Ethevaldo Siqueira: pioneiro do jornalismo de tecnologia e testemunha do mundo digital

Ethevaldo Siqueira

Ao longo de seus mais de 50 anos de carreira, o jornalista Ethevaldo Siqueira sempre sustentou uma visão ampla do que era a tecnologia. Da computação às telecomunicações – passando também pela ciência e pelo avanços aeroespaciais – sua curiosidade pelas inovações e transformações do mundo digital era vasta, assim como o era seu desejo por reportar sempre a informação mais atualizada possível ao público.

Essa curiosidade natural e a vontade de compartilhar os avanços da tecnologia com todos são duas características que ajudam a definir a figura única que foi Ethevaldo, pioneiro do jornalismo brasileiro de tecnologia. Aliás, além dessas duas, há uma terceira: a disposição para viajar pelo mundo e testemunhar a notícia onde quer que ela estivesse, ao vivo e a cores. No jargão jornalístico, Ethevaldo era adepto da “arte de sujar os sapatos”.

“Ele trazia aos leitores brasileiros as novidades mais recentes da tecnologia no mundo numa época em que era preciso acompanhar os lançamentos pessoalmente e em que não tínhamos a facilidade de acessar essas informações em tempo real pela internet”, contou ao IT Forum o jornalista, professor e diretor da inova.etc Renato Cruz, que teve Ethevaldo como mentor da carreira.

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Nascido em Monte Alto, no interior de São Paulo, no dia 01 de agosto de 1932, Ethevaldo começou a cobrir o mundo da tecnologia em um tempo em que esse assunto estava muito distante do cotidiano das pessoas. Sua primeira pauta envolvendo o assunto veio logo que ingressou no jornal O Estado de S. Paulo, ainda na década de sessenta: a criação do Ministério das Comunicações, em fevereiro de 1967. No mesmo ano, começou a cursar jornalismo na primeira turma formada pela Escola de Comunicação e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP).

Seu amor pela tecnologia, no entanto, começou muito antes. Em uma participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, em abril de 2017, atribuiu a descoberta de sua relação próxima com a tecnologia a dois momentos específicos de sua vida.

O primeiro veio aos nove anos de idade, quando sua mãe, que era operadora de telégrafo, o ensinou a se comunicar usando o código Morse – ele foi o único dos seus irmãos a aprender a linguagem e logo se apaixonaria pelo sistema binário.

O segundo momento ocorreu durante a Ditadura Militar, quando foi preso e perdeu seu emprego no Banco do Brasil após ser processado pelo regime pelo crime de alfabetizar camponeses a partir do método de Paulo Freire. Segundo contou Ethevaldo, não fosse o episódio, talvez teria continuado na vida de bancário até a aposentadoria – e não entrado na carreira de jornalista.

Ethevaldo se dizia um “privilegiado” por ter tido a oportunidade de vivenciar as transformações do mundo digital e das telecomunicações ao longo de sua trajetória. Ele foi o jornalista que acompanhou mais edições da feira Consumer Electronics Show (CES), em Las Vegas, e foi celebrado em 2017 pelo feito – não conquistado nem por jornalistas norte-americanos. Voou de Concorde e presenciou o lançamento do primeiro celular e do primeiro Compact Disc (CD).

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Em julho de 1969, direto de Houston, no Texas, acompanhou a chegada do homem à Lua após o lançamento da missão Apollo 11. Do outro lado da cortina de ferro, também reportou sobre o programa espacial soviético, realizando viagens a Moscou, Leningrado e ao Cazaquistão, de onde eram feitos os lançamentos espaciais da União Soviética.

Ethevaldo também se engajou com o desenvolvimento da cobertura de tecnologia e com a evolução do setor no Brasil. Além de atuar no Estadão entre 1967 e 2012, foi colaborador da Revista Veja e comentarista da Rádio CBN. No final da década de setenta, fundou a Revista Nacional de Telecomunicações (RNT), onde ficou até 2001. Conforme contou ao IT Forum Renato Cruz – que também trabalhou com Ethevaldo no veículo –, foi lá que o jornalista protagonizou um dos maiores embates de sua trajetória, pela privatização do Sistema Telebrás.

Durante sua trajetória, Ethevaldo cobriu o fim do monopólio da AT&T nos Estados Unidos, em 1974. Na sequência, acompanhou a criação das operadoras regionais no país, as chamadas “Baby Bells”, e passou a defender que esse também seria o melhor caminho para a telefonia no Brasil e para ampliar o número de linhas disponíveis, antes represadas pela sistema estatal.

“O Ethevaldo teve papel decisivo nesse episódio, colocando até sua revista em risco”, disse Cruz. “A RNT chegou a receber boicote de anunciantes durante o governo Itamar Franco, pela defesa que o Ethevaldo fazia da privatização.”

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Ao longo de sua trajetória profissional, Ethevaldo ganhou uma série de premiações, incluindo o prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica, do CNPQ, em 1985, o Prêmio Telesp de Comunicações, em 1979, o Prêmio Ministério das Comunicações, em 1974, duas edições do Prêmio Esso, em 1968 e 1978, e o Comunique-se, em 2007. Também foi  autor de múltiplos títulos sobre comunicação e tecnologia.

Em junho de 2020, Ethevaldo publicou seu último texto em seu perfil pessoal no LinkedIn – curiosamente, uma reflexão sobre o estado do jornalismo moderno. “Por mais que eu ame o jornalismo impresso e me entristeça em dizer tudo isso aqui, afirmo-lhes que ele já morreu. Repito: ele está morto”, escreveu.

A nota, no entanto, é otimista: na postagem, Ethevaldo celebra iniciativas como a Wikipedia e o sistema operacional Linux como exemplos para o jornalismo. Na sua visão, o jornalismo deve buscar uma matriz cada vez mais colaborativa e multimídia. E sobre o jornalismo impresso? “O que fazer? A meu ver: deveríamos dar-lhe um enterro de luxo. E gritar algo como: Viva o Novo Jornalismo.”

*Esta é uma das reportagens da série Especial Dia da Informática 2023, celebrado em 15 de agosto. Confira aqui o especial completo.

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