Vida de escritora: prazeres e lendas de se trabalhar com as palavras

Não sei há quanto tempo desejo ser escritora, mas parece que esse desejo nasceu comigo, bem como o gosto por Danette. Até escrever um livro, vivi uma longa trajetória. Guardei meus textos a sete chaves, peguei caminhos que me afastaram da escrita, oscilei entre achar que tinha algum talento ou era uma farsa total. O fato é que, aos 40 anos, mãe, diagnosticada bipolar e, depois de muita luta, equilibrada, escrevi um livro sobre a minha história e, com ele, realizei o sonho de ser escritora. Mas, para além do sonho, a escrita sempre teve um papel essencial na minha vida. Escrever é a minha forma de me entender. Como todo mundo, minha vida é feita de altos e baixos. Como bipolar, alguns dos meus altos e baixos costumam ser mais altos e mais baixos do que deveriam. Escrevo para transformar momentos difíceis em histórias e, muitas vezes, rir delas e de mim. O fato é que escrever me ajuda a respirar. Me faz manter a cabeça fora d’água e sobreviver (não financeiramente).

Faz parte do prazer dessa profissão poder trabalhar em qualquer lugar. Me esforço para registrar minhas ideias em tempo real, até porque elas têm o mau hábito de surgir e, rapidamente, sumir. Posso digitar equilibrando o notebook no colo; consigo escrever na fila do cartório ou tomando soro no hospital (app Notas); posso teclar num grupo que tenho comigo mesma no WhatsApp (não tem? Tenha!); ou, ainda, posso guardar uma ideia atrás de uma conta de luz ou de um guardanapo (se não for de pano). Tem algumas lendas a respeito do ofício da escrita. Não é porque sou escritora que devoro livros o tempo todo. Amo as obras literárias com todo o meu coração, mas, para falar a verdade, ultimamente, elas têm se empilhado ao lado do meu travesseiro. Posso dizer que a culpa não é minha, mas sim do Netflix. Ou da Amazon Prime. Até mesmo do combo Disney+ e Star+, esses bandidos. O fato é que, ao ler um livro, temos que botar nossa imaginação para trabalhar. Não tem nada mais mágico do que isso, mas, quando ligamos um seriado, não é preciso imaginar. As imagens vêm mastigadas e bem mais fáceis de engolir – com aquela águinha que trazemos para o quarto –, sobretudo, quando estamos exaustos.

Não é porque sou escritora que não cometo erros de português. É verdade que o Word, o Google Docs e o Gmail dão uma baita força para que eu não passe vergonha. Mediante qualquer palavrinha mal escrita, erro gramatical ou vírgula mal posta, eles fazem a gentileza de sublinhá-los e até sugerirem a correção, preenchendo os gaps das aulas de português em que passei conversando. Agora, na linguagem oral, ainda não inventaram corretor automático. Vira e mexe assassino a língua portuguesa e ouço: “Que vergonha, uma escritora falando errado!”. O que eles não sabem é que nem sempre são erros. Às vezes é puro estilo. Não tem nada mais gostoso do que falar gírias e, eventualmente, desconsiderar o plural. Sem contar com os palavrões que, algumas vezes, caem tão bem quanto um chocolate quente num dia frio. Para ser sincera, meu objetivo como escritora nunca foi ser famosa. Minha satisfação vem de saber que as pessoas se identificam com meu texto e, com isso, se sentem menos sozinhas. Não é puro altruísmo, não, já que, nessas horas, também me sinto menos sozinha. Me alegra quando meus textos tiram sorrisinhos ou, com sorte, algumas risadinhas. Isso faz com que os leitores esqueçam, por um instante, dos seus problemas e que eu, enquanto escrevo, esqueça dos meus. Quais eram eles mesmo?