tecnológico aceitável, é depois avaliado se “voarão” ou não.

Um de seus projetos, caso realmente se torne realidade, a janela de desenvolvimento acontecerá nos próximos oito ou dez anos e, até virar missão, mais aproximadamente 12 anos. É um trabalho de longo prazo. Então, estaria em voo mais ou menos em 2045/2050. “O tempo de desenvolvimento é algo a ser discutido. A média é entre oito a 12 anos e, nesse ciclo de desenvolvimento tentamos diminuir esse tempo. A Nasa é um pouco mais conservadora e tenta, ao máximo, fazer todos os testes necessários para que dê 100% certo. Em alguns lugares, vemos que 80% de sucesso pode ser o suficiente para testar uma tecnologia”, confidencializa ele.

Confira a conversa na íntegra.

IT FORUM – Como a sua história começa nos Estados Unidos? 

PHILLIPE TOSI – Minha família imigrou para os EUA em 1998 quando eu tinha 11 anos. Eu sempre tive mais facilidade e gostei mais de ciências exatas. Meu avô foi engenheiro e foi uma grande inspiração. Ficou na minha cabeça que eu queria ser engenheiro.

Em 2001, passei para um internato militar e fiz o Ensino Médio lá. Na época, eu queria ser piloto de avião e essa escola era um dos meios de seguir esse caminho. Porém, sendo brasileiro, é muito difícil entrar para a carreira militar. Então, o que me ligou mais à engenharia foi uma experiência nesse colégio. Eu tinha um amigo que mandou carta para várias entidades na política porque queria fazer um estágio na área.

E eu escrevi carta para professores de universidades para tentar um estágio na área de pesquisa. Foram 150 cartas e recebi três respostas: dois nãos e um sim. Entrei para um laboratório na Florida Tech e fui estudar com esse físico durante o verão. Tive muitos professores bons que me motivaram a entrar para a ciência. Consegui uma bolsa para a Cornell University, no estado de Nova Iorque, para o curso de Engenharia Mecânica. Fiz mais seis meses após a graduação para a formação de pós-graduação em engenharia aeroespecial.

IT FORUM – Do começo da sua vida acadêmica até agora, como foi caminhar para chegar à Nasa? 

TOSI – Fiz mestrado sobre Teoria do Controle [dentro da engenharia, se trata do comportamento de sistemas dinâmicos. A saída desejada de um sistema é chamada de referência. Quando uma ou mais variáveis de saída necessitam seguir uma certa referência ao longo do tempo, um controlador manipula as entradas do sistema para obter o efeito desejado nas saídas deste sistema]. Por exemplo, quando há uma mola e um peso, eles se comportam de uma maneira.

Com equações físicas, você modifica esse sistema para que ele responda da forma desejada. Isso pode ser feito, por exemplo, com um campo magnético e o sistema pode ser um robô ou até um satélite. Na época, eu tive uma oferta da petroleira Chevron e trabalhei dez anos lá. Por incrível que pareça, o espaço e a profundeza do mar são parecidos em requerimento de engenharia. Durante esse período com eles, fui para Pasadena (Califórnia) para fazer um doutorado.

Fiz meu doutorado na Caltech focado em engenharia mecânica e fluídos. A ideia da minha tese era desenvolver formas de extração de eletricidade eólica. Em vez de usar as turbinas, a ideia seria usar uma espécie de bandeira (de um material especial) para entender se ao fazer o material vibrar, seria possível extrair energia pela vibração.

A maior parte do doutorado já foi em parceria com a Nasa e em muitas conversas com a minha esposa, decidimos que a melhor opção era ficar em Los Angeles e aceitar a oportunidade de trabalhar na Nasa. Contando o doutorado, desde 2013 trabalho com a Nasa. Mas, eu saí da Chevron há aproximadamente cinco anos.

IT FORUM – Qual o seu atual trabalho na Nasa? 

TOSI – Desde que comecei como colaborador em tempo integral, entrei para a área de pesquisa. Quando cheguei, eles estavam terminando os testes do helicóptero que está em Marte agora. Nós temos uma câmara de vácuo e conseguimos replicar a atmosfera de Marte.

Eu entrei para o meio de robótica e, hoje, opero em pesquisa, tentando entender a interface de robôs com mecânica de fluídos. Meu cargo é Robotics Technologist.

IT FORUM – Quais projetos você está trabalhando hoje que pode compartilhar?

TOSI – Estou no desenvolvimento de um Exobioloby Extant Life Surveyor (EELS) para uma missão em Enceladus, uma das luas de Saturno. O robô tem o formato de uma cobra e carregará instrumentos para fazer medições que ajudarão cientistas a responder algumas perguntas sobre a vida em outros planetas.

