Co-fundadora da Pismo conta como um curso de datilografia resultou em sua paixão pela tecnologia

Nossa Mulher Positiva é Daniela Binatti, co-fundadora e CTO da Pismo, empresa de tecnologia para o setor financeiro. Daniela nos conta como iniciou sua carreira neste setor ainda tão masculino e afirma que sua paixão por tecnologia a fez superar os obstáculos de uma origem humilde e fundar uma empresa hoje presente em cinco continentes e com mais de 450 funcionários. “Meus pais trabalharam na roça e estudaram somente até os 9 anos de idade. Ninguém na família tinha conhecimento tecnológico ou de negócios. O sonho deles era que eu e minha irmã conseguíssemos um bom emprego num banco”, revela. “Por isso, aos 13 anos, fui fazer um curso de datilografia. Na mesma escola, havia um curso de computação que acabou chamando minha atenção. O mundo cheio de possibilidades da computação me pareceu fascinante.”

1. Como começou a sua carreira? Eu vim de uma família muito simples. Meus pais trabalharam na roça e estudaram somente até os 9 anos de idade. Ninguém na família tinha conhecimento tecnológico ou de negócios. O sonho deles era que eu e minha irmã conseguíssemos um bom emprego num banco. Afinal, era o empregador mais estável e com possibilidade de crescimento. Por isso, aos 13 anos, fui fazer um curso de datilografia. Na mesma escola, havia um curso de computação que acabou chamando minha atenção. O mundo cheio de possibilidades da computação me pareceu fascinante. Com 14 anos, comecei a estudar e, mais tarde, entrei na faculdade de ciência da computação. Cursei a faculdade à noite, correndo depois do trabalho para chegar. Com o tempo, vi várias colegas mulheres largarem o curso pelos mais diferentes motivos — desde a insegurança de voltar para casa tarde depois da aula até a dificuldade em encontrar emprego no setor de tecnologia, que era muito masculino (ainda é). Como era minha paixão, eu nunca me intimidei. Terminei a faculdade e fiz carreira em uma das primeiras empresas de processamento de cartões do Brasil, onde trabalhei por 16 anos. Lá, ocupei vários cargos de liderança — o último deles como diretora de infraestrutura.

Mas nunca foi fácil. Além de enfrentar o desafio de construir uma infraestrutura para suportar um setor exigente e em plena transformação, eu gerenciava um data center que precisava funcionar 24 horas por dia, 7 dias por semana, e exigia atenção constante. Eu era casada e mãe de duas meninas pequenas. Liderava uma equipe com 100 pessoas — 98 homens e duas mulheres — e tive de lidar com o desafio de dar atenção às minhas filhas sem perder o foco no trabalho. O stress chegou a um nível tão alto que eu optei por sair. Comecei a estudar temas como computação em nuvem e big data, pensando em trabalhar como consultora. Fui para os Estados Unidos me reciclar. Nessa viagem, percebi que o gap tecnológico do mundo financeiro, quando comparado a outras indústrias, era enorme. A tecnologia então disponível permitiria montar uma plataforma muito melhor do que a que tínhamos previamente construído. Não precisaríamos de data center, já que todos os recursos tecnológicos necessários estavam disponíveis na nuvem. Assim, surgiu a ideia de montar a Pismo.

Eu e meus três sócios passamos quase um ano listando quais eram os problemas que não conseguimos resolver com a plataforma anterior e como faríamos diferente nessa vez. As mudanças foram muitas, não apenas na tecnologia, mas também no modelo de negócios e na forma como nos relacionamos com nossos clientes e times. O resultado foi o desenvolvimento de uma plataforma nativa em nuvem composta por microsserviços que permitem a construção de produtos financeiros, tanto em pagamentos quanto em core bancário. Entregamos aos nossos clientes um kit com os recursos necessários para que eles construam produtos financeiros inovadores e tenham controle do seu roadmap de produtos, sem ficar presos ao nosso backlog. Com a nossa tecnologia, atendemos a bancos, fintechs e outras empresas do mercado financeiro. Grandes bancos como Itaú e BTG Pactual passaram a usar nossa plataforma. Essas empresas desenvolvem seus próprios produtos financeiros com nossas APIs. Hoje, a plataforma Pismo inclui também recursos para gestão de ativos financeiros, administração de vendedores em marketplaces, operações de crédito e carteiras digitais.

