Sem apoio do Congresso, governo é obrigado a negociar e comprometer o orçamento, avalia Ives Gandra

O primeiro ano de governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi marcado por intensas negociações com o Congresso Nacional para que a gestão conseguisse aprovar no Legislativo pautas de interesse, principalmente no campo econômico. Ainda antes de assumir o mandato, o orçamento era uma grande preocupação da equipe do petista, que instaurou a chamada PEC da Transição na tentativa de organizar as contas públicas. No decorrer da gestão de Lula, o governo se viu obrigada a negociar diversas emendas parlamentares para conseguir que projetos avançassem no Congresso. Segundo avaliação do advogado tributarista, professor e escritor Ives Gandra Martins, Lula ganhou uma eleição muito apertada e com o parlamento mais à direita. Com isso, o Palácio do Planalto precisa abrir mão de grandes partes do orçamento público para conquistar o apoio na aprovação de projetos para o desenvolvimento do país.

“A essa altura, ele [Lula] governa o Executivo com o apoio do Supremo Tribunal Federal (STF), mas é obrigado a negociar porque tem a minoria no Congresso. Ele é obrigado a negociar cada projeto, ceder partes orçamentárias para redutos eleitorais para ter garantia de aprovação. Nós temos um Executivo que tem o apoio efetivo do Judiciário, do Supremo, mas é obrigado a negociar no Legislativo. Isso evidentemente torna a captura do orçamento muito maior, o que também dificulta a aprovação de qualquer arcabouço orçamentário. O arcabouço de Haddad é uma vitória em relação ao que o PT queria, mas, do ponto de vista técnico, é cheio de furos. Ainda assim, é muito melhor do que queriam que fosse. O governo precisaria ter o Legislativo do lado, o que, a meu ver, só aconteceria se não tivesse entrado em uma gastança tão grande”, considera.

O jurista aponta que as perspectivas para o próximo ano é de que haja um aumento do endividamento público, uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) e ainda a elevação da tributação. Gandra ainda cita o documento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que projeta que a dívida pública do Brasil chegará a 90% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2047. O órgão considerou que mesmo as estratégias defendidas pelo governo para equilibrar as contas públicas, como o arcabouço fiscal e a reforma tributária, não devem ser suficientes para barrar o aumento do endividamento brasileiro. “A economia em 2023 não foi tão mal graças ao segmento da agropecuária, que, no primeiro trimestre, teve uma evolução monumental, evidentemente no período da grande safra. Depois, os outros trimestres foram caindo até 0,1%. A agropecuária, que é o segmento que o presidente Lula tem menos estima por preferir o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), foi o setor que lhe deu tranquilidade economia e permitiu um crescimento que este ano deve ficar em torno de 3%. Mas, eu entendo que, do ponto de vista fiscal, houve uma grande deterioração”, considera.

Ele cita que, no ano passado, o Brasil teve um superávit das contas públicas de R$ 54 bilhões. Este ano, a previsão é de um déficit de R$ 177 bilhões. Para Ives, isso deve trazer como consequência um aumento do endividamento e da tributação. “Precisaríamos ter uma redução de gastos do governo para que a sociedade crescesse. O governo ainda não percebeu que não é o gasto público, puro e simplesmente, que gera desenvolvimento. Gasto mal feito é dinheiro perdido. Um bom gasto para o crescimento do país seria em tecnologia e em emprego. Eu receio que nós tenhamos ainda um aumento do endividamento em 2024, além de menor crescimento e mais tributação”, indica. O jurista considera que seja difícil reverter esse caminho por conta dos projetos econômicos do governo, com um alto nível de gastos públicos. Para ele, seria necessário alinhar uma política monetária e uma política orçamentária, com foco na diminuição dos juros e gastos com receitas programadas.