Tecnologia: viabilizando a retomada do setor de viagens

O mercado de viagens, sem dúvidas, sofreu consideravelmente com a pandemia do novo coronavírus. E, se por um lado, as pessoas correram para “tirar o atraso” e voltar a viajar à lazer, as obrigações profissionais em outras localidades foram repensadas por muitas corporações.

De acordo comum estudo realizado pela Associação Brasileira de Agência de Viagens Corporativas (Abracorp), o faturamento de maio do segmento chegou a R$ 1,093 bilhão, abaixo apenas 2,4% do mesmo período de 2019. Segundo a entidade, se manter esse ritmo, o setor deverá fechar com um faturamento 20% maior do que o ano de 2019, período ainda pré-pandemia.

Ainda assim, diz a Abracorp, esses números demonstram algumas fragilidades: a alta de insumos críticos, como os combustíveis e pela inflação do setor, visto que o número de viajantes é, todavia, inferior ao de 2019. O mercado de viagens corporativas – e outros tantos –, comenta a entidade, começou a reagir de forma ágil e um dos problemas ocasionados foi o desequilíbrio entre demanda e oferta. Especialistas já previam, mais ao final de 2021, que a retomada econômica traria junto uma forte crise de abastecimento, incluindo a mão-de-obra.

Marcelo Linhares, cofundador e CEO da OnFly – empresa especializada em viagens corporativas, concorda com os bons resultados, mas os pondera. De acordo com ele, a empresa cresceu 12x em relação aos negócios pré-pandemia. “Nós vimos a passagem aérea encarecendo, retomada da demanda, aumento do petróleo, guerra, entre outros agravantes. Mas também vimos as empresas pós-pandemia muito mais preocupadas em se digitalizar, o que casou conosco.”

Marcelo Linhares, cofundador e CEO da OnFly

Ele explica que, para muitas companhias, viagens e suas despesas indiretas chegavam a ser a segunda ou maior despesa e elas nunca tinham colocado uma “lupa” nesse gasto. Por outro lado, a tecnologia ajudou de algumas formas, como um software que pode obrigar todos os colaboradores que precisarem de passagem, só comprarem com no máximo 14 dias de antecedência.

“A tecnologia também ajudou ao falar de ROI. Quando colocamos tudo de maneira que possa ser observado e o cliente vê que uma viagem custou R$ 7 mil, ele fala: tudo isso para uma reunião de duas horas? Na próxima vez, será uma videoconferência. Nós começamos a dar dados que antigamente ele não tinha. Também ajudamos a diminuir a fraude em viagem corporativa, como comprar uma passagem mais cara para ter mais milhas. O software mostra qual a passagem é a mais barata e qual o funcionário comprou”, exemplifica ele.

EXPERIÊNCIA DO CLIENTE

No setor de viagem à lazer, a digitalização também se mostra um diferencial. A Hurb, plataforma de viagens online, já nasceu digital, mas encabeça uma campanha de digitalização do turismo. O objetivo da companhia é dar acesso à tecnologia para toda a sua cadeia de fornecedores até 2025, aumentando, na média, a rentabilidade para os hotéis de 15% a 40% em todos os seus canais de vendas.

Carlos Rios, CTO da Hurb, contou ao IT Forum também o processo interno para melhorar a experiência do cliente. No início da pandemia, a companhia teve um aumento consideravelmente de suas vendas e entendeu que seria necessário acertar e digitalizar todo o seu processo.

Carlos Rios, CTO da Hurb

“Um exemplo é a área de operação interna, em que fizemos um movimento de começar a olhar para o sistema e entender como escalar de maneira saudável. Não é apenas instalar um novo sistema, mas entender o problema e ver onde conseguimos encaixá-lo”, diz ele.

A cultura, nesse processo, é um desafio, acredita o especialista. Algumas áreas têm um certo “medo” da tecnologia e é importante trocar e trazer para perto, ao invés de estar ali apenas quando há um problema. Ainda assim, na Hurb são cerca de 100 pessoas apenas em desenvolvimento, além de machine learning. Durante a pandemia, a empresa teve que contratar quase 50% novos funcionários somente em engenharia.

Na OnFly, a realidade não é diferente. Hoje, são cerca de 120 pessoas trabalhando na companhia e 30 somente em Pesquisa & Desenvolvimento. “Nós somos uma empresa de tecnologia que tropeçamos e caímos no turismo. Não me considero uma empresa de turismo. Nós, por exemplo, conversamos com CFOs para entregarmos os melhores dados que ele precisa para um processo de auditoria. Isso não tem nada a ver com turismo”, indaga.

Dados esses que devem ser bem trabalhados e adequados à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Antes, diz Marcelo, informações poderiam ser vistas para quem fizesse o download do relatório. Agora, já não é mais possível. “Nós tentamos dar relatórios bem sintetizados já com alguns insights, como porcentagem de funcionários dentro da política, fora da política, quem são os que estão fora, tíquete médio do trecho, tempo de antecedência de compras de passagens aéreas”, afirma.