2. Como é formatado o modelo de negócios da Pismo? É uma empresa de software como serviço (SaaS – software as a service). Oferecemos uma plataforma modular para serviços bancários e pagamentos baseada em nuvem. Essa plataforma é formada por um conjunto de microsserviços que se comunicam com os aplicativos dos clientes por meio de interfaces de programação (APIs – application program interfaces). Estamos hoje em cinco continentes, atendendo bancos, fintechs e empresas não-financeiras. Temos mais de 450 colaboradores. Esse modelo é conhecido como “headless” porque nós fazemos o processamento na retaguarda enquanto o cliente cuida dos aplicativos e sites que interagem com o consumidor. Isso possibilita que bancos e fintechs tenham total controle sobre a experiência dos clientes e possam se diferenciar dos concorrentes, oferecendo características únicas nos aplicativos.

Essa arquitetura tem outras vantagens quando comparada com as mais tradicionais. Ela oferece escalabilidade instantânea quando há um súbito aumento no volume de transações — como acontece na Black Friday, por exemplo. É muito confiável e segura, e possibilita desenvolver um novo produto financeiro em poucas semanas (em vez de meses). Podemos oferecer nossos serviços em qualquer país em que a AWS, que provê nossa infraestrutura, esteja presente. Além disso, não há ociosidade de recursos e o cliente só paga pelo que usa, o que faz com que esse modelo tenha um custo atraente para as instituições financeiras. Eu gosto muito de comparar a nossa plataforma com um caixa de ferramentas que possibilita construir uma variedade de produtos financeiros personalizados. Com a Pismo, é possível estruturar uma operação de cartões para um varejista, por exemplo, em poucas semanas.

3. Qual foi o momento mais difícil da sua carreira? Certamente a transição da carreira executiva para a de empreendedora. Apesar de acreditar que eu tinha a experiência necessária para montar uma empresa inovadora e bem sucedida, eu não fui educada para empreender. Fui educada para conseguir um bom emprego. As dúvidas eram muitas e eu costumo dizer que empreender é como andar todos os dias em uma montanha-russa. Vamos do céu ao inferno em horas. A cada novo desafio eu ficava me perguntando se não seria o momento de largar tudo e voltar para o mercado de trabalho. Hoje sou grata por ter insistido. A construção da Pismo me ensinou muito.

4. Como você consegue equilibrar sua vida pessoal x vida corporativa/empreendedora? Eu não acredito em separação da vida pessoal e profissional. Não é possível se entregar totalmente ao trabalho enquanto suas filhas estão em casa com febre, nem tampouco brincar com as crianças quando há uma crise no trabalho. Minhas filhas têm 15 e 13 anos, respectivamente. Durante toda a vida delas, houve momentos de muito trabalho. Inicialmente, elas reclamavam. Mas hoje entendem as razões pelas quais me dediquei tanto. E, mais do que isso, puderam assistir de camarote quão difícil é empreender, já que todo mundo supervaloriza as histórias de sucesso e pouco fala sobre as dificuldades. Às vezes precisamos fazer escolhas difíceis, abrindo mão de confortos de curto prazo para a construção de algo mais sólido no longo prazo. Já que a separação não é simples, procuro dedicar tempo a elas sempre que possível.

5. Qual seu maior sonho? Tenho muito orgulho da empresa que estamos construindo — não apenas pela plataforma e pelo produto que oferecemos ao mercado, mas principalmente pelo foco no nosso time e no ambiente inclusivo e acolhedor. Acredito em um mundo onde as pessoas possam ser quem elas são e falem abertamente sobre as suas dificuldades. Meu sonho é deixar esse legado, mostrar que é possível construir algo inovador e lucrativo e, ainda assim, tornar a vida das pessoas melhor.

6. Qual sua maior conquista? A minha família. Tenho muito orgulho das minhas filhas e, apesar de cometer muitos erros, acho que estou desempenhando um bom papel na formação de mulheres fortes, confiantes e autossuficientes.

7. Livro, filme e mulher que admira. Livro: “Como Avaliar Sua Vida?: Em Busca do Sucesso Pessoal e Profissional”, do Clayton M. Christensen. Filme: “Estrelas Além do Tempo”. Mulher: Ruth Bader Ginsburg.