O robô tem o formato de cobra, pois precisa ser uma plataforma que consiga andar em uma neve muito fofa e até descer em paredes de gelo. O interessante dessa lua é que ela tem três ingredientes que nos ajudariam a descobrir se há “vida viva”: água, energia e minerais. A lua tem um centro rochoso, que dá os minerais, água líquida (nós acreditamos) e a camada de gelo. Acreditamos que a água se torna líquida, pois a gravidade de Saturno, ao comprimir e relaxar, faz com que esquente o centro rochoso, mantendo o oceano líquido.

Saiba mais: Além da entrevista, o IT Forum visitou o JPL e trouxe dados e curiosidades do centro focado em exploração espacial robótica. Confira:

Acreditávamos que a única área de água líquida que encontraríamos seria mais perto do sol do que a órbita de Saturno. Se esse realmente virar um projeto de voo, a janela de desenvolvimento vai ser nesses próximos oito ou dez anos e, até virar missão, mais aproximadamente 12 anos. Então, estaria em voo mais ou menos em 2045/2050. É uma dessas missões que estamos trabalhando hoje, para mandarmos para o espaço em 15, 20 anos. No caso da lua de Saturno, ainda demora seis anos para chegar lá.

Um terço do meu tempo é focado nesse projeto. Além disso, estudamos uma sonda profunda para perfurar a superfície de Marte em 25 m a 100 m. Marte é um dos lugares que também acreditamos a possibilidade vida extinta ou vida viva. É uma sonda que usaria a atmosfera de Marte como o fluído de trabalho. Nós pegamos a atmosfera de Marte, bombeamos para virar líquido, transferimos esse líquido pra baixo do poço que expande o líquido e usa a expansão como forma de energia para fazer a perfuração.

Outro projeto interessante é um conceito de novos helicópteros para ir para a Marte, agora que provamos que conseguimos voar lá. Um desses conceitos é tentar desenvolver uma forma de pousar esse helicóptero em Marte, para diminuir os custos. O time está desenvolvendo uma plataforma para, quando ele está chegando perto da superfície, ao invés de pousar, o helicóptero fica levitando com jatos e decola dessa plataforma.

Os três projetos estão mais ou menos com o mesmo nível de maturidade, entre dois ou três, de nove na escala de prontidão de tecnologia (technology readiness level).

IT FORUM – Qual o conceito de vida vida e quais as maiores chances de encontrá-las? 

TOSI – Cada cientista tenta encontrar vida em cada projeto que está fazendo. Os projetos de Marte também têm a perspectiva de encontrar vida. Muita gente acredita que talvez a gente possa encontrar vida viva em Marte e na lua de Saturno. São os mais prováveis porque são mais parecidos. Marte continua sendo
um dos lugares mais interessantes.

IT FORUM – Algumas pessoas criticam o trabalho de estudar o Universo, mas não sabem que muitas tecnologias usadas são fruto desse estudo… 

TOSI – Sempre há a discussão do porquê vamos investir dinheiro em ir para o espaço se tem gente com fome na Terra. A meu ver, e nesse ponto da minha carreira, quando tentamos resolver problemas muito difíceis, o processo de engenharia faz você quebrá-lo em problemas menores e mais fáceis e resolve problemas análogos na Terra. E muita tecnologia desenvolvida para esse problema mais difícil acaba sendo aplicada na economia americana ou mundial.

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Uma delas foi a câmera de telefone, veio do nosso laboratório. Essa é uma das patentes que trouxe mais dinheiro para a administradora do laboratório. Com esse investimento feito, a gente consegue extrair pelo menos o que colocamos dentro e às vezes consegue extrair ainda mais. O Programa Apollo (que fez o homem ir à Lua), salvo engano, teve a conta de cada dólar investido, trouxe de volta US$ 16.

O benefício principal é nosso, como humanos, tentando descobrir quem somos nós no Universo. Se a gente descobre vida fora da Terra, é uma maravilha porque descobrimos que não estamos sozinhos no Universo. Todo o conhecimento científicosegue: a Nasa nos anos 50 tinha o propósitode levar o homem à Lua. Hoje, temos uma indústria de foguetes.

IT FORUM – Qual sua opinião sobre empresas privadas desbravando o Universo, como fazem negócios liderados por Jeff Bezos e Elon Musk?

TOSI – Pessoalmente não tenho uma opinião formada. Eu sei que a Nasa fez um investimento grande na SpaceX e esse serviço que as empresas fazem é muito importante porque são eles que estão levando as coisas para o espaço. A Nasa agora tem um novo foguete que é o Space Launch Sistem. Além disso, a maioria dos voos vêm de empresas privadas. Esse serviço é necessário porque a gente precisa do serviço para ir para o espaço.

Na minha opinião, o governo tem a sua área de atuação, mas uma vez que a tecnologia está desenvolvida e evoluída o bastante, o lado privado consegue fazer de forma mais eficiente.

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