“Esse é um fator importante, porque ter muito dados não significa que conseguimos usar. Sempre fomos muito orientados a dados, desde o início da companhia. O que temos feito durante todo esse tempo, desde o início de ML, foi arrumar os dados que não estavam organizados. Agora essa parte já está bem pavimentada e conseguimos tirar insumos desses dados. Temos modelos de previsão de passagem aéreas, unificação de hotéis com várias fontes de dados diferentes, entre outros”, complementa Carlos.

Apesar disso tudo, Marcelo frisa que o setor de turismo B2B sempre foi muito ineficiente, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Há muita pouca digitalização. Ao pensar no lazer, as pessoas já conseguem “se virar” no digital, mas para uma viagem corporativa, em geral, o processo ainda é mandar e-mail para uma agência.

TECNOLOGIA NO TURISMO

O momento único do turismo no mundo levou ao Comitê de Plataformas Digitais de Turismo – Travel Tech da Câmera Brasileira de Economia Digital elaborar um manifesto com contribuições e análises sobre os benefícios sociais e econômicos gerados pelo setor e do potencial do desenvolvimento vislumbrado pelas plataformas digitais.

Com os investimentos adequados e a promoção de um ambiente regulatório favorável e competitivo, o setor de turismo pode representar 8,2% do PIB brasileiro nos próximos 10 anos, em projeção realizada a partir de análise combinada dos dados do IBGE, FGV e Fecomercio-SP.

Para alcançar o crescimento potencial do setor e obter resultados positivos a curto prazo, é necessário estruturar análises sobre o consumidor do turismo brasileiro por meio de dados e inteligência de mercado, possibilitando que o estímulo à atividade seja realizado de forma precisa.

Dessa forma, o manifesto reúne em 6 tópicos análises sobre o setor e propostas para o desenvolvimento do mercado:
• Oportunidades do Turismo para o Brasil
• Importância econômica, política e socioambiental do Turismo
• Tecnologia e inovação no Turismo
• O papel do Estado no Turismo
• Gestão estratégica da relação público-privada no Turismo
• Criação de um ambiente regulatório favorável e competitivo

De acordo com o documento, um dos impactos mais significativos desse desenvolvimento, especialmente em relação à Internet e às plataformas digitais, é o empoderamento do usuário ou do consumidor. Atualmente, o grau de acesso à informação que o consumidor possui, permite a ele avaliar suas alternativas com mais cautela e mais rapidez.

É a partir do desenvolvimento tecnológico que surgem as Online Travel Agencies (OTAs), agências de viagens e turismo online, que oferecem a possibilidade de se pesquisar, comprar e avaliar produtos turísticos por meio de aplicativos e sites, e outras plataformas digitais, como as de avaliações e recomendações de serviços e atrativos turísticos e as de locação para temporada.

Além disso, segundo o Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC), a previsão é que o setor de turismo, nos próximos dez anos, gere 5,5 milhões de novos empregos na América Latina, sendo os perfis digitais os que terão maior demanda. A Decolar analisou as posições mais demandadas pelas companhias:
• Programadores: são fundamentais, pois esse tipo de perfil ajuda a inovar e a criar soluções tecnológicas para enriquecer e melhorar a experiência do viajante. Por exemplo, comprar todos os produtos turísticos que uma pessoa precisa em uma única plataforma.
• Designers de experiência do usuário (UX): esse profissional entende a percepção, necessidades, hábitos e crenças dos viajantes e cria, a partir disso, experiências diferenciadas e personalizadas.
• Analista de dados: no turismo, é de grande utilidade para compreender padrões de comportamento dos viajantes e oferecer-lhes propostas adaptadas aos seus interesses.
• Especialista em Estratégia Comercial: responsável por analisar o mercado e desenhar estratégias direcionadas para atingir os objetivos organizacionais. Deve ser um profissional criativo, resiliente e de grande proatividade.

De acordo com o estudo “O futuro do trabalho no turismo e o desenvolvimento de competências”, desenvolvido pela Organização Mundial do Turismo, sete em cada 10 trabalhadores e estudantes do setor do turismo seguirão trabalhando na área nos próximos cinco anos. Da mesma forma, foco no cliente, criatividade e inovação serão as habilidades mais relevantes para os trabalhadores do turismo nos próximos anos.

“Um dos principais desafios do turismo é encontrar os melhores talentos que ajudem a resolver os problemas complexos dessa área que ainda precisam ser enfrentados, agregando valor a um dos setores mais importantes para a economia nacional”, diz Camila Russo, diretora de Recursos Humanos da Decolar.

“Por isso, acreditamos que é fundamental promover o talento, que é o nosso principal ativo. Trabalhamos constantemente para fomentar o desenvolvimento, a aprendizagem e o crescimento de todas as nossas equipes.”

*Reportagem publicada originalmente na Revista IT Forum em novembro/22