Derrotas do governo no Congresso voltam a expor fragilidade da base de apoio após novas concessões ao Centrão

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva sofreu uma série de derrotas no Congresso Nacional ao longo desta semana, especificamente na quinta-feira, 14. Os vetos aos projetos de lei do marco temporal e da desoneração da folha de pagamentos foram derrubadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, com votações acachapantes. No total, foram 13 vetos derrubados, sendo nove deles de forma total e outros quatro de forma parcial. Mais do que isso, a derrota teve a digital de parlamentares do MDB, União Brasil, PP, PSD e Republicanos, todos eles agraciados com espaço na Esplanada dos Ministérios. O resultado, mais uma vez, aponta aponta para uma base governista não consolidada mesmo após sucessivas entregas feitas aos caciques destas legendas – nos últimos meses, o Palácio do Planalto entregou o Ministério do Esporte para André Fufuca, nome influente do PP; o Ministério de Portos e Aeroportos para Silvio Costa Filho, do Republicanos, e nomeou para o comando da Caixa Econômica Federal um nome do grupo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

“É possível perceber com clareza que a base governamental neste governo Lula três é muito fraca”, afirma Antonio Carlos de Freitas Jr., mestre em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo. O especialista destaca um fator que pode justificar esse resultado. O primeiro é o processo pelo qual Lula foi eleito: um pleito altamente polarizado, que resultou na menor diferença de votos entre dois candidatos na história. Para o especialista, a divisão na sociedade impõe ao Planalto a dificuldade de impor pautas no Congresso. “Pouco se falou sobre o programa de governo na eleição. Foi um debate de torcidas organizadas dos respectivos candidatos e com uma desconexão da eleição parlamentar por conta da briga. Ou seja: você tem um parlamento que é completamente diferente de um projeto ideológico. Essa desconexão criou um processo que, agora, o governo Lula não consegue ter maioria consolidada. A cada decisão política que precisa de autorização ou respaldo, o governo precisa sempre renegociar com o Congresso ou fazer uma nova incursão política” acrescenta Freitas Júnior.

O cientista político Paulo Niccoli Ramirez, por sua vez, vê uma base parlamentar “flexível”. Em sua avaliação, a adesão do Centrão, fiel da balança em quase todas as votações no Congresso Nacional, é instável e vai depender do tipo de matéria que será votada. “No caso do marco temporal, boa parte dessa bancada é ruralista, portanto, não existe interesse em estabelecer o marco, já que isso prejudicaria seus interesses em termos de propriedades de territórios. Essa é a dinâmica”, resume. Neste contexto, o potencial de negociação de Lula fica limitado aos interesses dos partidos de esquerda e centro-esquerda, que são numericamente incapazes de dar ao governo as vitórias necessárias nos plenários da Câmara e do Senado. “O grande problema é que, de fato, Lula não tem a maioria no Congresso. Os partidos de esquerda e progressistas não conseguem abranger a capacidade de Lula ter a maioria. Para aprovar tranquilamente projetos, resta a Lula criar uma plataforma de negociações, de ponto a ponto”.

No caso da derrubada do veto à desoneração da folha de pagamentos, por exemplo, Freitas Júnior ressalta que há uma queda de braço antiga que persiste atualmente. “É um embate entre os pagadores de impostos e o governo, que precisa arrecadar. É uma briga antiga, porque o governo quer oferecer políticas públicas, quer fazer intervenção social e, para isso, precisa de mais dinheiro”, explica. “O governo não conseguiu força suficiente para enfrentar os setores econômicos que querem diminuir a caga de imposto e facilitações tributárias. Esses setores econômicos acabam pressionando seus deputados e senadores, e o governo acaba não tendo força”, diz.

Já Ramirez enxerga a aprovação de Flávio Dino para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) como um fator “interessante”. “Lula deve ter feito certas negociações, é uma toma lá, dá cá”, inicia. “O governo Lula é um governo de trincheiras em termos de negociação. Avança, recua, negocia e, quando consegue avançar em algum projeto, precisa recuar em outros. Lula não tem ampla maioria, mas tenta superar este problema através da habilidade política de negociação. Porém, isso desagrada, por outro lado, os partidos de esquerda e progressistas, que acabam enxergando um Lula em determinadas situações. O presidente tenta agradar gregos e troianos e ao mesmo tempo se enfraquece diante desses dois grupos, seus apoiadores e críticos”. Por fim, Freitas Júnior afirma que o Congresso Nacional age como uma “feira livre”: “Cada deputado e senador precisa ser negociado individualmente”.