Fair play financeiro no futebol brasileiro: um novo capítulo para sustentabilidade e gestão dos clubes

O futebol moderno exige uma visão empresarial cada vez mais sofisticada, especialmente no que se refere à gestão financeira dos clubes. Nos últimos anos, o debate sobre a implementação de um sistema de fair play financeiro no futebol brasileiro ganhou força, impulsionado pela crescente necessidade de transparência e equilíbrio econômico no esporte.

Nesse cenário, as experiências das ligas europeias oferecem exemplos claros de como um sistema regulatório bem estruturado pode impactar a sustentabilidade financeira e a competitividade dos clubes. A seguir, discutiremos as novas diretrizes propostas no Brasil e traçaremos um paralelo com as principais ligas europeias, abordando também a crescente necessidade de que os clubes brasileiros se posicionem como empresas.

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O conceito de fair play financeiro, implementado pela UEFA nas ligas europeias a partir de 2011, tem como objetivo principal evitar que os clubes gastem mais do que arrecadam, promovendo uma gestão financeira equilibrada. A intenção é impedir que os clubes acumulem dívidas insustentáveis, além de incentivar investimentos responsáveis. No contexto europeu, isso se reflete em uma série de regras que buscam proteger a integridade financeira das ligas, além de criar um ambiente competitivo mais justo.

Os pilares do fair play financeiro europeu envolvem:

  • Equilíbrio entre receitas e despesas: Os clubes devem manter seus gastos com salários e transferências de jogadores dentro dos limites de suas receitas operacionais, sem considerar aportes de acionistas.
  • Transparência e prestação de contas: Relatórios financeiros detalhados são exigidos anualmente para garantir a transparência, sendo que a UEFA monitora as finanças dos clubes por meio de auditorias regulares e dos relatórios enviados pelos participantes.
  • Sanções por descumprimento: Clubes que violam as regras podem enfrentar penalidades que variam desde multas até exclusão de competições europeias, como a Champions League e a Europa League. Casos notórios incluem o Manchester City, que foi punido por alegada violação das regras de fair play financeiro.

No Brasil, o debate sobre fair play financeiro tem ganhado força à medida que os clubes se veem cada vez mais pressionados por dívidas crescentes, gestão amadora e a necessidade de se adequar à nova realidade do futebol global. A Lei 14.193/2021, que permite a transformação dos clubes em Sociedades Anônimas do Futebol (SAF), abriu caminho para uma gestão mais profissionalizada, atraindo investimentos e melhorando a governança. No entanto, o Brasil ainda enfrenta desafios estruturais significativos:

  • Falta de uniformidade na aplicação de regras: Ao contrário das ligas europeias, o Brasil ainda não possui um sistema claro e padronizado de controle financeiro.
  • Problemas de endividamento: Muitos clubes brasileiros enfrentam grandes dívidas, o que torna o cumprimento de regras financeiras mais rigorosas um desafio considerável.
  • Falta de fiscalização robusta: A fiscalização financeira dos clubes no Brasil ainda é insuficiente, o que dificulta a criação de um ambiente sustentável para o fair play financeiro.

As Regras das Principais Ligas Europeias

A Premier League (Inglaterra) é amplamente reconhecida como um modelo de sucesso tanto esportivo quanto financeiro. Suas regras de fair play financeiro, embora menos rígidas do que as da UEFA, ainda garantem responsabilidade e sustentabilidade. A liga adota o conceito de “breakeven” (equilíbrio financeiro), que proíbe os clubes de terem prejuízos superiores a um determinado valor durante um período de três anos, sendo o limite atual de £105 milhões.

Além disso, a Premier League segue com rigidez as regras de:

  • Controle de salários: Limitação no aumento dos gastos salariais por temporada, permitindo que os clubes elevem suas despesas com salários em até 7% em relação ao período anterior, salvo se esse aumento for compensado por receitas extras.
  • Divisão igualitária de receitas: A liga adota um sistema de distribuição equitativa das receitas de direitos televisivos, promovendo um maior equilíbrio financeiro entre os clubes.

