Ausências e Brics em destaque colocam Brasil em posição privilegiada na cúpula do G20

O primeiro-ministro da Índia será o anfitrião do evento, realizado na capital Nova Delhi. Narendra Modi vai abrir a reunião com as vinte maiores economias industrializadas do mundo cheio de moral. Revisões recentes da projeção do crescimento global para as próximas décadas consolidam o prognóstico: a Índia vai figurar entre os três maiores PIBs do planeta até 2050. Este ano, a Índia passou a China em tamanho populacional. Soa como um problema, mas esta situação de mão de obra abundante é fundamental para o alavancamento do Produto Interno Bruto, especialmente pelo perfil da sociedade indiana: majoritariamente jovem entre aqueles que são economicamente ativos. Xi Jinping, por exemplo, é presidente de um território igualmente populoso; porém cada vez mais idoso por conta dos anos da política do “filho único”. E falando no presidente da China, Pequim anunciou a ausência do seu representante máximo. Quem responderá pelo governo chinês na cúpula será o primeiro-ministro Li Qiang. Quem deve estar lamentando é Joe Biden. Após quatro anos de administração Donald Trump, quem fez da China seu inimigo útil, com críticas à expansão da influência política de Xi Jinping, a Casa Branca sob o comando dos democratas mudou de postura e tenta costurar uma reaproximação.

Afinal, Estados Unidos e China construíram a maior relação comercial já registrada na História da Humanidade. Mesmo que as duas potências não concordem em assuntos de fundo, a dependência econômica entre ambas é um dos alicerces do crescimento mútuo. Sem Xi Jinping no palco principal, a agenda de Biden fica mais flexível. Lula tem pré-agendada uma conversa a portas fechadas com o presidente americano. E mais do que isso. A reunião do G20 terá coadjuvantes atuando como protagonistas. Há duas semanas, na cúpula dos Brics, na África do Sul, o bloco dos emergentes mais que dobrou de tamanho. Os cinco países membros se tornarão 11, ano que vem. Em comum entre os novos integrantes: a carência de indústrias de produtos de alto valor agregado e abundância de commodities como petróleo, grãos e proteína animal. Tal perfil cria uma cadeia de troca de produtos que vai fazer valer o conceito de globalização. É neste cenário que chega a delegação brasileira no G20 de 2023.

Figurando como a décima segunda economia global (numa lista que considera a Zona do Euro como a terceira maior), em tese, Lula não teria “lugar de fala” em um evento onde os holofotes são tradicionalmente virados para o G7. Sem a figura de Xi Jiping para falar com ênfase pela China, e com Vladimir Putin acastelado no Kremlin devido ao repúdio da maioria dos presentes à guerra na Ucrânia, o presidente brasileiro terá posição de destaque na tribuna. E não se trata apenas de moral. O Brics, nesta versão ampliada, passará a ter o mesmo peso do G7 no PIB global. Em pouco mais de duas gerações, a periferia econômica do mundo passou a ser tão relevante quanto aqueles que brigam pela hegemonia há mais de um século.

Só que existe um abismo entre oportunidade e concretude. Um eventual saldo positivo para o Brasil depende da postura da delegação brasileira. O presidente Lula poder ser provocado – de novo – a opinar sobre a invasão russa à Ucrânia. O Itamaraty sabe que a maioria dos presentes quer ouvir uma condenação firme à ação de Putin. Se espera o mesmo pulso nos compromissos de preservação. Entretanto, Lula deixou subentendido que, ao concordar com a expansão dos Brics, para vantagem principalmente da China, haveria uma contrapartida; algo que se tornou caro ao presidente: a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU como membro permanente. Pode ser que Pequim até concorde. Ainda não houve oportunidade para uma eventual campanha a favor do Brasil, por parte do governo chinês. Representantes dos outros quatro integrantes do Conselho estarão no mesmo G20, mas com praticamente nenhuma disposição para debater tal requerimento.