A Bundesliga (Alemanha) é frequentemente vista como uma das ligas mais financeiramente saudáveis da Europa, com uma abordagem que incentiva responsabilidade fiscal e participação comunitária. O sistema alemão é regido pela regra 50+1, que garante que os torcedores mantenham o controle majoritário dos clubes, protegendo-os de investimentos puramente financeiros e garantindo um equilíbrio entre interesses esportivos e comerciais.

Algumas regras essenciais da Bundesliga incluem:

  • Controles rígidos de dívida: A liga exige que os clubes apresentem provas de sustentabilidade financeira para obterem licença para competir, impedindo que operem com grandes déficits.
  • Governança corporativa rigorosa: Os clubes são obrigados a adotar estruturas de governança sólidas, e os dirigentes são frequentemente responsabilizados por más gestões financeiras.

A La Liga (Espanha) adotou um sistema rigoroso de controle de custos e um teto salarial baseado nas receitas projetadas de cada clube, conhecido como limite salarial. O controle inclui gastos com transferências e salários, forçando clubes como Barcelona e Real Madrid a ajustarem seus orçamentos para se alinharem às regras. Vejamos as principais:

  • Limite de gastos com elenco: Cada clube deve respeitar um teto salarial, que é calculado com base nas receitas líquidas. A regra visa evitar que os clubes gastem mais do que podem pagar, protegendo-os de acumular dívidas insustentáveis.
  • Fiscalização financeira contínua: Os clubes são auditados e fiscalizados periodicamente, e qualquer desvio pode resultar em sanções severas, incluindo rebaixamento ou multas.

A Ligue 1 (França) tem enfrentado desafios em promover equilíbrio competitivo. O Paris Saint-Germain (PSG), amplamente financiado por investidores do Qatar, tem dominado a liga. No entanto, o PSG ainda deve se submeter às regras de fair play financeiro da UEFA, que incluem:

  • Equilíbrio de receitas e despesas: Assim como outras ligas europeias, os clubes franceses devem demonstrar que não gastam mais do que suas receitas principais, excluindo injeções de capital de acionistas.
  • Fiscalização da DNCG (Direção Nacional de Controle de Gestão): A DNCG é uma agência financeira que monitora as finanças dos clubes da Ligue 1 e garante que eles cumpram as regras de fair play financeiro, sendo uma das mais rigorosas entre as ligas europeias.

Clubes Brasileiros como Empresas

A transformação dos clubes brasileiros em Sociedades Anônimas do Futebol (SAF) é um passo importante para trazer maior profissionalismo à gestão. Isso exige que os clubes sejam tratados como empresas, com foco em transparência, governança corporativa e responsabilidade fiscal. A reestruturação sob o modelo SAF permite atrair investidores, mas também exige uma governança financeira mais rigorosa.

Os clubes brasileiros que adotarem o modelo SAF estarão em uma posição mais favorável para se adequar às regras do fair play financeiro, pois serão obrigados a apresentar balanços financeiros detalhados, promover maior transparência e gerenciar suas receitas e despesas de forma mais eficiente. Além disso, a capacidade de atrair investidores estrangeiros se alinha com a crescente globalização do futebol, algo que clubes europeus já realizam com sucesso.

A implementação de um sistema de fair play financeiro no futebol brasileiro é um passo essencial para garantir a sustentabilidade dos clubes a longo prazo. O exemplo das ligas europeias demonstra que, com regras claras e uma fiscalização rigorosa, é possível criar um ambiente competitivo e saudável, tanto financeiramente quanto esportivamente. Para isso, é fundamental que os clubes brasileiros adotem uma mentalidade empresarial, onde a transparência, a responsabilidade fiscal e o planejamento de longo prazo sejam os alicerces de sua gestão.

No entanto, o desafio está em assegurar que o modelo seja aplicado de maneira justa e equilibrada, fomentando a competitividade entre os clubes sem prejudicar aqueles que já enfrentam dificuldades financeiras. É crucial que a CBF e as autoridades esportivas brasileiras desenvolvam uma estrutura sólida para fiscalizar e apoiar os clubes durante essa transição, garantindo que o fair play financeiro se torne um motor de crescimento, e não de estagnação, para o futebol brasileiro.